Raissa Rabelo Lindoso

Janaise Ribeiro Jacome

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar a essencialidade dos Direitos Fundamentais, principalmente o direito social da saúde, no que diz respeito à busca por uma sociedade mais igualitária. A sua fundamentalidade reside em sua ligação aos diretos humanos e ao meta-princípio da dignidade humana, servindo de valor e norte para interpretação de todos os demais direitos fundamentais. Sendo assim, a busca pela efetivação desses direitos devem ser preocupações primeiras para um Estado mais igualitário e estimulo para a diminuição das desigualdades formais. O cuidado à vida, traduzido pelo direito social à saúde, tornou-se universalizado a partir da implementação do SUS (Sistema Único de Saúde), ao menos em seu projeto de construção. Diante da realidade brasileira, o que se nota é que a positivação do direito á saúde não é suficiente para garantir a dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Direitos Sociais. Saúde. SUS.

 

1.INTRODUÇÃO

Os direitos sociais são acolhidos constitucionalmente enquanto direitos fundamentais. Fazem parte da segunda geração de direitos fundamentais direitos como a educação, alimentação, moradia, trabalho, lazer, segurança, além da saúde garantida de forma universal e igualitária. Este ultimo direito fundamental social – a saúde – é tema do presente trabalho.

A essencialidade dos direitos fundamentais sociais reside em sua ligação aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana (ALMEIDA, 2007). O direito à saúde foi acolhido tanto no artigo seis dos direitos fundamentais sociais quanto nos artigos de 196 à 200 no rol dos títulos de ordem social, ambos presentes na Constituição Federal. Esses artigos prevêem a saúde como direito universal e dever do Estado no que diz respeito à sua promoção, proteção e recuperação.

O direito à saúde, assim como outros direitos sociais, foi uma das muitas inovações trazidas com a promulgação da Constituição federal de 1988. Porém o direito social em questão só teve seu acesso universalizado e pretendido igualitário com a Assembléia Constituinte de 1987 que criou o Sistema Único de Saúde (SUS). Diante da realidade brasileira questiona-se, a positivação do direito social à saúde tem sido suficiente para garantir, de forma integral, a existência digna da pessoa humana?

O estudo dos direitos sociais, bem como, a busca para sua efetivação são preocupações primeiras para um Estado menos excludente e mais condizente com o respeito à dignidade da pessoa humana. Elencados no artigo 6º da Constituição Federal almejam uma igualdade material, em relação a isso Marcelo Rebello Pinheiro (pg. 62) afirma:

“não basta que o indivíduo tenha liberdade perante o Estado, pois é necessário que lhe seja assegurada liberdade também por intermédio do Estado, com o fornecimento de prestações materiais mínimas que lhe asseguram o exercício do direito de liberdade real”

Entende-se assim, que é a efetivação desses direitos que atestam a garantia dos direitos de liberdade que tratam, por sua vez, da igualdade formal. Dentre eles, está o direito á saúde, o qual o presente artigo pretende destacar visto que é através dele que o Estado cuida do bem mais precioso do ser humano: a vida. Apesar da importância e do destaque dado a esse setor no ordenamento jurídico, o que se nota é uma disparidade com a realidade dos centros de saúde brasileiros. Os problemas como gestões deficientes, improbidades administrativas, superlotação, falta de médicos e estrutura mínima de atendimento ameaça quem precisa do cuidado do Estado.    

2.Direitos fundamentais sociais: projeto emancipatório.

Os Direitos Sociais classificados como os direitos de segunda dimensão, surgiram no século XX em resposta aos movimentos anti-liberais buscando a realização de prestações sociais. Em relação a esses direitos Bernardo Gonçalves (2014, p.311) constata que nos primeros anos eles receberam uma baixa normativa por inverterem a lógica da geração anterior e que apenas na segunda fase foram assumidos como dotados de uma eficácia diversa pois, ainda que pese a tese de eficácia imediata pode-se encontrar leituras que defendem uma eficácia mediata. Segue-se:

“os direitos a prestações requerem uma postura ativa, no sentido de demarcar uma obrigação ao Estado de colocar à disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material (representando o que Jellinek chamava de status positivus). Assim, além dos direitos de prestação jurídica, temos os direitos de prestação material que visam reduzir desigualdades fáticas (sociais)[1]”.

Antes da promulgação da Carta Maior em 1988, o direito à saúde estava restrito aos trabalhadores que contribuíam com a previdência social (BLOOD, 2012). A universalização do direito social somente foi alcançada a partir de 1987 com a criação do Sistema Único de saúde (SUS).

Em outro momento será discutido a questão da fundamentalidade dos direitos sociais. São eles entendidos como pertencentes á segunda geração (dimensão) sendo a fundamentalidade advinda da centralidade dos direitos fundamentais na Constituição Federal. São ainda, representantes jurídicos de elementos da cidadania e vinculam-se diretamente à democracia. Nos direitos sociais fundamentais sua essencialidade reside em sua ligação à dignidade humana (ALMEIDA, 20017) tendo como desafio um projeto emancipatório de liberdade humana e do individuo diante de uma sociedade tão desigual que sofre com problemas de improbidade administrativa e com a falta a de interesse político.

2.Direitos sociais: o direito fundamental à saúde.

Presente como direito social fundamental no artigo 6° da Constituição, a saúde também vem destacada do artigo 196 a 200 do texto constitucional, se trata não só da ausência de patologia como também do bem-estar físico e mental do individuo que resulta das condições socioeconômicas e ambientas a qual ele está sujeito. . Berlinguer afirma que:

“(...) Não se pode mais considerar a saúde de forma isolada das condições que cercam o individuo e a coletividade. Falar, hoje, em saúde sem levar em conta o modo como o homem se relaciona com o seu meio ambiente é voltar à época em que a doença era fenômeno meramente biológico, desprovido de qualquer outra interferência que não fosse tão somente o homem e seu corpo. (1987, p. 59)[2]

A saúde busca zelar pelo bem mais importante dado a qualquer individuo, a vida, sendo assim, possui ligação direta com tal direito fundamental. A vida, enquanto direito fundamental, além de seu caráter biológico, deve ser encarada sob duas perspectivas: o direito a vida em si, o direito de estar vivo, e o direito á uma vida digna no que diz respeito à condições mínimas de existência (FERNANDES, 2014, p. 358).   

De acordo com Rosen (1993, pg. 345): “[...] olhando a saúde internacional com uma visão larga, reconhecendo ser a saúde ‘um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, credo, crença política, condição social ou econômica”. É necessário sobressair que o Estado tem a obrigação para com o cumprimento dessa garantia tanto no que se refere à medicina curativa quanto em relação à medicina preventiva, como por exemplo, saneamento básico, educação, alimentação saudável, moradia e trabalho dignos.

O que se percebe hoje no Brasil é um abandono em relação a esse direito por parte dos poderes Legislativo e Executivo. Não oferecem atendimento adequado à população, esbarrando muitas vezes nas políticas orçamentárias, porém o que se conclui tomando como base a jurisprudência atual, é que o direito á saúde pode ser exigido judicialmente e que em uma possível colisão, ele se sobressai em relação à competência orçamentária do legislador. Esse sobressalto se dar pelo fato de que sem o mínimo existencial não há como o individuo sobreviver e recorrer ao cumprimento dos demais direitos a ele garantidos. 

3.Direito à saúde e realidade brasileira.

O Sistema Único de Saúde foi implantado pela Constituição de 1988 e busca efetivar o direito à saúde é regulado pela Lei N° 8.080/1990.  O SUS é regido por princípios, são eles: universalidade, equidade, integralidade, regionalização e hierarquização, resolubilidade e descentralização. A universalidade trata de que todos têm o direito a serem atendidos pelo Sistema, colocando ainda o desafio de efetivar ações preventivas e reduzir os tratamentos de agravos. O princípio da equidade refere-se a garantia do serviço independentemente da complexidade do caso clínico ou onde o individuo mora, de acordo com o Ministério da Saúde (1990, p. 5): “Todo cidadão é igual perante o SUS e será atendido conforme suas necessidades até o limite do que o sistema puder oferecer para todos.” A integralidade diz respeito ao reconhecimento na prática do serviço de que toda cada pessoa é indivisível e integrante, as ações na área da saúde, assim como as unidades prestadoras de serviços, também são um todo indivisível.

Os princípios de regionalização e hierarquização, resolubilidade e descentralização ditam sobre a forma de organização do SUS. Delimitam geograficamente as áreas a serem atendidas, favorecem ações de vigilância epidemiológica, sanitária e educação em saúde, exigem que quando um indivíduo busque por atendimento o serviço correspondente esteja capacitado para resolvê-lo e zelam pela redistribuição quanto às ações e serviços entre os níveis de governo.

É necessário frisar a colisão entre a grande demanda e a insuficiente área de atuação e investimentos no Sistema, o que causa grande deficiência na garantia do direito á saúde no Brasil. No que diz respeito aos problemas enfrentados, Ana Paula Prado (2012, p. 67):

“(...) vale ressaltar que a proposta de financiamento da saúde prevista constitucionalmente e na Lei Orgânica da Saúde, nem sempre é cumprida na sua íntegra pelos entes estatais responsáveis, pelos gestores de saúde e que, conseqüentemente, o setor sofre graves problemas financeiros, decorrendo daí a intervenção do Judiciário na efetividade do direito à saúde[3].”

 

REFERENCIAS

ALMEIDA, Dayse Coelho de. A fundamentalidade dos direitos sociais e o principio da proibição de retrocesso. In: Inclusão Social, Brasília, v. 2, n. 1, p. 118-124, out. 2006/mar. 2007. Disponível em: http://revista.ibict.br/inclusao/index.php/inclusao/article/viewFile/54/77. Acesso em mar 2015.

BERLINGUER, Giovanne. Medicina e política. 3 ed. São Paulo:Hecitec, 1987.

BLOOD, Renata Luciane Polsaque Young. Direito social à saúde: opção cidadã. In: Âmbito Juridico, Rio Grande, XV, n. 102, jul 2012. Disponível em:

Ministério da Saúde. ABC do SUS: Doutrinas e Princípios. Brasília. Ano: 1990.

PINHEIRO, Marcelo Rebello. A eficácia e a efetividade dos direitos sociais de caráter prestacional: em busca da superação de obstáculos. Brasília. Ano: 2008. P. 62.

PRADO, Ana Paula Barroso de Salles Paiva Prado. Direito Fundamental à Saúde: direito social tratado como direito individual no Brasil. Minas Gerais. Ano: 2012.

ROSEN, George. Nenhum homem é uma ilha... In: Uma História da Saúde Pública. 2. ed. São Paulo: Unesp, 1993.

Vade Mecum RT / Equipe RT. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

 

[1] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 6. ed. Salvador, BA. Editora: Editora juspodivm, 2014. P. 321.

 

[2] BERLINGUER, Giovanne. Medicina e política. 3 ed. São Paulo:Hecitec, 1987.p . 59.

[3] PRADO, Ana Paula Barroso de Salles Paiva Prado. Direito Fundamental à Saúde: direito social tratado como direito individual no Brasil. Minas Gerais. Ano: 2012. P. 67.