DIREITO POSITIVO OU DIREITO JUSTO?
Um breve ensaio sobre as teorias desenvolvidas por Kelsen sobre moral e justiça
Adriana Azevedo de Araujo Lima


Na concepção da maior parte dos acadêmicos do Direito, Hans Kelsen é um ícone representativo do Direito Positivo, utilizado como exemplo por quem valoriza a "dura Lex", e acredita que valores como a moral, os costumes do local devem ser excluídos para redigir as peças e julgar as ações. Contudo, estudando a teoria Kelseniana através dos escritos do próprio Kelsen, descobre-se que este famoso autor foi além da Lei pela Lei. No livro "O problema da justiça", logo em sua introdução, discorre sobre a justiça como uma qualidade moral, e classifica-a (a justiça) como pertencente ao domínio da moral.
Faz um comparativo com a conduta social do indivíduo como forma de exteriorizar o seu sentimento de justiça, ou seja, se o indivíduo respeita as normas de conduta da sociedade a qual pertence, está sendo justo, ao contrário, se as transgride, está sendo injusto.
A maior parte dos doutrinadores contemporâneos considera que justiça se confunde com moral, quanto aos seus conceitos. Como exemplo, pode-se citar Dimitri Dimoulis, em sua apresentação do livro "O caso dos denunciantes invejosos", quando cita:
(...) A moral estabelece os comportamentos "justos", ou seja, os comportamentos adequados e aceitos em determinada sociedade. Nesse sentido, a moral impõe aos membros da sociedade determinados padrões de comportamento, seguindo o critério do justo. Por sua vez, a pessoa que é moralmente correta deve fazer o justo adotando regras de comportamento conforme o ideal da justiça social. Em palavras mais simples, a moral se identifica com a justiça porque nunca aquilo que é imoral pode ser considerado justo, nem aquilo que é visto como injusto pode ser moralmente correto (p. 12-13).
Kelsen faz, porém uma distinção entre moral e justiça, enfatizando que as noções dadas às normas de direito positivo e de justiça não podem caminhar juntas, vez que podem ser conflituosas entre si. Para justificar tal afirmação, utiliza-se do termo "validade", dizendo que:
(...) Em face de uma norma de justiça pressuposta como válida não pode ser considerada válida uma norma do direito positivo que a contradiga e, inversamente, em face de direito positivo pressuposta como válida não pode ser considerada válida uma norma da justiça que a contrarie (p. 06).
Noberto Bobbio, considerado um dos principais seguidores de Kelsen, afirma que:
(...) validade da norma jurídica indica a qualidade de tal norma, segundo a qual existe na esfera do direito ou, em outros termos, existe como norma jurídica. Dizer que uma norma jurídica é válida significa dizer que tal norma faz parte de um ordenamento jurídico real, efetivamente existente em uma dada sociedade (p. 136-137).
A partir dessa afirmação surge a dúvida entre qual seria o melhor sistema, o moralista, que deve harmonizar os preceitos morais com as normas jurídicas, ou o positivista, em que prevalece o que está escrito, positivado na Lei. Pode-se entender que o melhor caminho seria o moralismo da validade, que faz depender a validade de uma norma jurídica de seu acordo com as exigências básicas da moral.
Há de se fazer, portanto uma clara distinção entre moral e justiça, utilizando para tanto a regra de validade da norma jurídica, mas não em detrimento da norma de justiça, pois esta é a importância de estudar as normas de conduta social, saber que uma está fundada na outra, e se houver discordância entre elas, que prevaleça a norma jurídica, para evitar que haja divergência entre os muitos sistemas de regras morais e diversas opiniões sobre o justo e o correto. Todavia, de forma que o legislador seja sensibilizado e não utilize de caráter subjetivo ou, como afirma Lévy-Bruhl, as leis podem entrar em desuso, por constituírem "letra morta".

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995.

DIMOULIS, Dimitri. O caso dos denunciantes invejosos: introdução prática às relações entre direito, moral e justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

KELSEN, Hans. O problema da justiça. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do direito. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.