DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O CONCEITO DE PESSOA HUMANA
Por AILTON HENRIQUE DIAS | 19/02/2021 | DireitoDIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O CONCEITO DE PESSOA HUMANA
INTERNATIONAL PUBLIC LAW AND THE HUMAN PERSON'S CONCEPT
Ailton Henrique Dias
Vania Roma Rodrigues
RESUMO
Este artigo introduz a discussão doutrinária do ser humano no direito internacional público, que leva em conta o progresso desse ramo legal e o surgimento de novos conceitos e entendimentos decorrentes desse processo. Há também uma analogia entre o direito civil brasileiro e o direito internacional para limitar a personalidade e refletir os direitos e obrigações dos indivíduos perante a comunidade internacional.
Palavras-chave: Direito internacional público, direitos humanos, indivíduo.
ABSTRACT
This article introduces the doctrinal discussion of the human being in public international law, which takes into account the progress of this legal branch and the emergence of new concepts and understandings arising from this process. There is also an analogy between Brazilian civil law and international law to limit personality and reflect the rights and obligations of individuals towards the international community.
Keywords: Public international law, human rights, individual.
1 INTRODUÇÃO
Buscando conhecer os meios em que o direito internacional atua sobre o direito interno na proteção dos direitos humanos, este trabalho se propõe a estudar a influência dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro e seus reflexos frente à jurisdição do Estado soberano.
A relevância deste estudo encontra respaldo na atual conjuntura das relações internacionais, em que se observa o antigo critério de soberania nacional cedendo espaço para a proteção internacional dos direitos humanos. Nestes termos coube investigar a efetivação da proteção dos direitos humanos internacionais no âmbito nacional, vez que
o Brasil está inserido num sistema internacional que se desperta ao reconhecimento da primazia da pessoa humana frente ao organismo estatal.
Através de pesquisa exploratória bibliográfica e do método dedutivo objetiva-se compreender de que modo o direito internacional público contribui para a garantia dos direitos humanos no Estado brasileiro, uma vez que se acredita que o os tratados e convenções internacionais concorrem para a garantia dos direitos humanos, previstos tanto na esfera constitucional do Estado quanto na esfera internacional.
Este estudo apresentará sua conclusão por método dedutivo, com base em pesquisa exploratória bibliográfica, apontando como influem os tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento interno brasileiro e de que modo contribuem para materialização de direitos e garantias fundamentais.
- OS DIREITOS HUMANOS
2.1 Conceito e histórico.
Os seres humanos, na opinião de Comparato (2006, p.1), “são únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza” e todos, embora cultural e biologicamente diferentes, merecem igual tratamento e respeito.
Ninguém pode alegar-se superior aos demais, em razão de gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação. E acrescenta:
Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, privar ou despojar sua posteridade: nomeadamente, a fruiçao da vida e da liberdade, com os meios de adquirir a propriedade de bens, bem como procurar e obter a felicidade e a segurança. (Declaração de Direitos da
Virgínia) (COMPARATO, 2006, p. 49)
Comungando da mesma opinião, Mazzuoli (2011) aduz que os direitos do homem não prescrevem e nem se alienam. Uma vez que são direito naturais e fundamentais da pessoa, devem ser necessariamente respeitados, reconhecidos por todos e garantidos pelo Estado; tanto na esfera individual, quanto na esfera social; devendo estes direitos prevalecerem, podendo ser relativizados somente diante de um bem maior, o bem comum.
Para Canotilho (2002), direitos fundamentais se distinguem dos direitos do homem, este de cunho “jusnaturalista-universalista”, com validade atemporal e com alcance universal; ao passo que aquele são os próprios direitos do homem positivados numa ordem jurídica concreta e limitados “espacio-temporalmente.” (CANOTILHO,
2002, p.391)
É Hobsbawn (2007) quem sustenta:
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais.
Corroborando, Oliveira (2000) classifica direitos humanos fundamentais como essenciais, próprios do âmago da pessoa humana, e são fundamentais uma vez que estruturam a própria relação social.
A pessoa humana é pressuposto dos direitos humanos. Dir-se-á, com acerto, que é de todo o Direito. Ela é antecedente necessário, do qual os direitos humanos são o consequente. Estes existem em razão dela e têm o seu fundamento na sua natureza. São-lhe inerentes. Nascem com ela e para ela.(OLIVEIRA, 2000, p. 11)
Ademais, para Oliveira (2000), a vida em sociedade deve ter como suporte a dignidade da pessoa humana, e tal organização social deve se dispor a efetivar e assegurar os Direitos Humanos Fundamentais impreterivelmente.
Nada obstante, nas sociedades antigas as leis vigentes protegiam apenas os membros da classe aristocrática, garantindo-lhes o direito a propriedade, a integridade física, a honra e a família. Permitia-se o comércio de pessoas, a escravidão, as penas cruéis; as mulheres eram tratadas como inferiores e se sujeitavam ao marido, assim como os membros da família deveriam se submeter ao patriarca e os súditos à tirania do monarca.
Era comum a poligamia, não havia liberdade religiosa, e a ordália era permitida como obtenção de provas para inocentar ou incriminar. Naqueles tempos não havia uma concepção da pessoa humana como se tem hoje, logo não há que se falar em direitos humanos fundamentais na antiguidade. (OLIVEIRA, 2000)
2.2 A internacionalização dos direitos humanos.
A concepção contemporânea dos direitos humanos é fruto da internacionalização desses direitos, proveniente de um movimento pós guerra, em resposta aos horrores cometidos na Era Hitler. Durante a ditadura nazista o Estado foi o grande profanador dos direitos humanos, enviou 18 milhões de pessoas aos campos de concentração, matando 11 milhões, dentre judeus, homossexuais, ciganos e comunistas. Num cenário pós-guerra surge a necessidade de resgatar os direitos humanos como forma de orientar a atual ordem internacional. Há uma crença que grande parte das atrocidades, cometidas por Hitler, poderiam ser evitadas, caso já existisse uma ordem internacional de proteção aos direitos humanos. (PIOVESAN, 2007)
Para Oliveira (2000) a internacionalização dos direitos humanos é devido a um longo processo de intercâmbio entre os povos, do qual se criou a consciência de que é necessário a colaboração de todos para salvaguardar tais direitos.
Piovesan (2007) acredita que houve um resgate do pensamento Kantiano acerca da dignidade da pessoa humana; as pessoas, por serem racionais, existem como fim em si mesmas e nunca como meio. As coisas, irracionais são substituíveis as pessoas ao contrário das coisas são únicas e insubstituíveis.
Até o princípio do século XX, o Direito Internacional regia as relações entre os Estados, o homem não era pessoa de Direito Internacional, isso só foi possível após as duas grandes guerras mundiais. O pós guerra ensejou numa mitigação da soberania dos Estados, que passaram a sujeitar-se a organismos internacionais, tal como a ONU (Organização das Nações Unidas). (OLIVEIRA, 2000)
O movimento de internacionalização dos direitos humanos, que necessariamente implica na restrição da soberania dos Estados, é resultante da necessidade de reconstruir o cenário mundial pós Segunda Guerra, onde atrocidades foram cometidas e consequentemente houve uma ruptura com os direitos humanos. (PIOVESAN, 2010)
Concernente a universalização dos direitos humanos, Alves (1999, p. 139-140) afirma:
No curso do seu meio século de existência a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948, cumpriu um papel extraordinário na história da humanidade. Codificou as esperanças de todos os oprimidos, fornecendo linguagem autorizada à semântica de suas reivindicações.
Proporcionou base legislativa às lutas políticas pela liberdade e inspirou a maioria das constituições nacionais na positivação dos direitos da cidadania. Modificou o sistema
“westfaliano” das relações internacionais, que tinha como atores exclusivos os Estados soberanos, conferindo à pessoa física a qualidade de sujeito do Direito além das jurisdições domésticas. Lançou os alicerces de uma nova e profusa disciplina jurídica, o Direito Internacional dos Direitos, descartando o critério da reciprocidade em favor de obrigações erga omnes.
A proclamação dos Direitos Humanos, de 1948, teve por escopo obrigar, através de acordos e convenções internacionais, que todas as nações respeitem a pessoa humana nos seus direitos fundamentais, assegurando-lhe, através do trabalho, o desenvolvimento material e espiritual. Uma vez proclamados, como direitos humanos universais, devem ser garantidos por toda a comunidade internacional e não apenas por um governo.
(ANDREIUOLO; ARAUJO, 1999)
Congruentement e, é Piovesan (2010, p. 123) quem afirma:
Nasce ainda a certeza de que a proteção dos direitos humanos não deve ao âmbito reservado de um Estado, porque revela um tema de legítimo interesse internacional. Sob esse prisma, a violação dos direitos humanos não pode ser concebida como questão doméstica do Estado, e sim como problema de relevância internacional, com legítima preocupação da comunidade internacional.
Alves (1999) alude que a Declaração de 1948 deve ser entendida como Universal e não apenas Internacional, já que se destina a todos os seres humanos. Corroborando com os demais autores já mencionados acima, Miguel (2006) aduz que após a segunda grande guerra mundial, a tentativa de proteger o ser humano fez surgir, em âmbito internacional, o que se denominou Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Este tem por fim concretizar a eficácia dos direitos humanos fundamentais, criando normas que resguardem a dignidade da pessoa, a vida, a liberdade, a segurança, a honra, dentre outros. Consoante Melo (2006, p.17)
A necessidade primordial de proteção e efetividade aos direitos humanos possibilitou, em nível internacional, o surgimento de uma disciplina autônoma ao direito internacional público, denominada Direito Internacional dos Direitos Humanos, cuja finalidade precípua consiste na concretização da plena eficácia dos direitos humanos fundamentais, por meio de normas gerais tuteladoras de bens da vida primordiais (dignidade, vida, segurança, liberdade, honra, moral, entre outros) e previsões de instrumentos políticos e jurídicos de implementação dos mesmos.
Após o reconhecimento da personalidade jurídica internacional do homem, pôde o indivíduo promover a defesa dos seus direitos, por si só, perante o organismo internacional, possibilitando ao sujeito demandar contra o próprio Estado, quando este, por dolo ou culpa, desrespeitar os direitos humanos fundamentais. (OLIVEIRA, 2000, p. 191). E acresce:
Depois da Carta das Nações Unidas e, mais particularmente, depois da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, de 4 de novembro de 1950, e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 7 de abril de 1970, […]. Essas convenções criaram comissões e cortes, às quais o indivíduo pode ter acesso para a defesa dos seus direitos, respeitada a regra do esgotamento dos recursos oferecidos pelo direito interno. (OLIVEIRA, 2000, p. 191)
Miguel (2006) esclarece que, ao admitir os pactos e convenções internacionais de proteção ao ser humano, o Estado está sujeito ao monitoramento internacional, e está obrigado a garantir que os direitos humanos fundamentais sejam respeitados.
Ratificando o exposto, Piosevan (2007) alude que o processo de universalização dos direitos humanos possibilitou a criação de um sistema internacional de defesa desses direitos. Sistema este, composto por tratados internacionais de proteção que refletem a atual consciência ética dos Estados concernente aos direitos humanos fundamentais, num esforço de garantir que tais direitos sejam respeitados.
Inúmeros são os instrumentos internacionais destinados a proteger os direitos humanos; alguns de caráter regional, outros de caráter universal classificados conforme a magnitude a que se destinam. Deste modo, compõem o sistema internacional de defesa dos direitos humanos, as “declarações, convenções, pactos, cartas, protocolos, atas, resoluções e proclamações”. Dentre os principais instrumentos, destaca-se a Declaração
Universal de Direitos Humanos, que “arrola os direitos básicos e as liberdades fundamentais, que pertencem a todos os seres humanos em qualquer parte, sem nenhuma distinção de raça, cor, sexo, idade, religião, opinião política, origem nacional ou social, ou qualquer outra”; (OLIVEIRA, 2000, p.197-198)
3 AS RELAÇÕES ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O
DIREITO INTERNO DO ESTADO
O direito Internacional Público é um sistema jurídico independente, que ordena as relações entre Estados soberanos. Os Estados apenas se subordinam ao direto convencionado por eles, livremente construído ou reconhecido. Não há um poder centralizado, a comunidade internacional se organiza horizontalmente, “não existe autoridade superior, nem milícia permanente”. (REZEK, 2011, p.25)
Magalhães (2010, p.55) define Direito Internacional Público como: Conjunto de princípios e regras jurídicas (costumeiras e convencionais) que disciplinam e regem a atuação e a conduta da sociedade internacional (formada pelos Estados, pelas organizações internacionais intergovernamentais e também pelos indivíduos), visando alcançar as metas comuns da humanidade e, em última análise, a paz, a segurança e a estabilidade das relações internacionais. O Direito Internacional Público é o “conjunto de normas consuetudinárias e convencionais que regem as relações diretas ou indiretas entre
Estados e organismos internacionais, que as consideram obrigatórias.” (DINIZ 2010, p. 209). Ademais, acrescenta:
O direito internacional público tem por objetivo a organização jurídica da solidariedade entre nações, atendendo ao interesse público e visando a manutenção da ordem social que deve haver na comunidade internacional. Suas normas dizem respeito aos órgãos destinados às relações internacionais (ministério do exterior, embaixadas, consulados, ONU, UNESCO, FAO etc.); à diplomacia e aos agentes diplomáticos; à solução pacífica das pendências; ao direito de guerra, regulando-lhe a humanização, o regime dos prisioneiros e a intervenção pacificadora dos neutros; à marinha e a aviação internacionais etc.
(DINIZ, 2010, p.209)
Consoante Magalhães (2010) não há como precisar uma data para o surgimento do Direito Internacional Público, sabe-se que é resultado de diversos fatores, incluindo sociais, econômicos, políticos e religiosos da Idade Média. Na idade antiga não existia lei comum entre nações estrangeiras, nem tampouco igualdade jurídica, e somente no período feudal (Idade Média) surgiram os primeiros intercâmbios e as primeiras alianças celebradas com o intuito de assegurar a paz externa.
Todavia, foi a partir dos Tratados de Westfália, acordos firmados entre católicos e protestantes pondo fim à Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), que o Direito Internacional público foi reconhecido como ciência autônoma; A Reforma protestante não somente desmontou o domínio católico da Idade Medieval, como propiciou aos Estados, ainda que católicos, desvincular a Igreja do governo do Estado, atribuindo à autoridade civil o sumo poder dentro do Estado. “Antes da Paz de Westfália não existia um Direito Internacional propriamente dito, como se conhece atualmente [...] não existia uma comunidade internacional com poder político para sujeitar os Estados ao cumprimento de suas regras de conduta.” (MAZZUOLI, 2010, p.49)
Amaral Júnior (2008) considera as regras jurídicas como sendo de extrema importância para garantir a ordem internacional. São as normas que contribuem para a redução da instabilidade das relações sociais, tanto internas quanto internacionais. “Grande parte da atividade internacional concentra-se hoje na elaboração e alteração das regras em áreas tão diversas quanto o comércio, a agricultura, as finanças e os serviços.” (AMARAL JÚNIOR, 2008, p.13). Nesse diapasão, tem-se como amostra a criação da
Organização Mundial do Comércio (OMC) que disciplina vários temas ligados ao comércio; o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e G8 que fixam termos para concessão de empréstimos, monitoram políticas econômicas internas com o intuito de evitar as crises, dentre outros mecanismos criados com o intuito de resguardar a comunidade internacional.
Ademais, as regras jurídicas internacionais não surgem da consciência coletiva, resultam, quase sempre, de acordos entre sujeitos de posturas contrárias; é através do conflito e da negociação que se estabelecem as normas jurídicas com o escopo de garantir a efetividade da ação coletiva.
3.1 Os tratados internacionais e o ordenamento jurídico brasileiro
Rezek (2011, p.128) apregoa o predomínio dos tratados sobre as leis infraconstitucionais no ordenamento jurídico brasileiro, “não se coloca em dúvida, em parte alguma, a prevalência dos tratados sobre leis internas anteriores à sua promulgação [...] sua simples introdução no complexo normativo estatal faria operar, em favor dele, a regra lex posterior derogat priori.”; ademais, salienta que o legislador ao criar leis ordinárias de direito interno, deve no mínimo observar os acordos firmados internacionalmente pela república, a fim de não torná-la “um ilícito internacional.” (REZEK, 2011, p. 130). Entretanto, esclarece que caso haja conflito entre o tratado a Constituição nacional, a lei máxima, vértice do ordenamento jurídico prevalece.
Segundo Mello (2001) uma vez que os tratados sejam promulgados e publicados, estes passam a ser de observância obrigatória pelos órgãos judiciais na esfera interna dos Estados. Contudo, Costa e Gomes (2006, p.10) fazem uma ressalva quanto à posição adotada pelo Estado brasileiro:
[...] encontra-se bem assentado no direito internacional que um Estado não pode deixar de cumprir suas obrigações internacionais alegando o Direito interno, o que, inclusive, está expresso na Convenção de Viena de 1969, Art. 46, I e II. No entanto, é importante ressaltar, uma vez que o tratado tenha sido revogado internamente, em decorrência do posterior início de vigência de uma lei ordinária que o revoga expressa ou tacitamente, este não poderá ser aplicado pelos órgãos jurisdicionais.
No Brasil compete ao Poder Executivo as negociações e a adesão ao tratado, conquanto deve sujeitá-lo à apreciação do Congresso Nacional para que se torne norma interna obrigatória. Para que um tratado entre em vigor no ordenamento jurídico é necessário que se cumpra um longo rito pelas duas casas do Congresso Nacional. A Constituição de 1891 já reservava ao presidente da República o direito de celebrar tratados e convenções internacionais, contudo competia ao Congresso Nacional decidir de forma definitiva acerca dos tratados e convenções celebrados com outros Estados.
Também, a Constituição de 1988, vigente no país, prevê a que os “acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” devam passar pelo crivo do Congresso nacional. (AMARAL JÚNIOR, 2008, p. 56)
A Constituição de 1988 determina:
“Art.49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I. resolver definitivamente sobre tratados acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
[...] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repúlblica : VII – Celebrar tratados, convenções e atos internacionais sujeitos a referendo do Congresso Nacional: (MELLO, 2000, 269-270)
Por conseguinte, após a celebração e assinatura do tratado por parte do Executivo (no plano externo), o texto de inteiro teor do tratado internacional é, primeiramente, submetido à apreciação na Câmara dos Deputados, onde passará por leitura em plenário (publicidade), será remetido à Comissão de Relações Exteriores, passará pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e se aprovado seguirá ao plenário onde será submetido à votação.
Caso a Câmara desaprove o disposto no tratado põe termo ao processo, e uma vez que a redação final seja aprovada na casa por maioria absoluta de seus membros, o tratado seguirá para a apreciação do Senado Federal. Assim como ocorreu na primeira casa, ao chegar ao Senado o projeto será lido e publicado, posteriormente despachado para análise da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. A aprovação se dá mediante maioria absoluta, em único turno e sem emendas, vale ressaltar que não cabem alterações ao texto do tratado. Concluído a apreciação pelo Senado Federal, sendo aprovado, segue para que o presidente do Congresso Nacional, (também presidente do Senado) o promulgue.
Após promulgação será publicado nos diários do Congresso Nacional e no Oficial da União Cumprindo o rito, a prática brasileira prevê que o instrumento seja ratificado pelo presidente da República, “a quem a Constituição da competência privativa para celebrar tratados, convenções e atos internacionais (art. 84 inc. VIII)”. Após ratificado, deve ser promulgado (por decreto presidencial), e por fim publicado no Diário Oficial da
União. Ao findar o processo de legitimação os tratados passam a integrar o ordenamento jurídico nacional devendo ser observado por todos, governantes e particulares, e garantido pelo poder judiciário. (MAGALHÃES, 2010, p.323)
Em suma, A aprovação dos atos internacionais se inicia com uma exposição de motivos do Ministro das Relações Exteriores, solicitando ao Presidente a submissão, por Mensagem, ao Congresso Nacional.
- A INFLUÊNCIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO
AOS DIREITOS HUMANOS FRENTE À JURISDICÃO BRASILEIRA
4.1 O tratado Internacional como norma constitucional.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 teve início no Brasil o processo de redemocratização que trouxe como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) e a preponderância dos direitos humanos (art.4º, inc. II).” A Carta de 1988, dessa forma, instituiu no país novos princípios jurídicos que conferem suporte axiológico a todo o sistema normativo brasileiro e que devem ser sempre levados em conta quando se trata de interpretar quaisquer normas do ordenamento jurídico pátrio”. (MAZZUOLI, 2010, p. 764)
Para Gomes e Mazzuoli (2009, p.1) embora o Supremo Tribunal Federal em decisão histórica, no dia 03 de dezembro de 2008 (RE 466.343-SP e HC 87.585-TO) tenha atribuído status supralegal aos tratados de direitos humanos não aprovados com o quórum previsto pelo artigo 5º § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, isso não implica que esteja “totalmente superada a discussão a respeito do grau hierárquico dos tratados internacionais no nosso direito interno”. Ademais, questionam,
“qual seria esse valor hierárquico?” uma vez que há quatro correntes e possíveis respostas: “(a) valor legal; (b) supralegal, (c) constitucional e (d) supraconstitucional.”
Contudo, quanto ao valor hierárquico dos tratados de direitos humanos, esclarecem: Conquanto a doutrina internacionalista entenda que qualquer tratado tem, no mínimo, status supralegal (posição com a qual concordamos), o certo é que, para o Supremo Tribunal Federal, os tratados que não versam sobre temas relacionados aos direitos humanos não ultrapassariam o nível da legislação ordinária no Brasil.
Nesse diapasão, Jayme (2005) dispõe que anteriormente o Supremo Tribunal Federal tinha como entendimento que os tratados internacionais, independentemente da matéria tratada, possuíam status de lei ordinária, conforme disposto no artigo 102, inciso III, alínea b da Constituição da República Federativa do Brasil.
No entanto, consolidava-se a tese defendida, no Estado brasileiro, por Antônio Augusto Cançado TRINDADE e pela professora Flávia PIOVESAN, de que os tratados internacionais de Direitos Humanos teriam a mesma hierarquia das normas constitucionais, por força do § 2º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. (REIS, 2011, p. 232)
Comungando da mesma opinião, Mazzuoli (2010) acredita que quando o poder constituinte originário dispôs no artigo 5º em seu § 2º que: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”; estaria autorizando que tais direitos e garantias advindos de tratados internacionais concernentes a direitos humanos ratificados pelo Brasil devem ter status de emenda constitucional.
Para dirimir este tema, e tentar pôr fim à controvérsia, emendou-se o artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004) criando-lhe um terceiro parágrafo, o qual dispõe que uma vez que o tratado ou convenção internacional sobre direitos humanos tenha a aprovação no Congresso Nacional nos moldes previsto para as emendas, os tratados serão equivalentes a estas. (REIS, 2011)
É dizer, tais tratados passaram a ser fontes do sistema constitucional de proteção de direitos no mesmo plano de eficácia e igualdade daqueles direitos, expressa ou implicitamente, consagrados pelo texto constitucional, o que justifica o status de norma constitucional que detêm tais instrumentos internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. (MAZZUOLI, 2010, P. 765)
Piovesan (2003) alude que por força do art.5º, parágrafos 1º e 2º previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os direitos previstos em tratados internacionais possuem hierarquia de norma constitucional, sendo de aplicabilidade imediata, uma vez que são garantias constitucionais. Quanto aos demais tratados internacionais, não jushumanitários, têm força hierárquica infraconstitucionais, nos termos do artigo 102, inciso III, alínea b.
Até agora, esse tratamento legal diferenciado é razoável, os tratados internacionais de direitos humanos têm uma natureza especial, diferente dos tratados internacionais comuns. Embora estas busquem equilíbrio e reciprocidade das relações entre os Estados Partes, isto é, aqueles, além dos compromissos mútuos entre as partes, salvaguardar os direitos humanos em vez de defender os direitos humanos Privilégio de estado. (PIOVESAN, 2003, 46-47)
Consoante Mazzuoli (2010) uma vez que haja conflito entre as fontes do direito (interna e internacional) deve se optar pela mais benéfica, uma vez que o princípio internacional pro homine busca potencializar este sistema de proteção à pessoa humana podendo, inclusive, ser aplicado ambas as normas, cada qual naquilo em que for mais favorável.
Cabe, ainda, registrar que o art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos consagra o princípio da prevalência da norma mais benéfica, ou seja, a Convenção só se aplica se ampliar, fortalecer e aprimorar o grau de proteção de direitos, ficando vedada sua aplicação se resultar na restrição e limitação do exercício dos previstos pela ordem jurídica de um Estado-Parte ou por tratados internacionais por ele ratificados. (GOMES, 2004 apud
REIS, 2011, p. 236)
Isto posto, faz-se mister ressaltar que o princípio da primazia da norma mais benéfica e protetiva aos direitos humanos afasta os demais princípios interpretativos tradicionais, tais como: Lex posteriori derogat legi priori, que sejam incompatíveis, e Lex speciali derogati legi generali. (GOMES, 2004 apud REIS, 2011)
O Brasil tem ampliado o rol de proteção dos direitos humanos, à medida que ratifica os tratados internacionais e os incorpora ao ordenamento interno como normas constitucionais.
Atualmente já se encontram ratificados pelo Brasil (estando em pleno vigor entre nós) praticamente todos os tratados internacionais significativos sobre direitos humanos pertencentes ao sistema global de proteção dos direitos humanos (também chamado de sistema das Nações Unidas). São exemplos desses instrumentos (já incorporados ao Direito brasileiro) a Convenção para Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1966), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), O Pacto Internacional sobre Direitos econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979), o Protocolo Facultativo à convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher ((1999), a Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1984), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), o Estatuto de
Roma do Tribunal Penal Internacional (1998), o Protocolo Facultativo sobre Direitos da Criança Referentes à venda de Crianças, á Prostituição Infantil e à Pornografia Infantil (2000) e, ainda, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, conhecida como Convenção de Mérida (2003). Isto tudo sem falar nos tratados sobre direitos sociais (v.g., as convenções da OIT) e em matéria ambiental, também, incorporados ao Direito brasileiro e em vigor no país. (MAZZUOLI, 2010, p. 763)
Dentre todos esses pactos firmados pelo Brasil, Jayme (2005) destaca a Convenção Americana de Direitos humanos, alegando que a promulgação da Constituição Federativa do Brasil em 1988, mostrou o caminho de reconstrução do ordenamento jurídico e da cidadania, contudo, o país deu um grande salto com a ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanos (também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica), em 1992, alcançando seu ápice a partir do Decreto Legislativo nº 89/98, pelo qual reconhece a submissão do Estado brasileiro à jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos; rompendo com o preceito de soberania absoluta e impondo ao Estado o dever de cumprir com o pactuado na Convenção.
4.2 Reflexos dos acordos internacionais de proteção aos direitos humanos junto ao Estado brasileiro.
A Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, em seu artigo 5º, inciso
LXVII preconiza: “Não haverá prisão civil por dívida, salvo responsabilidade pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.”, ou seja, não se pode impor pena privativa de liberdade por inadimplemento, contudo está previsto na norma constitucional que o responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia pode ser preso, do mesmo modo, está passível de prisão civil aquele que se nega a devolver, ante mandado judicial, coisa ou valor que lhe foi confiado (depositário infiel).
Embora haja previsão constitucional sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 466.343-SP, firmou o entendimento de que a prisão civil do depositário infiel está vedada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, que prevê em seu artigo 7º, item 7: "Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar." (GOMES, 2009) E acrescenta:
O fato de o Brasil ser signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que admite somente a prisão civil a devedor de alimentos, impede qualquer outro tipo de prisão. [...] O conflito entre os tratados internacionais e o direito interno (Constituição ou leis ordinárias) resolve-se por dois novos critérios (da jurisprudência internacional): (a) vedação de retrocesso e (b) princípio pro homine (em matéria de direitos humanos aplica-se sempre a norma mais favorável). (GOMES, 2009, p 1)
Outro grande avanço na legislação brasileira, resultado da proteção internacional dos direitos humanos, foi a promulgação, da Lei 11.340, em 07 de agosto de 2006, que combate a violência doméstica. Também conhecida como Lei Maria da Penha, a Lei 11.340 surgiu por recomendação internacional em resposta ao caso da brasileira Maria da Penha Maia Fernandes vítima do próprio marido, que por duas vezes tentou matá-la. Consta que em maio de 1983, Marco Antônio Heredia Viveiros, forjando um assalto, atirou, com uma espingarda, nas costas da esposa enquanto ela dormia deixando-a paraplégica.
Poucos dias depois, ao regressar ao lar Maria da Penha, após ser submetida à vária cirurgias, recebeu de Marco uma descarga elétrica, enquanto tomava banho, numa tentativa de eletrocutá-la. Em junho de 1983, iniciaram as investigações sobre o caso, e somente em setembro de 1984 a vítima ofereceu denúncia contra seu agressor. Em 1991 o marido agressor foi condenado a oito anos de prisão, contudo, recorreu em liberdade conseguindo a anulação do seu julgamento em 1992. Em 1996, em um novo julgamento, Marco foi condenado a dez anos e seis meses de reclusão, e mais uma vez recorreu em liberdade. Após transcorridos dezenove anos e seis meses da data do crime, Marco foi preso, contudo cumpriu apenas dois anos de prisão e em seguida obteve liberdade. Maria da Penha, diante da desídia e lentidão da justiça brasileira, recorreu aos organismos internacionais para a defesa da mulher que formalizaram a denúncia à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos. “O caso de Maria da Penha Maia Fernandes provocou a condenação internacional do Brasil e forçou a implementação de instrumentos que buscassem coibir a violência doméstica”. (SIQUEIRA, 2012, p.4)
O Relatório n. 54 da Organização dos Estados Americanos responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão frente a violência doméstica, recomendando a adoção de várias medidas, dentre elas a de simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que se possa ser reduzido o tempo processual. Também impôs o pagamento de uma indenização no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha. [...] O Poder Judiciário, que até então reforçava a desigualdade de gênero na sociedade, passa gradualmente a atuar em defesa dos direitos das mulheres.
O Direito Penal brasileiro finalmente começa a trilhar caminho em direção à primazia da dignidade humana e sua prevalência na esfera doméstica, condizente aos tratados internacionais que versam sobre a mulher. (SIQUEIRA, 2012, p.1)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos humanos na arena constitucional são a imigração contínua e progressiva (internacionalização) para os líderes supranacionais, que os elegem e se adaptam às suas tensões nos padrões primários supranacionais.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos provou ser uma ferramenta importante para padronização, fortalecimento e implementação na busca contínua por reconhecimento, desenvolvimento e realização dos mais altos objetivos dos seres humanos e violações de Estados e indivíduos. Dignidade humana
Portanto, a dignidade humana tem valor real na comunidade internacional e deve ser orientada em qualquer aspecto importante para qualquer interpretação do direito internacional público, ou seja, a lei que o rege.
Em nosso tempo, o direito internacional dos direitos humanos é confirmado por vitalidade inegável, é um ramo autônomo da ciência judicial contemporânea e tem sua própria particularidade. É essencialmente um direito à proteção, marcado por sua própria lógica, que visa preservar os direitos da humanidade, não o Estado.
De fato, a dignidade humana é vista como o núcleo fundador do direito internacional dos direitos humanos e é entendida como um conjunto de normas que estabelecem os direitos dos seres humanos de cumprir suas personalidades e estabelecer mecanismos para protegê-los.
REFERÊNCIAS
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