Direito ao silêncio em detrimento do princípio nemo tenetur se detegere

Por Sávio Alves de Morais | 05/11/2015 | Direito

A Constituição Federal é a nossa carta magna que resguarda todas as garantias fundamentais dos brasileiros desde o seu nascituro. As normas constitucionais são um parâmetro fundamental para toda a estruturação do ordenamento jurídico.

Em defesa dos direitos fundamentais a constituição garante prerrogativas específicas quanto à defesa individual. Neste sentido, é observado todo o rol de direitos e garantias fundamentais dispostos no titulo II da Constituição Federal, onde no seu capítulo I defende os direitos e deveres individuais e coletivos. Especificamente em seu art. 5º, a constituição predispõe em seu texto que todos são iguais perante a lei e possuem garantias fundamentais.

O direito de permanecer calado disposto no inciso LXIII do art. 5º da CF/88 assegura o princípio da não autoincriminação, o que consagra um direito fundamental do indivíduo em face do estado. É uma clausula que possui outros desdobramentos para evitar que o indivíduo seja “violentado” pela persecução penal.

Neste mesmo sentido, o artigo 186, caput, do Código de Processo Penal assegura o direito de permanecer calado durante o seu interrogatório, como se segue:

“Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder as perguntas que lhe forem formuladas.”

Ainda no artigo 186 do Código de Processo Penal, mas agora em seu Parágrafo único:

“O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo de defesa.”

 

Não só no ordenamento jurídico brasileiro, mas também no Pacto de São José da Costa Rica e na Convenção Americana de Direitos Humanos se vê resguardada essa fundamentação.

Ante tal entendimento, se abrange uma discussão acerca dos meios de provas aceitas no nosso sistema jurídico que se intentam acerca daqueles que o tornam inviolável ou invasivo. Como não ferir a constituição e assegurar a eficácia plena das nossas provas? 

As provas apresentadas ao processo servem para servir como fundamentação legal para a decisão final de forma que sirva necessariamente como objeto de reconstrução factual de todo o desdobramento do caso concreto.

O intuito probatório almejado pelas provas serve de embasamentos palpáveis às proposições levantadas pelas partes, a fim de levar ao conhecimento do julgador a imposição da verdade, tentando alcançá-la o mais próximo da verdade possível. Levar ao conhecimento do douto julgador aqueles fatos que ficaram controvertidos diante das alegações. Trazer palpáveis os fatos, resguardar, assegurar, identificar, transformar os embasamentos factos em certezas ao convencimento do juiz.

Tão necessária à prova, visto que o embasamento jurídico do acusador deve ser fundamentado para haver ainda mais a fundamentação da decisão. Por isso faz a necessidade da persecução penal abrangida de forma legal, sem vícios ou ilegalidades, defeitos jurídicos que levam à violação de um direito fundamental material, não apenas as provas obtidas por agentes públicos como também as obtidas por um particular merecem a mesma reprovação.

Além da ilicitude, há também a tipicidade, atipiciadade e provas invasivas e não invasivas, as quais levantadas de forma ilícitas constituem em erro e em contradição ao ordenamento jurídico.  Persecução penal não pode ser fardada de vícios e nulidades, pois pode acarretar como nulo toda a persecução penal, ou seja, todo o processo desde o seu início, indo a desacordo com o princípio do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e economia processual.

Não obstante, é sabido da existência de processos que tiveram inicio fundado em provas ilícitas que começam antes da abertura do processo. Ilicitude que leva a um desdobramento processual que está tendenciado a nulidade devido à Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (fruits of the poisoned tree), onde pode acarretar até prescrição do crime, ou seja, perdendo o estado o seu jus puniendi.

O princípio da não auto incriminação, consolidado ao direito de não produzir provas contra si mesmo, se desdobra ao entendimento de que o Estado como dono da ação nos casos de ações penais públicas, possui o ônus da prova fundado na lógica de que o autor da ação deve provar os atos e fatos que estão aptos a constituir o direito por ele afirmado.

Diante de toda controvérsia aferida pelo silêncio do réu, visto que a sua omissão não implica em mentir em juízo, como também a sua recusa de fornecer as assinaturas configurem o crime de desobediência, além disso ao ser optado pelo silêncio, todo o ônus da prova recai sobre a acusação, sendo de sua responsabilidade, visto que o Estado possui os mecanismos probatórios, não sendo assim necessário ao réu o fornecimento das provas que o Estado quer ou precisa para poder assim lhe acusar.

A obrigação de dizer a verdade, mesmo que também sendo uma prerrogativa legal, não sobrepõe o direito constitucional do acusado de permanecer em silêncio, para assim não produzir provas em seu desfavor e prejuízo. É assim o pensamento do nobre doutrinador, Guilherme Nucci:

Sustentamos ter o réu o direito de mentir em seu interrogatório de mérito. Em primeiro lugar, porque ninguém é obrigado a se auto acusar. Se assim é, para evitar a admissão de culpa, há de afirmar o réu algo que saber ser contrário à verdade. Em segundo lugar, o direito constitucional à ampla defesa não poderia excluir a possibilidade de narrar inverdades, no intuito cristalino de fugir à incriminação. Aliás, o que não é vedado pelo ordenamento jurídico é permitido. E se é permitido, torna-se direito. No campo processual penal, quando o réu, para se defender, narra mentiras ao magistrado, sem incriminar ninguém, constitui seu direito de refutar a imputação. O contrário da mentira é a verdade. Por óbvio, o acusado está protegido pelo princípio de que não é obrigado a se auto incriminar, razão pela qual pode declarar o que bem entender ao juiz. É, pois, um direito (NUCCI, p. 456).

Seguindo esse entendimento, confinado ainda em todo o entendimento jurisprudencial, o réu também pode se assegurar na premissa de não produzir provas contra si mesmo em colhimento de provas, visto que é abrangente o leque de provas aceitas em nosso ordenamento jurídico. Como também se distinguem quanto à forma de coleta, que se consagra de um modo invasivo.

É nesse azo que se pode concluir acerca da prevaleça do direito à informação, contudo o acusado ou indiciado possa se resguardar no intuito ou não de permanecer em silêncio, para não se auto prejudicar, entretanto, pode ainda optar pela intervenção ativa, ressalvando o seu desejo de permanecer calado quando bem lhe convier. Assim é o entendimento jurisprudencial e majoritário.

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