DIREITO A MORADIA COMO GARANTIA FUNDAMENTAL E A IMPORTÂNCIA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA PARA SUA EFETIVAÇÃO

Maria Elaine de Almeida Sousa Moreira

Ana Luísa Aguiar Solon

Silmara Carneiro de Araújo

 

Resumo: Este trabalho surgiu da necessidade de apresentar partes do Direito que, muitas vezes, passa batido para aqueles que não possuem um amplo conhecimento sobre. Urge abordar uma maneira de resolver os problemas causados pela expansão de cidades urbanas. O presente estudo tem por objetivo Central apresentar a política pública da regularização fundiária como um desafio, dentro do Direito Urbanístico, de consertar a tais problemas. Na segunda metade do século XX, por volta de 1980 e 1990, conseguiu-se observar um desenfreado crescimento urbano informal e, consequência disso gerou-se novos assentamentos urbanos informais. Neste sentido, foi realizado uma pesquisa acerca do Direito a moradia, compreendendo suas características e seus pressupostos. Trata-se de uma pesquisa teórico-bibliográfica e documental, onde se faz presente toda a história do Direito Urbanístico bem como suas vertentes. Delimitando cada ponto e explorando de maneira mais minuciosa possível cada tópico. A regularização fundiária é, neste momento, uma medida fundamental para efetivação da política urbana brasileira contemporânea. Onde o processo de regularização fundiária deixou de ser uma faculdade do Poder Público e passou a ser encarado como uma obrigação deste. 

Palavras-Chave: Moradia. Direito Urbanístico. Constituição Federal.

 

Abstract: This work arose from the need to present parts ofthe Law that, many times, pass to those who do not have a wide knowledge about. There is an urgent need to addressa way to solve the problems caused by the expansion ofurban cities. The main objective of this study is to presentthe public policy of land tenure regularization as a challenge, within Urban Law, to fix these problems. In thesecond half of the twentieth century, around 1980 and 1990, uncontrolled informal urban growth was observed and, as a consequence, new informal urban settlements weregenerated. In this sense, a research was carried out on theRight to housing, understanding its characteristics and its assumptions. It is a theoretical-bibliographic anddocumentary research, where the entire history of UrbanLaw is present as well as its aspects. Delimiting each point and exploring each topic as thoroughly as possible. Land title regularization is, at this moment, a fundamental measure for the realization of contemporary Brazilian urbanpolicy. Where the process of land tenure regularizationceased to be a faculty of the Public Power and started to beseen as an obligation of this.

Keywords: Housing. Urban Law. Federal Constitution.

 

INTRODUÇÃO

Observa-se que em meados do século XX, houve um descontrole quanto ao crescimento urbano. Foi, inclusive, conhecido pelo século da urbanização. Esse processo se intensificou por dois motivos: a necessidade de trabalhadores para indústrias e, consequentemente, uma redução de trabalhadores rurais. 

A descentralização seria uma forma útil de resolver os problemas que haviam surgido com a urbanização, porém, com o constante crescimento das cidades, o mundo apenas assistia àquilo de braços cruzados e esperando o surgimento de novos problemas.

É exatamente dentro desse contexto, que nasce o princípio dessa pesquisa. O acesso à moradia pela população de baixa renda era extremamente difícil, estes não conseguiam adquirir moradia no mercado formal, resultando, por tanto, na segregação socioespacial. Isso se dá nas grandes, médias e pequenas cidades brasileiras. Podendo se indicar um fator determinante para esse cenário desenhado em diversas cidades do país, a falta de políticas públicas habitacionais.

Este trabalho apresentará a regularização fundiária como ferramenta útil para garantir o direito constitucional à moradia, não apenas com a obtenção do título de propriedade do imóvel, mas também garantir a população de baixa renda o direito à cidade dotada de disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos.

Para que seja possível a viabilização de tal premissa, o presente estudo propõe de maneira específica: apresentar o conceito correlacionados com o Direito Fundamental a moradia dentro da Constituição Federal.

A regularização fundiária compreende a legalização da posse, que é uma etapa desta, a ser somada também a urbanização das ocupações irregulares. Assim o estatuto da cidade tem como diretriz a inserção dos processos de regularização fundiária urbana de interesse social no âmbito do planejamento urbano. Em decorrência da realização de regularização de situações ilegais há a necessidade de se desenvolver políticas de prevenção às irregularidades, com objetivo de conter a proliferação destas.

O objetivo geral desde trabalho consiste em analisar o Direito a moradia dentro de providências adotadas pelos municípios para a regularização fundiária no perímetro urbano.

Apresenta-se, dessa forma, o Direito a moradia. De início, sendo feita uma abordagem geral, conceitual, histórica e explicativa dos Direitos e Garantias fundamentais, defendidos pela Constituição Federal. Em seguida, ocorrerá a explanação do Direito a moradia e sua introdução na legislação, bem como uma explicação do porquê de ter sido mais tardia do que as outras garantias fundamentais. Dito isso, observa-se a função social da cidade, que está dentro dessa garantia do indivíduo.

Por fim, adentrará totalmente no ramo da regularização fiduciária expandindo o tema para a jurisdição direta, adentrando na Lei que trata apenas da regularização fiduciária. 

Portanto, o Direito será um dos mecanismos muito utilizados na confecção e desenvolvimento do trabalho, porém a Sociologia não estará de fora, pois é nesse sentido que se abordará o âmbito das políticas públicas e sociais. Utilizar-se-á também dos meios históricos e filosóficos, em meio aos primeiros capítulos, por necessitar de uma base completa e explicativa sobre os tópicos propostos. 

 

HISTÓRICO DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Para dá início a explanação, é cabível um pequeno conceito sobre o que seriam direitos e garantias fundamentais:

Os direitos fundamentais são os direitos humanos definidos na Constituição, que devem ser garantidos e protegidos pelo Estado. Já as garantias fundamentais são uma forma ou um instrumento para garantir que esses direitos sejam colocados em prática. A Constituição Federal de 1988 (CF) ampliou a proteção aos direitos fundamentais e por isso ficou conhecida como Constituição cidadã. (LENZI, 2018, p.1)

Os direitos e garantias fundamentais são imediatos, individuais e intransferíveis. Ou seja, o indivíduo passa a exercê-los logo que nasce. Não pode ser compartilhado com outrem e é particular, apenas você pode tê-lo. A Constituição Federal, separa os direitos fundamentais em: individuais, coletivos, sociais e políticos. 

São os Direitos individuais e coletivos: direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. São destacados no artigo 5°, da Carta e são considerados os direitos mais importantes do cidadão. O que não significa que os outros são meramente ilustrativos, ou que existe uma escala hierárquica, já que se faz conhecimento de que na CF/88 não possui hierarquia entre as normas. 

São os direitos defendidos pela Constituição Federal, em particularidades, em seu artigo 5°:

Homens e mulheres têm os mesmos direitos e obrigações; não pode existir tortura ou tratamento desumano; liberdade de manifestação de pensamento, crença e de cultos religiosos; liberdade de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (proibida a censura); intimidade, vida privada, honra, imagem, correspondências e sigilo telefônico são invioláveis; livre exercício de trabalho e profissão; acesso à informação; liberdade de locomoção no país; reunião pacífica em local público; direito à propriedade (com função social); pequena propriedade rural de família não pode ser penhorada; direito de herança; defesa do consumidor; direito de obter certidões em órgãos públicos; acesso ao Poder Judiciário; racismo, tortura e tráfico de drogas são crimes inafiançáveis; não há pena de morte; integridade física e moral dos presos; presidiárias têm garantia de amamentar os filhos; nenhum brasileiro pode ser extraditado; não há condenação sem sentença judicial; não pode haver prisão ilegal e prisão por dívida (a não ser por falta de pagamento de pensão alimentícia). (LENZI, 2018, p.1) 

Acredita-se que os direitos fundamentais, nos primórdios, haviam sido criados para o bem-estar exclusivo do indivíduo, porém com o passar dos anos, o conceito de garantias fundamentais amplificou e decidiu que seria utilizado também para colocar regras de convivência, ou seja buscando a proteção do indivíduo contra outro indivíduo. 

 

INTRODUÇÃO DO DIREITO À MORADIA.

O Direito à moradia no contexto das garantias fundamentais foi um porco tardia. Acontece que esse Direito era propagado pela Constituição Federal de forma indireta, fazendo com que não existisse lei que vigorasse apenas em favor disso.

Como bem se vê, os direitos do homem são nada mais, nada menos, que frutos de grandes e sofridas conquistas históricas e, foram e continuam nascendo paulatinamente em face das circunstâncias que vão se apresentando.

Diante desse fato, não pode falar em direito à moradia sem antes descrever, mesmo que sucintamente, o contexto de surgimento dos direitos sociais.

Os direitos sociais, conhecidos como os direitos de segunda geração, foram consagrados como direitos fundamentais, na passagem do Estado Liberal, “consagrado pela expressão francesa laissez-faire, laissez-passer, para o Estado de Bem-estar social, também conhecido como Welfare State.”

Nesse sentido, tendo como cenário o século XVIII, onde imperava o pensamento liberal-burguês, que teve como grande marco a Revolução Francesa, pregava-se o ideal do Estado mínimo. Devendo, este, atuar somente na medida necessária para garantir as liberdades do indivíduo, de maneira a defendê-lo dos abusos do Estado, contrapondo-se, por este viés, ao absolutismo estatal, que imperava e marcou uma era de submissão do indivíduo ao monarca.

Outrossim, com o impacto da industrialização, os graves problemas sociais e econômicos que acompanharam a Revolução Industrial, gerando grandes movimentos reivindicatórios da classe operária, foram atribuindo reconhecimento progressivo de direitos e demonstrando que a máquina estatal instrumento ativo para a realização da justiça social.

Assim, surgiu um novo modelo de Estado, alicerçado no dualismo do bem-estar e desenvolvimento econômico.

Ante a esse seguimento, o Estado Liberal deu lugar ao Estado Social, que tinha como finalidade assegurar aos particulares um mínimo de igualdade material e real na vida em sociedade, assim como a garantia de condições mínimas para uma existência digna.

Foi com esses acontecimentos que surgiram os direitos sociais, chamados, também, de direitos de segunda dimensão. (GONÇALVES, 2011, p.1)

 

Acontece que em fevereiro do ano 2000, foi feita a introdução direta no artigo 6° da Constituição Federal, agindo como um direito social não transferível para as pessoas. Pois, como já se tem conhecimento, a população de baixa renda é a que mais sofre em questões de moradia e saneamento básico. Pode-se dizer que é um problema repercutido até hoje desde a era da Revolução Industrial e o aumento urbano.

A Constituição finalmente incluiu o Direito à Moradia como um dos direitos sociais. Do ponto de vista das responsabilidades governamentais, o texto de 1988 já havia estabelecido a habitação como "competência comum" a União, estados, municípios e Distrito Federal. Essa definição vincula todos os entes federados à necessidade de atuar no setor, todavia deixa em aberto quais as atribuições inerentes a cada um, o que tem levado, em muitos casos, à inércia - o famoso "deixa que eu deixo" - e em outros casos, àsobreposição de atuações em um mesmo território, usualmente aqueles de maior visibilidade política. (CARDOSO, 2012, p.1)

A Declaração Universal dos Direitos dos Humanos, de 1948, foi a primeira norma internacional que trouxe o direito à moradia, em seu artigo 25: Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Várias outras normas internacionais tratavam desse tema, como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ambos de 1966.

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais trouxe em seu artigo 11 a proteção do direito à moradia. Para melhor aplicabilidade deste pacto, há alguns normativos produzidos pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, dentre eles se destaca o Comentário Geral nº 4. Vejamos abaixo o ponto 08 deste comentário, temos os elementos que integram o direito á moradia:

8. Assim, a concepção de adequação é particularmente significante em relação ao direito à habitação, desde que serve para realçar um número de fatores que devem ser levados em consideração para constituir ‘habitação adequada’, pelos propósitos da Convenção. Enquanto a adequação é determinada em parte por fatores sociais, econômicos, culturais, climáticos, ecológicos e outros fatores, o Comitê acredita, contudo, que é possível identificar certos aspectos do direito que devem ser levados em consideração para este propósito em qualquer contexto particular. Eles incluem os seguintes:

a. Segurança legal de posse. A posse toma uma variedade de formas, incluindo locação (pública e privada), acomodação, habitação cooperativa, arrendamento, uso pelo próprio proprietário, habitação de emergência e assentamentos informais, incluindo ocupação de terreno ou propriedade. Independentemente do tipo de posse, todas as pessoas deveriam possuir um grau de sua segurança, o qual garanta proteção legal contra despejos forçados, pressões incômodas e outras ameaças. Estados-partes deveriam, consequentemente, tomar medidas imediatas com o objetivo de conferir segurança jurídica de posse sobre pessoas e domicílios em que falta proteção, em consulta real com pessoas e grupos afetados.

b. Disponibilidade de serviços, materiais, facilidades e infraestrutura. Uma casa adequada deve conter certas facilidades essenciais para saúde, segurança, conforto e nutrição. Todos os beneficiários do direito à habitação adequada deveriam ter acesso sustentável a recursos naturais e comuns, água apropriada para beber, energia para cozinhar, aquecimento e iluminação, facilidades sanitárias, meios de armazenagem de comida, depósito dos resíduos e de lixo, drenagem do ambiente e serviços de emergência.

c. Custo acessível. Os custos financeiros de um domicílio associados à habitação deveriam ser a um nível tal que a obtenção e satisfação de outras

necessidades básicas não sejam ameaçadas ou comprometidas. Passos deveriam ser tomados pelos Estados-partes para assegurar que a porcentagem dos custos relacionados à habitação seja, em geral, mensurada de acordo com os níveis de renda. Estados-partes deveriam estabelecer subsídios habitacionais para aqueles incapazes de arcar com os custos da habitação, tais como formas e níveis de financiamento habitacional que adequadamente refletem necessidades de habitação. De acordo com o princípio dos custos acessíveis, os possuidores deveriam ser protegidos por meios apropriados contra níveis de aluguel ou aumentos de aluguel não razoáveis. Em sociedades em que materiais naturais constituem as principais fontes de materiais para construção, passos deveriam ser tomados pelos Estados-partes para assegurar a disponibilidade desses materiais.

d. Habitabilidade. A habitação adequada deve ser habitável, em termos de prover os habitantes com espaço adequado e protegê-los do frio, umidade, calor, chuva, vento ou outras ameaças à saúde, riscos estruturais e riscos de doença. A segurança física dos ocupantes deve ser garantida. O Comitê estimula os Estados-partes a, de modo abrangente, aplicar os Princípios de Saúde na Habitação, preparados pela OMS, que veem a habitação como o fator ambiental mais frequentemente associado a condições para doenças em análises epidemiológicas, isto é, condições de habitação e de vida inadequadas e deficientes são invariavelmente associadas com as mais altas taxas de mortalidade e morbidade.

e. Acessibilidade. Habitações adequadas devem ser acessíveis àqueles com titularidade a elas. A grupos desfavorecidos deve ser concedido acesso total e sustentável a recursos de habitação adequada. Assim, a grupos desfavorecidos como idosos, crianças, deficientes físicos, os doentes terminais, os portadores de HIV, pessoas com problemas crônicos de saúde, os doentes mentais, vítimas de desastres naturais, pessoas vivendo em áreas propensas a desastres, e outros deveriam ser assegurados um patamar de consideração prioritária na esfera habitacional. Leis e políticas habitacionais deveriam levar em conta as necessidades especiais de habitação desses grupos. Internamente, muitos Estados-partes, aumentando o acesso a terra àqueles que não a possuem ou a segmentos empobrecidos da sociedade, deveriam constituir uma meta central de políticas. Obrigações governamentais precisam ser desenvolvidas, objetivando substanciar o direito de todos a um lugar seguro para viver com paz e dignidade, incluindo o acesso ao terreno como um direito reconhecido.

f. Localização. A habitação adequada deve estar em uma localização que permita acesso a opções de trabalho, serviços de saúde, escolas, creches e outras facilidades sociais. Isso é válido para grandes cidades, como também para as áreas rurais, em que os custos para chegar ao local de trabalho podem gerar gastos excessivos sobre o orçamento dos lares pobres. Similarmente, habitações não deveriam ser construídas em locais poluídos nem nas proximidades de fontes de poluição que ameacem o direito à saúde dos habitantes. 

g. Adequação cultural. A maneira como a habitação é construída, os materiais de construção usados e as políticas em que se baseiam devem possibilitar apropriadamente a expressão da identidade e diversidade cultural da habitação. Atividades tomadas a fim do desenvolvimento ou modernização na esfera habitacional deveriam assegurar que as dimensões culturais da habitação não fossem sacrificadas, e que, entre outras, facilidades tecnológicas modernas sejam também asseguradas. (BRASIL, 2013, p.36) (grifo nosso)

De acordo com os elementos destacados acima, a política pública de regularização fundiária deve assegurar, por meio de suas ações a segurança legal da posse, a disponibilidade de serviços e infraestrutura, uma moradia com custo acessível, condições de habitabilidade, acessibilidade, localização e uma moradia adequada às características culturais da população. Logo a garantia do direito à moradia perpassa pela efetivação de todos esses direitos.

A moradia em um loteamento irregular, mesmo em uma casa adquirida através da compra formal, representa, para seus moradores, a exclusão da cidade legal. A falta de titularidade do imóvel é um dos indícios de precariedade da moradia. A falta de infraestrutura, o serviço público precário e a ausência quase total do poder público local reforçam a condição de exclusão dos moradores. Os dados sobre precariedade habitacional no Brasil mostram que programas de regularização urbanística e fundiária são necessários tanto do ponto de vista local quanto do ponto de vista de uma política pública mais geral.

Vale lembrar que o direito à moradia só era garantido pelas normas internacionais de direitos humanos, só sendo tratado pela Constituição Federal em 2000.

A Constituição Federal, em seu artigo 6º, incluiu o direito à moradia no rol dos direitos sociais, que foi introduzido através da EC 26, de 14.02.2000. In verbis: “Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Em 1948, com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito à moradia se tornou um direito humano universal, já que no item 1 do seu artigo 25, encontra-se previsto que todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar, entre outros, a si e a sua família, saúde e bem estar, alimentação, vestuário e habitação.

 Nesse horizonte, ao elevar o ser humano ao palco das relações internacionais e eleger a dignidade humana como fio condutor de toda ação do Estado, a Declaração Universal humanizou o direito internacional e se tornou referência para a reestruturação dos ordenamentos jurídicos nacionais e a criação de diversos tratados internacionais.

O direito à moradia encontra amparo, também, no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, o qual foi ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, cujo artigo 11 determina que “Os Estados signatários do presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si e para sua família, inclusive alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida.” (DUARTE; APOLIÉZER,2015. P.1)

Sendo, portanto, um dever do Estado garantir aos cidadãos o direito à moradia, cabe a ele promover ações para a satisfação desse direito, quer seja de forma direta, através de programas ou projetos habitacionais ou, de forma indireta, gerando condições para que todos tenham acesso à moradia.

Nesse sentido, o autor José Afonso da Silva reproduziu a lição dos doutrinadores portugueses J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, afirmando que:

O direito à moradia significa, em primeiro lugar, não ser privado arbitrariamente de uma habitação e de conseguir uma; e, por outro lado, significa o direito de obter uma, o que exige medidas e prestações estatais adequadas à sua efetivação (SILVA, 2008, p. 382).

A função social da cidade expressamente constante no art. 182 da CF/1988, também surge nesse cenário que corrobora a afirmação de um direito à moradia, já que obriga que haja uma distribuição equitativa da utilização e ocupação dos espaços urbanos. Mesmo assim, o Estado demorou décadas para reconhecer o direito de moradores de baixa renda de assentamentos informais.  

A regularização fundiária recebeu tratamento de destaque somente na Lei 11.977, de 07.07.2009, mas essa é conceituada e dotada de ferramentas jurídicas jamais vistas no direito brasileiro, recebendo, ainda, o status de garantia do direito social à moradia.

Ter acesso a uma moradia constitui claramente uma necessidade para o ser humano, é sem dúvida a estrutura principal que permite ao homem a realização de suas obras; de sonhar e realizar os mesmos; de estabelecer uma raiz; de ser conhecido em uma comunidade; um abrigo para os dias ruins e o palácio para os dias de comemoração. É a moradia que condiciona o acesso a outros direitos essenciais do homem e não se entende o porquê de não ter recebido o tratamento adequado prévio. É impossível garantir a saúde, educação e segurança sem, ao menos, não oferecer uma habitação digna para o homem. Carecer de uma moradia provoca a dispersão da cédula familiar, conduz ao fracasso escolar e contribui fortemente à degradação da saúde.

tem como princípios a constitucionalidade, entendida como vinculação deste Estado a uma Constituição, concebida como instrumento básico de garantia jurídica; a organização democrática da sociedade; um sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos, de modo a assegurar ao homem uma autonomia perante os poderes públicos, bem como proporcionar a existência de um Estado amigo, apto a respeitar a dignidade da pessoa humana, empenhado na defesa e garantia da liberdade, da justiça e solidariedade; a justiça social como mecanismo corretivo das desigualdades; a igualdade, que além de uma concepção formal, denota-se como articulação de uma sociedade justa; a divisão de funções do Estado a órgãos especializados para seu desempenho; a legalidade imposta como medida de Direito, perfazendo-se como meio de ordenação racional, vinculativamente prescritivo de normas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência; a segurança e correção jurídicas” (STRECK; MORAIS, 2006. p.97-98).

O Direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente e inclui os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Inclui também o direito à liberdade de reunião e organização, o respeito às minorias e à pluralidade ética, racial, sexual e cultural; o respeito aos imigrantes e a garantia da preservação e herança histórica e cultural (art. 2.º).

A LEI 13.465/17 E 11.977/09 DENTRO DO PODER PÚBLICO

A Lei n.º 11.977/09, que tratam especificamente da regularização fundiária, apresentando instrumentos para que os municípios possam melhor atender a necessidade da população, sem deixar de lado os garantes constitucionais como, o direito à moradia e a função social da propriedade. Ou seja, trouxe a desburocratização do processo de regularização fundiária no Brasil. Conceitua a Regularização Fiduciária, trazendo princípios de sustentabilidade econômica, social e ambiental. 

A referida lei foi criada para reger sob a regularização fiduciária rural e urbana. Porém, o foco do projeto que está no Município de Sobral, ou seja, área predominantemente urbana. Nesse capítulo será tratada as transformações feitas pela Lei Federal no ambiente urbano.

A lei criou também a Regularização Fundiária Urbana de Interesse Específico (Reurb-E) – regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não caracterizada como de interesse social. Isto permite a regularização de loteamentos fechados existentes. (TREVISAN, 2017, p.1)

Segundo doutrinadores, obtiveram alterações significativas entre essa nova lei e a lei que estava em vigor anteriormente. A primeira alteração diz respeito aidireito de laje. Foi introduzido aos direitos reais, amparado pelo artigo 1225 do CC/02.

O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base. Os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, poderão dela usar, gozar e dispor, mas não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje ou a participação proporcional em áreas já edificadas. O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes.

É expressamente vedado ao titular da laje prejudicar com obras novas ou com falta de reparação a segurança, a linha arquitetônica ou o arranjo estético do edifício, observadas as posturas previstas em legislação local. Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomínios edilícios, para fins do direito real de laje, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato. A lei considera como partes que servem a todo o edifício (como redigido no texto oficial): os alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio; o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje; as instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício. A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje.(TEVISAN, 2017, p.1)

Outra importante alteração, diz respeito ao condomínio de lotes. Após a entrada da nova Lei Federal, o condomínio de lotes seria aplicado com as mesmas regras do condomínio edilício. 

Uma das mais importantes é o artigo 58, que regulamenta o condomínio de lotes. Até então, os chamados “condomínios fechados” só existiam em duas formas:

um loteamento comum que é informalmente fechado e administrado por associações de moradores. São os casos dos loteamentos fechados onde a unidade negociada é o lote e cada comprador constrói sua casa com projeto próprio;

um condomínio de casas, onde a unidade negociada é uma casa construída pelo empreendedor de forma padronizada (caso da lei de Vilas de São Paulo).

A nova lei permite que a fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição. Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o disposto sobre condomínio edilício, respeitada a legislação urbanística. Para fins de incorporação imobiliária, a implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor.(TREVISAN, 2017, p.1)

Pode-se mencionar a regularização da propriedade fiduciária do Fundo de Arrendamento Residencial, como mais uma alteração trazida pela nova lei. Que, ainda nas palavras de Ricardo Trevisan (2017), pode ser entendido como:

Outra novidade da lei é a regularização da propriedade fiduciária do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), fundo de origem de recursos para a faixa mais básica do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Os beneficiários de operações do PMCMV, com recursos advindos da integralização de cotas no FAR, obrigam-se a ocupar os imóveis adquiridos, em até trinta dias, a contar da assinatura do contrato de compra e venda com cláusula de alienação fiduciária em garantia, firmado com o FAR.

Trevisan aponta que a nova lei foi introduzida para trazer uma nova perspectiva, por conta de todas as mutações de tempo, princípios e notando a figura essencial do município. O autor ainda demonstra o quanto a nova lei já está em plena vigência e eficácia apesar de recente:

 Já produz efeitos sensíveis em São Paulo (capital), Guarujá, Manaus e vários outros municípios brasileiros. Atualmente, aproximadamente 50% dos domicílios urbanos no país não possuem documentação. Dados da Unicamp mostram que em Campinas este número é de 55%, comprovando que o problema não se restringe a municípios com poucos recursos.

Conforme prevê a Constituição Federal de 1988, a competência legislativa para o assunto é da União para as Regras Gerais (Art. 24), do Estado e Municípios para normas suplementares (Art. 24 e 30). A competência administrativa ou material recai sobre o município, em promover o adequado ordenamento territorial. (TREVISAN, 2017, p.1)

É inegável a presença da expansão urbana ainda nos dias atuais. O conjunto de problemas que o Brasil passa para com as políticas de desenvolvimento e igualdade, são reflexos de como se lidava com essas esferas no século passado. Aponta-se a principal questão: os danos causados pela Revolução Industrial ainda estão expostos de forma cristalina nesse país.

 

CONCLUSÃO


Buscou-se maior delimitação do tema com a proposta dos Direitos Fundamentais e a Lei n.º 11.977/09, que tratam especificamente da regularização fundiária, apresentando instrumentos para que os municípios possam melhor atender a necessidade da população, sem deixar de lado as garantias constitucionais como, o direito à moradia e a função social da propriedade.

Todos os problemas enfrentados pelo Brasil no que diz respeito a qualidade de habitação e moradia da população, em especial àqueles que sofreram com o impacto causado pelo crescimento urbano, é perceptível que há uma grande meta para que sejam resolvidos, mesmo que a longo prazo. Por isso o Direito Urbano conta com o apoio e supervisão do Poder Público e toda a gestão municipal para solucionar dos casos mais leves aos mais complicados.

Vale também, o entendimento que a regularização fundiária não pode se espremer apenas na esfera jurídica, determinando sua expansão de forma social e causando maiores fontes de geração de renda, de emprego, bem como desenvolvimento urbano. Criando uma atmosfera de bem-estar para os que ali residem. 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF.  Disponível em: . Acesso em: 16 de março de 2021.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Brasília, DF.  Disponível em: . Acesso em: 16 de março de 2021.

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Do Estatuto da Cidade. Brasília, DF.  Disponível em: . Acesso em: 16 de março de 2021.

BRASIL. Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Brasília, DF, março de 2015.  Disponível em: . Acesso em: 16 de março de 2021.

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