DIREITO A MEMÓRIA E HERANÇA DIGITAL: UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS NOVOS MECANISMOS DA INTERNET PARA PRESERVAR OS DIREITOS SUCESSÓRIOS E AS IMPLICAÇÕES DA FALTA DE REGIMENTO LEGAL SOBRE O ASSUNTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

RESUMO

O presente trabalho trata das questões que envolvem a herança digital e suas repercussões no meio social e jurídico. Inicialmente, é preciso entender que as relações interpessoais estão cada vez mais tecnológicas e dependentes das redes sociais. Assim, a partir dessa premissa, tem-se por objetivo compreender a dimensão do direito a memória e sua relação com a herança digital, tendo em vista que as pessoas, mesmo após a morte, acabam deixando informações e arquivos nas redes sociais e precisa-se entender o que será feito com tudo isso. Ainda, busca-se analisar os novos mecanismos criados na internet para preservação dos direitos sucessórios. E, por fim, investiga-se a necessidade de uma regulamentação jurídica sobre as questões que envolvem a herança digital e suas implicações sociais e econômicas.

Palavras-chave: Direito a memória. Herança digital. Projeto de Lei 4099/2012.

1 INTRODUÇÃO

O mundo vive uma era extremamente globalizada e de grandes avanços nas ferramentas digitais. Cada vez mais as redes sociais fazem parte do cotidiano das pessoas e exercem funções essenciais na sociedade, desde influências publicitárias até fonte de renda para diversas empresas através do comércio virtual.

Assim, percebe-se que as pessoas estão cada vez mais conectadas através das redes sociais e diariamente cada indivíduo acaba expondo sua rotina na Internet, com postagem de fotografias, imagens, vídeos o que acaba gerando, mesmo sem as pessoas perceberem, um patrimônio digital enorme e que precisa ser devidamente observado em determinados momentos.

Entre esses momentos, pode-se citar a morte, algo que faz parte do caminho natural da vida. Ocorre, entretanto, que não há qualquer tipo de regulamentação sobre o assunto e que já há diversos processos tramitando de familiares que perderam um ente querido e precisam de alguma forma ter acesso a e-mails, perfis virtuais ou postagens na internet do de cujus, mas não conseguem pela política de privacidade dessas empresas.

Assim, faz-se necessário problematizar, inicialmente, o que integra essa herança digital e se ela pode ser transmitida aos herdeiros como se bem patrimonial fosse. Além, é claro, da urgência em analisar o fato da integração dos novos mecanismos de testamento virtual ou memorial que as redes sociais estão disponibilizando em suas páginas.

Dessa forma, a primeira parte desse trabalho busca analisar as dimensões do direito à memória e como eles se relacionam com a herança digital, ou seja, de que forma se pode ter acesso as informações digitais disponíveis no meio virtual após o falecimento do individuo. Ainda, com as inovações da internet, buscou-se abordar, também, as inovações nesse meio em relação a preservação dos direitos sucessórios.

Por fim, discorreu-se sobre a necessidade de uma regulamentação jurídica especifica para o assunto, tendo em vista as diversas lacunas existentes na legislação brasileira sobre herança digital e as diversas implicações sociais e econômicas que esse assunto traz para todos.

2 AS DIMENSÕES DO DIREITO À MEMÓRIA E SUA RELAÇÃO COM HERANÇA DIGITAL

Como já mencionado, as relações interpessoais estão a cada dia mais informatizadas. Através dos celulares, tablets e computadores, as pessoas se comunicam, adquirem livros no formato e-book, músicas, aplicativos, realizam transações bancárias, interagem por meio de redes sociais, e etc. Sendo assim, deve-se dispensar tratamento especial à matéria em comento. Sobre o assunto:

A digitalização das relações sociais tem mudado a maneira como o ser humano interage no seu ciclo social. Há uma grande exposição diária de cada indivíduo na internet, com postagem de fotografias, imagens, vídeos, armazenamento de conteúdo em nuvem e uma infinidade de situações que acabam por formar um gigantesco patrimônio digital. Em alguns casos, contas em redes sociais monetizam valores astronômicos, agregando milhões de seguidores (BARRETO; NERY NETO, 2016).

O direito à memória é um tema ao qual fora atribuído muita preocupação e importância nos últimos decênios, preocupação no sentido de buscar a definição e esclarecimentos sobre o assunto; e importância devido ao papel fundamental que o direito à memória exerce na formação da identidade individual. Assim, o direito à memória é definido como o direito que o homem possui de “ter acesso aos bens materiais e imateriais que representem o seu passado, à sua tradição e à sua história” (FERNANDES, 2017). A respeito do tema:

Assim, como ocorre em outras partes do mundo, assistimos nos últimos decênios à uma preocupação maior com questões atinentes às políticas de memória e à preservação do patrimônio cultura. Consideremos que isso se deve, também, ao novo ordenamento constitucional brasileiro. A Constituição Federal de 1988 ampliou consideravelmente o conceito de patrimônio cultural, (...), incorporando os bens de natureza material e imaterial, “portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (art. 216, caput). Além dessa inovação conceitual, a carta constitucional trouxe importantes princípios que devem nortear a ação preservacionista em nosso país (GRIFO NOSSO) (FERNANDES, 2017).

Partindo deste pressuposto, é nítida a relação existente entre o direito à memória e a herança digital, haja vista esta última figurar na esfera do direito à memória dos amigos e familiares do de cujus, que buscam obter acesso às informações, postagens, fotos, vídeos, conteúdo armazenado nos e-mails, e etc., a fim de amenizar o sofrimento oriundo da perda e prestar uma última homenagem ao falecido.