LIMA, Maria Vandia Guedes & BERANGER, Juan. Dimensões Históricas e Epistemológicas da  Alfabetização de Criança

 

 

DIMENSÕES HISTÓRICAS E EPISTEMOLÓGICAS DA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇA

 

RESUMO

Este artigo busca descrever sobre as Dimensões Histórica e Epistemológicas da Alfabetização de Criança. utilizamos como aportes teóricos as contribuições de: Paulo Freire (2005), falando em alfabetização e o que é alfabetizar; Mirian Lemle (1988), abordando as capacidades necessárias para a alfabetização; Emília Ferreiro (2001), com contribuições relativas aos aspectos qualitativos da alfabetização e os objetivos da alfabetização inicial e Magda Soares (2005)explanando sobre o que é letrar e a diferença entre alfabetizar e letrar. Percebe-se que a contribuição de todos os autores relatados e outros, sobre a referida abordagem, dá-nos pano de fundo para um embasamento importante na alfabetização das nossas crianças.

 

1 PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA

 

Ensinar não é transmitir conhecimentos, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua construção”.

(Paulo Freire, 2002)

 Aborda-se de início alguns conceitos da teoria construtivista para, em seguida, situarmos a Psicogênese da Língua Escrita e observarmos as concepções docentes.

No espaço educacional e no meio acadêmico brasileiro, a teoria piagetiana passou a ser chamada também de “construtivismo”, pois sua teoria esclarece que o conhecimento passa a ser elaborado na interação do ser humano com o meio, e que não nascemos inteligentes. Esta teoria compreende não somente o estudo da gênese das estruturas e dos conceitos científicos, mas, também, a pesquisa experimental sobre o desenvolvimento da inteligência.

Dessa maneira, compreende-se que o sujeito do conhecimento é “o sujeito epistêmico - um sujeito ideal, universal, que não corresponde a ninguém em particular, ímpar, ainda que seja resumida as possibilidades de cada uma das pessoas e de todas ao mesmo tempo” (Ramozzi-Chiarotitino, 1988, p.4).

Vejamos o que afirma Ferreiro e Teberosky (1985, p. 26):

O sujeito que conhecemos através da teoria de Piaget é um sujeito que procura ativamente compreender o mundo que o rodeia, e trata de resolver as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito que espera que alguém que possui conhecimento o transmita a ele, por um ato de benevolência. É um sujeito que aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo, e que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo que organiza seu mundo.

O funcionamento da inteligência, de acordo com a teoria piagetiana, intensifica as características orgânicas da vida, mantendo as mesmas características de adequação ao meio. Desse modo a inteligência age da mesma forma, seja no raciocínio infantil ou no científico, à medida que os níveis de inteligência passam por um processo de transformação, de evolução, por meio de construções sucessivas e sequenciais de etapas, cada uma necessária a próxima que evoluem desde as mais simples até as mais complexas.

Pode-se identificar que o papel da, portanto, que o papel da experiência e da história foi considerado de grande relevância, “pois qualquer conduta está relacionada ao contexto histórico”. A ela foi ligado o papel essencial da ação do sujeito. De acordo com Piaget (1983), o elo fundamental que compõe todo conhecimento não é uma simples associação, e sim, uma assimilação, ou seja, a ação que o sujeito sobre o mundo no qual está inserido. A ação vai permanecer presente e atuando durante todo o desenvolvimento mental.

Diante do funcionamento da inteligência, a ação é, portanto, considerada um elemento imprescindível do conhecimento, já que nela está subtendido, por conseguinte, tanto o sujeito como o meio físico-sociocultural. A ação, que presume interação, é compreendida não somente pela sua possibilidade motora, mas também, em sua forma interiorizada.

As autoras Ferreiro e Teberosky (1985, p.29) nos levam a refletir a ação com:

Um sujeito intelectualmente ativo não é um sujeito que “faz muitas coisas”, nem um sujeito que tem uma atividade observável. Um sujeito ativo é um sujeito que compara, exclui, ordena, categoriza, reformula, comprova, formula hipóteses, reorganiza etc., em ação interiorizada (pensamento) ou em ação efetiva (segundo seu nível de desenvolvimento). Um sujeito que está realizando algo materialmente, porém segundo instruções ou o modelo para ser copiado, dado por outro, não é, habitualmente, um sujeito intelectualmente ativo.

Porém, mas que a ação, a teoria piagetiana apoia a noção da interação, ou seja, das trocas entre organismo e o meio como um processo essencial e fator responsável pela construção do conhecimento. A interação ocorre da mesma forma, ou seja, no lugar de toda a caminhada humana frente ao conhecer, favorecendo o alcance de níveis conceituais diferentes e níveis diversos de organização, identificados por etapas que necessariamente ocorrem. A interação é notada como um funcionamento que proporciona a construção do conhecimento desde as trocas ocorridas entre sujeito e meio. As estruturas mentais, passo a passo construídas, precisam das tentações do meio, ao mesmo tempo em que estão dependendo das respostas, de reação do sujeito frente a essas provocações.

Assim, ter conhecimento da perspectiva construtivista, quer dizer, inserir o objeto do conhecimento em um sistema de relações elaborado pelo sujeito a partir de suas ações sobre o meio. Sendo assim, essas duas ideias se inteiram para esclarecer o conhecimento: a constante funcional e a evolução de níveis conceituais.

Dar continuidade as etapas que são exigidas para serem trilhadas na epistemologia genética são situações fundamentais, determinadas como ocorrendo antes da lógica na evolução mental. As estruturas mentais possibilitam as circunstâncias ordenadas pela espécie, no entanto sua evolução irá depender da relação e das interações do indivíduo com o meio (Ramozzi-Chiarottino, 1988). Mesmo assim, os estágios são formas de organização mental que contempla tanto o aspecto do desenvolvimento motor ou intelectual quanto o desenvolvimento afetivo.

Através da existência de níveis conceituais qualitativamente diversos, surgiu outro conceito, também, dirigido de forma desigual: redefiniu-se a noção de “erro”. À proporção que as características de cada etapa eram conhecidas, reconhecia-se a importância dos erros construtivos praticados pela criança, quando das entrevistas psicológicas. Era indispensável compreender o que acontecia, do ponto de vista lógico, que fazia com que grande número de crianças dessem as mesmas respostas “erradas” perante determinados problemas. Os erros apresentados, possibilitava não somente uma simples limitação de responder as respostas solicitadas, alterava as hipóteses conceituais das crianças entrevistadas. Analisando o comportamento das mesmas, podemos deduzir que existe uma lógica subtendida às ações e ás respostas dessas.

2  NÍVEIS ESTRUTURAIS DO DESENVOLVIMENTO DA LEITURA E ESCRITA

 

Aprender a ler e a escrever é uma das competências necessárias para a compreensão e aquisição das informações do meio, possibilitando-nos atender as exigências atuais da nossa sociedade. Perceber como as crianças constroem o conhecimento de leitura e escrita, nas séries iniciais, é o primeiro passo para o alfabetizador tornar-se um mediador dessa aprendizagem, considerando a criança como um ser capaz de pensar e repensar por si mesma.

As pesquisadoras, Ferreiro e Teberosky (1985) desenvolveram uma pesquisa exclusiva para o processo de alfabetização. O mesmo inicia-se com a diferença do sistema de representação do desenho. à criança passa a perceber que além do desenho, existe outro modo de representar, passando a fazer uso de marcas, ou seja, letras, números e figuras, as quais a criança tem oportunidade de interagir.

De acordo com Arueira (1996, p. 11) os estudos de Ferreiro, Teberosky e outros pesquisadores enfatizaram a importância do ser que aprende, à criança, sua relação com o objeto de aprendizagem, à língua. Assim sendo, o professor sendo conhecedor das concepções da língua escrita passa a ser um mediador que propõe atividades e questionamentos capazes de conduzir a criança a “desorganizar o pensamento”, isto é, segundo Ferreiro (2001, p. 60) o alfabetizar precisa criar condições para que a criança as descubra por si mesmas uma nova hipótese linguística.

[...] Quando o professor desconsidera o esforço de seu aluno, dizendo apenas que o que ele fez, sem lhe devolver uma questão, algo sobre o que pensar, acaba, mesmo sem querer, desvalorizando sua tentativa, seu esforço. E, se cada investimento que o aluno fizer não tiver seu valor reconhecido, ele provavelmente vai acabar pensando duas vezes antes de investir de novo.

Segundo Telma Weisz (2000), através da Psicogênese da Leitura e Escrita e a Teoria piagetiana, Ferreiro e Teberosky conseguiram investigar outros objetos de ensino, como a ortografia, os níveis estruturais da escrita, pontuação, escrita de números, um universo de coisas que precisa ser ensinado na escola.

A hipótese linguística foi uma estratégia utilizada por Ferreiro para acompanhar o processo de aquisição da leitura e da escrita, e assim diagnosticar as diferenças individuais e os diferentes ritmos dos alunos. Atualmente esses níveis são muito utilizados pelo professor para identificar em qual deles a criança se encontra. São eles: Nível 1, conhecido como Pré-silábico; Nível 2, também chamado de Silábico; Nível 3 ou Silábico alfabético e, por fim, Nível 4, o Alfabético.

2.1 Nível 1: Pré-silábico

 

Côcco (1995, p. 09-10) subdivide esse nível em três fases:

  • Fase Pictórica: a criança registra garatujas, desenhos sem figuração e, posteriormente, passa a elaborar com figuração.
  • Fase Gráfica Primitiva: a criança registra símbolos e pseudoletras, faz misturas de letras e números. Nesta fase observamos que a criança tem competência em: demonstrar linearidade e utilizar o que conhece do meio ambiente para escrever como: bolinhas, riscos, pedaços de letras. Nesse momento a criança já é capaz de fazer questionamentos sobre os sinais escritos.
  • Fase Pré-silábica: começa a diferenciar letras de números, desenhos ou símbolos e reconhecer o papel das letras na escrita. Nessa fase a criança define e associa a escrita da seguinte forma: já existe a intenção de escrever e saber que as letras servem para escreve, mas não sabe como isso ocorre; não apresenta consciência da correspondência entre pensamento e palavra escrita; não reconhece o valor sonoro convencional das letras; não apresenta importância em relação à ordem das letras; pode ser qualquer ordem, pois a escrita não é estável; acredita que é necessária uma quantidade mínima de letras (em geral não menos de três). Poucas letras não dão nem para ler, nem escrever, e que as palavras necessitam de letras diferentes, as letras não podem ser repetidas; sua leitura é de forma global, sem recorte silábico; considera que as coisas grandes são escritas com muitas letras e coisas pequenas com poucas letras.

Essa fase é denominada por Ferreiro como realismo nominal; acredita também que o nome próprio pertence somente a uma única pessoa. Nesse processo a criança se assusta quando encontra outra pessoa como o nome igual ao seu.

2.2 Nível 2: Silábico

 

A criança entende que as diferenças existentes na escrita estão relacionadas com o “som” das palavras, isto é, elas já aparecem com a fonetização, pois facilmente percebe-se a necessidade de usar uma forma de grafia para cada tipo de som. Também utiliza os símbolos gráficos de maneira aleatória, utilizando apenas as consoantes e apenas em algumas vezes as apenas as vogais e até letras inventadas, todas sendo repetidas de conformidade com o número de sílabas das palavras.

Conforme Cócco (1995, p.11) a criança ao chegar a essa fase está mais confiante porque é capaz de descobrir que pode escrever com lógica, sendo capaz de:

- Contar os pedaços sonoros, ou seja, as sílabas, tendo a capacidade de colocar uma letra para cada pedaço;

- Essa noção de que cada sílaba corresponde a uma letra pode ocorrer com ou sem valor sonoro convencional.

Segundo Cócco (1995, p. 13) veja ainda algumas características dessa fase:

- Capacidade de aceitar palavras com uma ou duas letras;

- Algumas vezes depois de escrever a palavra acrescenta mais letras somente para ficar mais bonita;

- Possibilidade de convivência com a hipótese de quantidade mínima de letras por um bom tempo;

- Para escrever uma frase utiliza apenas uma letra para cada palavra (a criança come/omite letras);

- Falta de definição das categorias lingüísticas (artigos, substantivos, verbos, etc.);

- Maior precisão na correspondência som/letra, o que não ocorre necessariamente sempre. Com freqüência ocorre que numa frase algumas palavras sejam registradas com recorte silábico. A importância da fase silábica é a sonorização ou fonetização da escrita, inexistente em frases anteriores.

Aroeira (1996, p.113) esclarece o que ocorre com a criança quando se encontra na fase silábica:

No processo de alfabetização a hipótese silábica, ao mesmo tempo em que avanço conceitual, é uma enorme fonte de conflitos para criança quando gera contradições como o controle silábico e quantidade mínima de letras que permite antecipar. No mesmo período, as letras podem adquirir valores sonoros relativamente estáveis: as partes sonoras semelhantes começam a se exprimir por letras semelhantes, o que também cria forma de conflito.

O nível silábico é delimitado quando a criança sente que é possível representar através de gráfico a linguagem oral. São executadas várias tentativas para que seja estabelecida uma relação entre a produção oral e a produção gráfica, entre o som e a grafia. Através dessas tentativas começa-se a relacionar o que se escreve com as sílabas das palavras faladas que se quer representar. O conhecimento prévio do material escrito é utilizado com letras que nem sempre representam os sons. Nessa fase é fácil perceber-se que tudo é possível escrever-se ainda que o que se deseja expressar graficamente não possa ser decifrado por outras pessoas. Ressalte-se ainda que nessa fase, pode aceitar-se o fato de escrever palavras menores com poucas letras ou ainda escrever-se uma frase, uma letra, somente para expressar a palavra inteira.

2.3 Nível 3: Silábico-Alfabético

 

Convivem as formas de fazer corresponder os sons às formas silábica e alfabética e a criança pode escolher as letras de forma ortográfica ou fonética. É outra etapa conflitante para a criança com o novo processo de construção, onde pode-se destacar que:

  • Trata-se de um momento em que a criança necessita negar a lógica do nível silábico. A gora é capaz de compreender que ninguém consegue ler o que ela escreve e nesse momento ela se vê sem saída;
  • Nesse momento o valor sonoro torna-se imperioso, e a criança começa a acrescentar letras, principalmente na primeira sílaba.

Aroeira (1996, p. 114) explica algo indispensável para o conhecimento do professor, quando afirma que “esse processo de substituição é longo e depende da elaboração e reelaboração de palavras conhecidas e desconhecidas”.

Aroeira (1996, p.11) ainda atribui ainda responsabilidades muito importantes ao professor, quando seus alunos estiverem na hipótese silábico-alfabético: “ao professor cabe o trabalho de refletir com a criança sobre o sistema linguístico a partir das observações da escrita alfabética e da reconstrução de código”.

A importância do professor é primordial para que se perceba sua escrita e poder compará-la com a convencional, com o fim de compará-la com o valor sonoro das sílabas. É nesta fase que a criança está a um passo da escrita alfabética. A criança precisa ser estimulada sobre o sistema linguístico desde a escrita alfabética e da reconstrução do código.

2.4 Nível 4: Alfabético

Chegando nesse nível a criança já ultrapassou pelos outros níveis: pré-silábico, silábico e silábico alfabético, e em todos eles a mesma aprendeu construindo hipóteses sobre seus erros.

No Nível Alfabético a criança agora entende que:

  • a sílaba não pode ser considerada uma unidade e que pode ser separada em unidades menores;
  • a identificação do som não é garantia da identificação da letra, o que pode gerar as famosas dificuldades ortográficas;
  • a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras.

Cócco (1995, p.12) destaca algo de muita importância e enfatiza que nesse nível: “É importante destacar que nesse momento a criança escreve foneticamente (faz a relação entre som e letra), mas não ortograficamente. O desafio agora é caminhar em direção a correção ortográfica e gramatical”.

Para Ferreiro (2000), “hoje a perspectiva construtivista considera a interação de todos esses níveis, numa visão política, integral, para explicar como ocorre a aprendizagem”.

Pode-se observar através da pesquisa que o processo de aquisição da leitura e escrita ocorre através de níveis. A cada nível constatamos que cabe ao professor acompanhar, compreender e mediar, para que a criança possa adquirir maturidade para descobrir a construção real da leitura e escrita, elaborada por ela mesma. Assim observa-se que não existe mais espaço para o professor direcionar tudo que a criança deve pensar e fazer e que os níveis estruturais da linguagem escrita podem explicar as diferenças individuais e os diferentes ritmos das nossas crianças.

 

3  O PROCESSO DE ALFABETIZAR E O PAPEL DO ALFABETIZADOR

 

A alfabetização escolar no Brasil vem apresentando obstáculos principalmente com relação às séries iniciais, o fracasso escolar, nítido na repetência e na evasão escolar tem se tornado um algo quase incontrolável.

Admite-se que os problemas referentes à alfabetização façam parte de um conjunto maior, que vão da economia à política social: desigualdades sociais, prioridades de investimentos, formação de professores, gestão educacional e escolar, entre outros.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN’s (Brasil, 1997, p. 84) mostram o conhecimento disponível para o processo de alfabetização:

O aluno que ainda não sabe escrever convencionalmente precisa esforçar-se para construir procedimentos de análise e encontrar formas de representar graficamente aquilo que se propõe escrever. É por isso que esta é uma boa atividade de alfabetização: havendo informação disponível e espaço para reflexão sobre o sistema de escrita, os alunos constroem os procedimentos de análise necessários para que a alfabetização se realize.

Segundo Ferreiro (1995, p. 56), a aprendizagem do sistema de escrita não se restringe a relação entre grafias e fonemas, mas se caracteriza como um “processo ativo por meio do qual a criança, desde seus primeiros contatos com a escrita construiria e reconstruiria hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita, compreendida como um sistema de representação”.

O professor alfabetizador passou a ter como objetivo fundamental garantir a aprendizagem da leitura e da escrita em um universo mais amplo. O mesmo atua com postura construtivista valoriza um ambiente alfabetizador, que facilite a interação do aluno com os inúmeros tipos de textos, dentro de um clima de liberdade para participar das propostas e construir o ato de ler e de escrever.

Acredita-se que o ato de ler é atribuir significado, o que ocorre pelo uso de estratégias de leitura de decodificação, seleção, antecipação, inferência e verificação a partir do conhecimento prévio e dos índices fornecidos pelo texto. Busca trazer para a sala de aula tudo que possa motivar a criança, despertar sua curiosidade e o desejo de ler, utilizando a decodificação possível naquele momento, como reconhecer a letra inicial, final ou as intermediárias para antecipar o significado da escrita de, por exemplo, cartas, bilhete, painéis contextualizados, receitas, rótulos de produtos bem conhecidos, que auxiliarão na produção de textos individuais e coletivos, pois compreende que é possível ler quando ainda não se sabe ler convencionalmente, e que é dessa forma que se pode aprender, tratando os alunos como leitores, desde sua entrada na escola.

Quando abordamos Alfabetização nas séries iniciais pudemos perceber que os alunos têm implicações em todo o desenvolvimento nos anos seguintes. Conhecer as políticas públicas de Educação no país e seus instrumentos de avaliação é um norte para direcionar o trabalho.

Não importa, em verdade, a linha pedagógica adotada pelo professor, seja ele um progressista ou um conservador, existe saberes necessários que ambas as linhas de pensamento devem seguir. Todo processo que vise o desenvolvimento de um modelo de ensino deve, basicamente, considerar também a direção dada à aprendizagem. Assim, o professor ensina e aprende ao mesmo tempo, não apenas no formato acadêmico, mas também na própria base de formação da ação.

Ao educador cabe instaurar o rigorismo do método, em função de despertar no educando a curiosidade aquela que busca o conhecimento, portanto insubmissa, e então, por extensão da ideia, formadora do senso crítico. Aprender criticamente é, em suma, formar a autonomia. Não é jamais, um estado de apropriar-se do conhecimento do mestre, mas um ato de formação e de interação da própria capacidade cognitiva do indivíduo com o meio. Assim, o mestre provém o aluno dos instrumentos apenas, do ferramental para a formação crítica no indivíduo enquanto aluno.

Neste ato de formação da capacidade autônoma do indivíduo, surge uma das principais tarefas de importância do professor, qual seja a de, considerando a visível importância do aprendizado e da execução de uma leitura crítica, em razão de ser ela a porta para todo o restante do processo de crescimento humano, fomentar o aprofundamento da consciência desse mesmo indivíduo em construção, no sentido de ele vir a capturar o significado de tal importância em sua particular existência.

Segundo palavras de Freire (2002, p. 32):

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. [...] não se trata, de uma qualidade do professor, tampouco de uma metodologia de ensino, mas sim, deve inserir-se em um projeto maior e de mais alcance, ou seja, deve se dar um verdadeiro acompanhamento de todo o processo que é e que envolve a vida daquele indivíduo que vem junto a si aprender. Neste sentido, é básico que o modelo escolar como um todo seja construído no rumo da administração de uma conduta respeitosa quanto aos saberes inerentes ao meio social do indivíduo. Ao ensinar os conteúdos, o professor deve ser capaz de apresentá-los com elementos e subsídios retirado do cotidiano daquele que aprende, o que, por si só, já é um facilitador do aprendizado.

O senso crítico que se aprende no decorrer da aprendizagem requer também o ato de ensinar, pois uma vez que se busque o rigor e a exatidão objetivando ministrar conceitos e conteúdos, atos e demonstrações educativas. Havendo senso de rigor e exatidão o professor pode perfeitamente despertar a curiosidade do aluno, levando-o à criatividade resolutiva de situações e desenvolvimento de sua autonomia.

De acordo com Freire (2002), entre os recursos que apresenta o mestre, é básico que demonstre aos seus alunos a coerência em sua postura humana e em suas ideias. Tudo o que ele diz necessita andar junto com os exemplos que dá aos alunos. Portanto, a formação moral é transmitida com uma base específica e com um fundamento ético, com um aprofundamento do que se transmite e na própria atuação própria do professor. Esse aprofundamento moral do educador requer de sua parte uma participação livre do medo e do risco de expor suas concepções e seus conceitos, isentando-o também de uma atuação discriminatória.

Ainda se faz muita confusão nos meios e modos escolares sobre a questão da autoridade na escola. Existem pessoas que definem de maneira confusa os limites entre a autoridade e o autoritarismo, entre a licenciosidade e a liberdade. Entendemos que não seja necessária a utilização de elementos autoritários para se conseguir a adesão do aluno na condução do processo escolar, assim como na condução particular em sala de aula, pois é bastante que se possa dispor de bom senso, da lógica construtiva e de um bom engajamento na busca da construção da pretendida autonomia.

Reconhecemos também que a alfabetização tem recebido contribuições significativas por parte da Pedagogia e de outras áreas do conhecimento, especialmente da Psicologia e da Linguística e que estes conhecimentos têm influenciado positivamente no cotidiano dos mestres alfabetizadores nessas instituições educacionais.

A preocupação que se tem com o analfabetismo funcional que a UNESCO recomendara desde os anos 70, e que somente a partir de 1990 passou a ser usado no Brasil, mostra que a pessoas apenas sabe ler e escrever, sem, contudo, fazer uso da leitura e da escrita, o que levou os pesquisadores a denominar de “letramento” em substituição a denominação “alfabetização”. Conforme Soares (2000, p. 1), "Se uma criança sabe ler, mas não é capaz de ler um livro, uma revista, um jornal, se sabe escrever palavras e frases, mas não é capaz de escrever uma carta, é alfabetizada, mas não é letrada".

Portanto, cabe ao professor alfabetizador repensar sobre essa complexa e importante tarefa de possibilitar o uso comunicativo dos textos e de todo o resto, uma reflexão, compreensão, automatização, chegando a promover experiências educadoras de natureza distintas, segmentadas de conformidade com o planejamento. Ferreiro (1994) aponta que, “Ao ingressar na série onde começa a ocorrer o ensino sistemático das letras a criança já detém uma grande competência linguística que não é considerada”.

O professor alfabetizador, como um dos sujeitos envolvidos no processo de alfabetização, necessita ter uma preparação adequada na parte teórica, pedagógica, pedagógica e metodológica, para atender a realidade vivida pelos alunos. As transformações que se processam no mundo moderno requerem um aprimoramento constante dos professores para a realidade vivida presentemente pelos alunos. É necessário oferecer assimilações e acomodações ativas daquilo que se pretende transmitir, de forma a favorecer e despertar a percepção do aluno para o entendimento do conteúdo. Muitos alfabetizadores que se dizem possuidores dos conhecimentos modernos, têm sentido grandes dificuldades para alfabetizar seus alunos, não conseguindo o êxito esperado ao final do ano letivo com seus educandos.

Para que a criança aprenda a ler e a escrever, ela necessita ser estimulada, orientada e motivada. Observa-se que esses fatores que possibilitam a aprendizagem não existem sem uma mediação, ou seja, alguém que ajude a criança a despertar o interesse e chegar a um domínio de conhecimento. Logo registra-se a presença do alfabetizador, este capaz de promover de forma satisfatória a aprendizagem de uma criança.

Visualiza-se que o alfabetizador precisa compreender e conhecer as fases de desenvolvimento da criança, portanto, ele é o responsável como mediador e organizador do processo de construção e reconstrução do conhecimento na sala de aula, necessita conviver com o “quando” e o “como” o intervir (Cócco, 1995, p.12).

Vejamos o esclarecimento sobre o assunto posto, conforme Ceará (2009, p. 34):

A professora de educação infantil tem um papel de fundamental importância no processo de construção do conhecimento da leitura e da escrita. É ela quem vai criar em sala de aula, um ambiente de letramento com atividades significativas e interessantes de leitura e escrita, mediando o acesso da criança a este objeto de conhecimento.

Ceará (2000, p.34) ainda comenta que o professor como mediador da aprendizagem deve:

- Considerar como ponto de partida para sua ação todo o conhecimento que a criança traz consigo, em termos de informação, sobre a língua escrita; 

- Admite que as crianças escrevam com liberdade de pensamento, isto é, de acordo com suas hipóteses (do jeito que sabem). Ao permitir que as crianças escrevam espontaneamente, a professora deverá está atenta para a questão dos erros. Na realidade esses erros são construtivos, eles representam o pensamento original das crianças sobre a escrita em certo momento;

- Conhecer o nível de construção do conhecimento das crianças, para intervir e planejar atividades que possibilitam o avanço no processo de construção;

- Elaborar situações de desafios que permitam as crianças a pensar e encontrar formas de solucioná-las;

- Instigar a auto-estima das crianças, isto é, motivar a experimentar os desafios propostos nas atividades, acreditando sempre que seus esforços valem à pena;

- Ler em voz alta para que as crianças percebam a entonação;

- Escrever na presença da criança.

Dessa forma pode-se transformar a sala de aula num ambiente prazeroso, propício para que a criança se transforme em um leitor e um escritor competente, assegurando as crianças ter acesso a uma cultura letrada.

Dentre das definições sobre alfabetização podemos citar algumas postas por Ferreiro (2001), que a alfabetização é um processo de aquisição de conhecimentos, baseados em teorias construtivistas da psicologia da aprendizagem, que a considera como um fenômeno que se dá ao nível de uma estruturação inteligente.

Ferreiro (1997, p.63-64) avalia a alfabetização:


É uma aventura excitante, repleta de incerteza, com muitos momentos críticos, nos quais é difícil manter a ansiedade sobre controle.

[...] Estamos tão acostumados a considerar a aprendizagem da leitura e escrita como um processo de aprendizagem escolar que se torna difícil reconhecermos que o desenvolvimento da leitura e da escrita começa muito antes da escolarização.

Através dessas reflexões da autora sobre o tema, constatamos que alfabetização é um processo que ocorre de forma não linear, discordando dos professores a compreensão de elementos culturais que ocorrem tanto dentro quanto fora do contexto escolar e que interferem gradativamente na evolução do processo de aquisição da escrita. Nesse sentindo, seu pensamento encontra-se com o de Freire.

Em se tratando dos programas de alfabetização Ferreiro (1997) enfatiza a ausência da compreensão das funções da língua escrita na sociedade das crianças devido algumas dessas muitas vezes crescerem em famílias que não são alfabetizadas e que ler e escrever são atividades pouco vivenciadas.

Essa falta de informação que a criança tem quando chega à escola não é trabalhada, ou seja, a instituição oculta o conhecimento daqueles que mais necessitam saber da utilidade da língua escrita para a sua vida. Diferente de uma criança que cresce numa família onde as pessoas são alfabetizadas e a leitura e escrita são atividades rotineiras.

Segundo Aroeira (1996, p. 111), as pesquisas de Ferreiro, Teberosky e outros pesquisadores deram suporte para desvincular a concepção de que o professor era o sujeito do processo da aprendizagem, dando ênfase à importância do ser que aprende (a criança) e sua relação com o objeto de aprendizagem (a língua). Portanto, o professor conhecedor das concepções de desenvolvimento da língua escrita, deixa de ser um professor “ditador” sendo transformado num professor “mediador”, que elabora atividades e questionamentos, capazes de levar a criança à “desorganização do pensamento”, isto é, a concepção de Ferreiro, é semelhante à de Piaget (1992) duvidar de suas concepções, colocando-se em conflitos suas certezas sobre os símbolos escritos e a comparar refletir, elaborando assim uma nova hipótese linguística.

 

4 LETRAMENTO

 

A partir dos anos 80, em alguns países como França, Portugal e Inglaterra, nos Estados Unidos e no Brasil surgiu o termo letramento. Vários livros e artigos foram publicados a respeito do assunto. Mesmo com a preocupação desses países com relação às práticas sociais da leitura e da escrita ocorridas no mesmo período, o Brasil ainda se encontra caminhando de forma inadequada com relação a sua forma de alfabetização e boa parte de sua população ainda é considerada analfabeta. O mesmo não podemos afirmar dos países europeus, que em sua maioria o sistema da escrita já predomina devido à passagem de seus integrantes pela escolarização básica.

Soares (2009, online) explica o conceito de letrar e letramento, onde “essas palavras não são novas, a pesar de não aparecer nos dicionários da atualidade. Porém, no século passado as mesmas já existiam”.

Soares (2009, online) ainda destaca sobre letramento:

Letramento envolve leitura. Ler é um conjunto de habilidades, de comportamentos e conhecimentos. Escrever, também é um conjunto de habilidades e de comportamentos, de conhecimentos que compõem o processo de produção do conhecimento. Nessa perspectiva, há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades, das demandas, do indivíduo, do seu meio, do contexto social e cultural. [...] A palavra letramento talvez também tenha surgido em virtude de não utilizarmos a palavra alfabetismo, enquanto seu contrário, analfabetismo, nos é familiar.

Sobre letramento, Soares (2009, online) mostra de onde surgiu na atualidade o termo:

O termo atual da palavra letramento surgiu da palavra literacy da língua inglesa. Literacy vem do latim littera que quer dizer letra, mais o sufixo cy que denota qualidade, condição, estado, fato de ser. Portanto literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e a escrever. Está subentendido que a escrita traz conseqüências sociais, culturais políticas, econômicas, cognitivas e lingüísticas. Nessa perspectiva, letramento é estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter se apropriado da leitura e da escrita.

Evidentemente, as citações acima de Soares (2009, on line), leva-nos a refletir sobre o uso dos termos na educação atual por nossos educadores.

Assim escreve Soares (2009, online), onde uma particularidade que, de certa forma, subsidiou a ressignificação da palavra letramento foi a mudança nos critérios utilizados em levantamentos pelo Censo[1].

No Brasil, esse processo de alfabetização vem passando por profundas alterações, sendo percebido que passou-se da simples verificação da habilidade de codificar e decodificar o nome à utilizar-se da capacidade de usar a leitura e a escrita para uma prática social. Em contrapartida, nos países desenvolvidos, o que satisfaz é a avaliação do nível de letramento da população e não o índice de alfabetização. Na verdade, nos países desenvolvidos eles estão mostrando o índice de pessoas que não utilizam os usos da escrita, não se apoderaram plenamente das práticas sociais de leitura e de escrita.

Observa-se claramente que não estão se referindo aos índices de alfabetização e sim aos níveis de letramento. O indivíduo pode não saber ler nem escrever, ser um analfabeto, porém precisa ser letrado.

Dentre dessa perspectiva, imagina-se o letramento como o uso da leitura e da escritura em práticas sociais, observou-se que o sujeito pode não saber ler e escrever, ser analfabeto, mas pode ser, de certa forma, letrado, uma vez utilizando a leitura e a escritura em práticas sociais.

4.1  Diferença entre alfabetizar e letrar

 

No decorrer das últimas décadas a preocupação da escola (instituição) tem sido evidente na alfabetização, a didática utilizada pelo professor alfabetizador com o ensino fundamental. Muitas pesquisas têm sido realizadas, mas mesmo assim encontramos os nossos alfabetizadores com muitas lacunas na compreensão do tema tão em evidência.

As quatro últimas décadas do século XX foram marcados pelo “método” de alfabetização, construído pelo grande educador Paulo Freire. O autor ainda no início de sua pesquisa compreendeu que a alfabetização de um adulto difere da alfabetização de uma criança. Pode-se dizer que seu método interferiu no mundo da educação em todos os continentes. Através de "temas geradores", o método possibilitava uma reflexão do alfabetizando sobre as suas próprias necessidades - o que gerava o interesse de posicionar-se sobre tais questões e de expressá-las em formas próprias de comunicação. Se analisarmos na íntegra essa concepção de alfabetização, concluiremos que o alfabetizado para Freire, não é somente quem lê (decodifica as letras), mas quem compreende o que está posto dentro dessa leitura numa perspectiva crítica.

De acordo com Freire (1991), a alfabetização tem sido compreendida tradicionalmente como um processo de decodificação do código. Portanto, alfabetizado é aquele que lê e escreve. O conceito de alfabetização para o autor tem um significado mais amplo, na medida em que vai além da decodificação, pois, enquanto prática discursiva, “possibilita uma leitura crítica da realidade, constitui-se como um importante instrumento de resgate da cidadania e reforça o engajamento do cidadão nos movimentos sociais que lutam pela melhoria da qualidade de vida e pela transformação social” (Freire, 1991). Ele defendia a ideia de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, fundamentando-se na antropologia: o ser humano, muito antes de inventar códigos linguísticos, já lia o seu mundo.

Dessa forma, não temos caminhos melhores para iniciarmos essa discussão, senão através da conceituação de “alfabetização e letramento” na perspectiva de seguintes teóricos: Freire, Ferreiro, Lemle, Soares, Teberosky e outros.

Vejamos, a definição de alfabetização de Freire (2005, p.21):

Alfabetização não é um jogo de palavras, é a consciência reflexiva da cultura, a reconstrução crítica do mundo humano, a abertura de novos caminhos, o projeto histórico de mundo comum, a bravura de dizer a sua palavra.

 

Concordando com o autor, percebemos que a definição de alfabetização, vai muito além de decodificar códigos, requer do aluno não apenas a decodificação, mas a compreensão do que foi lido.

Continuando com seu raciocínio, Freire (1992, p.76):

[...] ler um texto é algo sério [...] é aprender como se dão as relações entre as palavras na composição do discurso. É tarefa de sujeito crítico, humilde e determinado. [...] Implica que o (a) leitor (a) se adentre na intimidade do texto para aprender sua mais profunda significação.

 

Percebemos que o autor nas suas definições de alfabetização, tem sempre uma preocupação com o entendimento da leitura, não ficando apenas, na memorização do alfabeto.

Desfrutamos um momento de crescimento das desigualdades sociais e do processo de exclusão social no país, que afeta cada vez mais as esferas menos privilegiados da sociedade, comprometendo essas esferas no que diz respeito processo de aprendizagem e a permanência com êxito do nosso aluno na escola.

A partir dessas constatações podemos compreender as formas da educação contribuir para o processo de exclusão social. Pois além de ser excludente de si mesma, também elimina o ser de vários setores: da sua participação social, das oportunidades do mercado de trabalho, de uma qualidade de vida favorável ao ser humano.

Segundo Soares (2007), “alfabetizar é a técnica de aquisição da língua (oral e escrita) cujo processo é estático, ou seja, com tempo estipulado ou prazo para o aprendizado”. O desenvolvimento da linguagem ou letramento trata-se de um processo contínuo em nossas vidas e poderemos ter a possibilidade de aprimorá-lo, acrescentando novas construções e novos conhecimentos. Já “letrar” representa levá-lo ao exercício das práticas sociais de leitura e de escrita.

Uma criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e escrever; uma criança letrada é uma criança que tem o costume, as habilidades e até mesmo o prazer de leitura e de escrita de variados gêneros de textos, em diferentes suportes ou portadores, em diferentes contextos e situações. Se a criança não sabe ler, mas pede que leiam histórias para ela, ou finge estar lendo um livro, se não sabe escrever, mas faz rabiscos dizendo que aquilo é uma carta que escreveu para alguém, é letrada, ainda que analfabeta, porque conhece e tenta desempenhar, no limite de suas hipóteses, práticas de leitura e de escrita. Alfabetizar letrando significa direcionar a criança para que aprenda a ler e a escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e de escrita: substituindo as tradicionais e artificiais cartilhas por livros, por revistas, por jornais, enfim, pelo material de leitura que circula na escola e na sociedade, e criando situações que tornem essenciais e significativas práticas de produção de textos.

Falar de alfabetização, sem lembrar pelo menos alguns aspectos da obra de Ferreiro, torna-se quase impossível. Apesar de sua obra ser confundida com um método quando a mesma deixa evidente que sua pesquisa buscou observar como a criança realiza a construção da linguagem escrita.

Podemos dizer, dentro do conceito de Ferreiro (1997), que a alfabetização é um processo de aquisição de conhecimentos, baseados em teorias construtivistas da psicologia da aprendizagem, que a considera como um fenômeno que se dá ao nível de uma estruturação inteligente.

Ferreiro (1997, p.63) define alfabetização como, “uma aventura excitante, repleta de incerteza, com muitos momentos críticos, nos quais é difícil manter a ansiedade sobre controle”.

Reiterando as ideias de Freire, Ferreiro (1997, p. 64) diz:

 

Estamos tão acostumados a considerar a aprendizagem da leitura e escrita como um processo de aprendizagem escolar que se torna difícil reconhecermos que o desenvolvimento da leitura e da escrita começa muito antes da escolarização.

Através dessas duas definições de Ferreiro (1997), constatamos que alfabetização é um processo que ocorre de forma não linear, descordando dos professores a compreensão de elementos culturais que ocorrem tanto dentro quanto fora do contexto escolar e que interferem gradativamente na evolução do processo de aquisição da escrita. Nesse sentindo, seu pensamento encontra-se com o de Freire.

Segundo Aroeira (1996, p.111), as pesquisas de Ferreiro, Teberosky e outros pesquisadores deram suporte para desvincular a concepção de que o professor era o sujeito do processo da aprendizagem, dando ênfase à importância do ser que aprende (a criança) e sua relação com o objeto de aprendizagem (a língua). Portanto, o professor conhecedor das concepções de desenvolvimento da língua escrita, deixa de ser um professor “ditador” sendo transformado num professor “mediador”, que elabora atividades e questionamentos, capazes de levar a criança à “desorganização do pensamento”, isto é, a concepção de Ferreiro, é semelhante a de Piaget (1992) duvidar de suas ideias, colocando-se em conflitos suas certezas sobre os símbolos escritos e a comparar refletir, elaborando assim uma nova hipótese linguística.

Através de suas observações com crianças, Ferreiro construiu a hipótese linguística, comentada anteriormente, a qual poderia identificar em qual nível a criança se encontra. O problema que tanto atormenta os professores - que é o dos diferentes níveis em que normalmente os alunos se encontram e vão se desenvolvendo durante o processo de alfabetização - assume importante papel, já que a interação entre eles é fator de suma importância para o desenvolvimento do processo.

Segundo Telma Weisz (2000), apesar de Ferreiro, Teberosky e seus colaboradores nos anos 1970 ter proporcionado aos educadores uma nova maneira de analisar a aprendizagem da língua escrita, as pesquisas realizadas sobre o que as crianças pensam no que diz respeito ao sistema alfabético da escrita trouxeram a tona os inúmeros problemas que a cartilha criam no ensino-aprendizagem. Não há um “método Emília Ferreiro”, capaz de ser a solução definitiva como muitos ainda possam pensar. Os professores de hoje têm à disposição uma metodologia moderna de ensino da língua escrita coerente com as mudanças indicadas pela psicolinguística e produzida por educadores de diversos países.

Ainda de acordo com a autora, a metodologia é fundamentada em torno de princípios que organizam a prática do professor, conforme descreve Telma Weisz (2000). Uma criança aprende a ler e escrever lendo e escrevendo, porém, ainda sem fazer isso, trata-se de um desses princípios. Nas escolas consideradas construtivistas, os alunos são alfabetizados através de práticas sociais de leitura e de escrita. A cartilha não é mais uma referência para eles, com suas frases sem sentido, enquanto que o alfabetizador precisa interpretar a produção gráfica das crianças.

No Contexto da pesquisa podemos destacar também a autora Soares (2005), com seus estudos sobre alfabetização e letramento, alfabetizar e letrar. Na opinião da autora, a criança, ainda que não esteja alfabetizada, pode ser inserida num processo de letramento. O contato com o mundo letrado acontece bem antes das letras e vai além delas. Uma criança letrada já está capacitada a fazer a leitura incidental de rótulos, imagens, gestos, e emoções.

A UNESCO reconhece que o conceito de alfabetismo e analfabetismo possui categorias diferentes. Todavia, as definições de alfabetizados e analfabetismo criadas pela UNESCO, em 1958, significa uma tentativa de fixar uma diferença.

Conforme a UNESCO (1958, p. 4)

É alfabetizada a pessoa que é capaz de ler e escrever com compreensão um enunciado curto e simples sobre a vida cotidiana. É analfabeta a pessoa que não é capaz de ler e escrever com compreensão um enunciado curto e simples sobre a vida cotidiana.

Vejamos ainda o que afirma Soares (2005, p. 33)

[...] o alfabetismo não se limita pura e simplesmente à posse individual de habilidades e conhecimentos; implica também, e talvez principalmente, em um conjunto de práticas sociais associadas com a leitura e a escrita, efetivamente exercidas pelas pessoas em um contexto social específico.

Percebemos que a autora valoriza o saber que o nosso aluno trás da sua cultura, concordando com o mesmo pensamento de Freire (2002, p. 90) quando o mesmo coloca:

Não posso de maneira alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação do mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo “leitura do mundo” que precede sempre a “leitura da palavra.

Ainda de acordo com a Soares, a criança, mesmo não alfabetizada, já pode ser inserida em um processo de letramento. Pois, o contato com o mundo letrado ocorre muito antes das letras e vai além delas. Haja vista que a mesma já faz a leitura incidental de rótulos, imagens, gestos, emoções.

Observa-se a contribuição de todos os autores relatados e outros, sobre a referida abordagem, dá-nos pano de fundo para um embasamento importante na alfabetização das nossas crianças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MORAIS,  Artur  G.  de.  Discursos  recentes  sobre  a  alfabetização  no  Brasil.

Trabalho  apresentado  no  XIII  ENDIPE,  no  Simpósio  Os  Discursos  e  as

Narrativas nos Processos Educativos, abr, 2006

BRASIL, Lei n° 9394/96. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ministério da Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1996.

SOARES,  Magda.  Letramento e alfabetização:  as  muitas   facetas.  Revista Brasileira de Educação. São Paulo. Nº 25, p. 5-17, Jan/abr., 2004.

FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

________ Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2002



[1] Censo: conjunto de informações recolhidas sobre a quantidade e as características das pessoas que vivem num país ou em parte dele.