DIMENSÃO RELIGIOSA DO HOMEM

Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo | 24/12/2010 | Religião

DIMENSÃO RELIGIOSA DO HOMEM

É com intenção premeditada que o presente trabalho se inicia por uma das dimensões mais importantes do Homem: a dimensão religiosa. De facto, parece que a objectividade e o rigor científicos, poderão ficar minimizados ou mesmo desprezados. Não é plausível pensar-se nestes termos e, bem pelo contrário, o homem sente que, só quando tudo falha, ainda assim, e principalmente para o crente, é que ele busca uma luz, uma compreensão, um apoio que possa ajudá-lo a resolver a situação para a qual a ciência não encontrou a solução mais desejada para quem sofre.
É sabido que, imediatamente a seguir ao aparecimento do Homem, uma das primeiras instituições que lhe permitiu distinguir-se dos restantes seres da natureza, foi a Religião, eventualmente: numa primeira fase, com contornos pouco claros e muito indefinidos; posteriormente, direccionada para entes supremos e absolutos; para, finalmente, nos dois últimos milénios, se efectivar a sua ancoragem, numa das grandes religiões mundiais.
Sabe-se que, paralelamente e a partir do último quarto do século passado, proliferaram por todo o mundo, alegadas religiões e/ou seitas que, num ou noutro caso, têm vindo a conquistar alguma simpatia no domínio da adesão popular a novas experiências, com rituais diferentes e espaços menos visíveis, em alguns casos.
No quadro da dimensão religiosa do Homem, certamente que a sociedade ocidental actual se reparte por várias ideologias, muito embora exista uma grande dominância de certas religiões, concretamente a católica. Qualquer que seja a religião que cada Homem defenda e nela acredite, isso contribui para, no mínimo, poder aceitar a compatibilidade, por exemplo, não só entre as grandes religiões milenares e, numa outra perspectiva, entre religião e democracia.
Pensa-se haver o dever de admitir que, segundo alguns autores, religião e democracia se complementam, desde que se excluam, liminarmente, os fundamentalismos, porque estes sim, conduzem a situações tão radicais que não são condignas com os valores essenciais que todo o cidadão do futuro, certamente, irá defender: fraternidade, amor, tolerância, paz, cooperação internacional a todos os níveis, trabalho, responsabilidade, entre outros, porque em democracia a liberdade de religião é um valor inegável, que deve ser respeitado por todos os cidadãos.
Compreende-se muito bem a importância da dimensão religiosa nos dias de hoje. Independentemente de estatísticas, sondagens e pretensas adesões a esta ou àquela religião, o que se verifica é que os mais altos dignitários religiosos conseguem reunir à sua volta multidões que, tanto quanto se sabe, nenhuma outra actividade alcança: prova inequívoca encontra-se, sucessivamente repetida, nas autênticas peregrinações que sua Santidade João Paulo II tem feito ao longo do seu pontificado e, mais recentemente, o seu sucessor, Bento XVI.
Tais multidões, que não são constituídas, apenas, como alguns pretendem, por mulheres e idosos, mas também por homens e pela juventude de todo o mundo, cada vez em maior número. Fenómeno idêntico se verifica nas outras grandes religiões. De resto e no que respeita a Portugal, vejam-se os resultados do último censo da população em 2001 e concluir-se-á que a população é religiosa e, maioritariamente, católica. Na religião o homem busca sentido para a vida:

"Vive-se hoje uma certa crise existencial pelo não-sentido, ou pela procura do sentido para a vida. É certo que atravessamos tempos difíceis, precisamente por culpa e responsabilidade do Homem que, cego por um qualquer poder ou fanatizado por convicções muito profundas, é incapaz de abrir-se a outros valores. Por tudo isto, em início de século e de milénio, é importante que se considere que: Nesta conjuntura histórica de grandes mudanças, e de grandes combates, é sem dúvida necessário um revigoramento do que permanece essencial: a defesa da eminente dignidade da pessoa; uma ética responsabilizante para a vida pessoal, social, económica, cultural e política; uma renovação da vida espiritual;" (PINTO, 1999: 67)

O revigoramento a que se alude na citação anterior, não depende tanto do Estado que, em matéria religiosa, deve ser neutro, mas outro sim, é à sociedade que compete desenvolver todas as iniciativas ao seu alcance, seja a partir e com o apoio das diversas colectividades e organizações não governamentais, seja a partir do cidadão comum.
Só que o cidadão comum não estará, ainda, suficientemente preparado e despreconceituado para, publicamente, dar o seu contributo a partir do seu próprio exemplo, com recurso às experiências vivenciadas ao longo da vida. Nesta preparação ou, como se pretende defender, na educação e formação do cidadão do futuro, não se pode nem se deve ignorar o papel decisivo da Igreja, da família e da escola, como os principais agentes socializadores, de entre outros importantes.
Permitam que a religião possa aceitar da Filosofia, alguma dose de racionalidade na tentativa de interpretar os desígnios Divinos, mesmo sabendo-se que na religião revelada, ou se acredita ou não se acredita, ou se tem Fé ou não se tem. O papel da Filosofia seria no sentido de contextualizar a dimensão religiosa do homem, num conjunto de outras importantes dimensões.
Também é sabido que foi a Filosofia a romper com o pensamento mitológico, porém, jamais a Filosofia se poderá substituir à religião e vice-versa. Parece muito mais profícuo que a Filosofia e a religião se complementarizem, por percursos diferentes: "A Revolução monoteísta e a Filosofia são dois caminhos paralelos que podem nunca se encontrar. Contudo, é possível que dois caminhos paralelos possam estar muito próximos e ir na mesma direcção." (MALHERBE & GAUDIN, 1999: 58)
Portanto, será neste caminhar paralelo, tal como uma via-férrea, onde Religião e Filosofia serão os carris pelos quais há-de circular os comboios dos valores, dos princípios e das dimensões humanas. Mas outros carris podem ser simbolicamente utilizados, tais como: liberdade e democracia; família e escola; direitos e deveres e tantos outros, todavia, é preciso saber distinguir as diferenças e, didacticamente, estabelecer a complementaridade. O caminho da Religião é fundamental na construção do cidadão do futuro, porque o homem sem Fé, o homem descrente, o homem sem Deus, terá dificuldade em se afirmar ao mundo.
Quando se reflecte sobre a Religião não se consegue dissociá-la da sua estrutura física, denominada Igreja, contudo, constituem a Igreja de "pedras vivas" todos os crentes de uma determinada Religião. Esta Igreja é parte integrante da sociedade, vive e sente os seus problemas, as suas dificuldades, as suas angústias, por isso, a Igreja tem sempre uma palavra a dizer, não pode abstrair-se da sociedade.
É neste contexto que se deve compreender as intervenções dos dignitários da Igreja, os quais não podem enveredar, apesar de tudo, por temas que fiquem fora da esfera social da Igreja, porque: "toda a gente já percebeu que a Igreja não tem ânsias de poder temporal. O que não significa que não tenha o direito de intervir no temporal, exactamente porque nada do que é importante para a vida dos homens nos é indiferente." (PINTO, 1999: 70)
A dimensão religiosa do Homem e todo um conjunto de ritos, rituais, liturgias e estruturas para a prática do culto, constituem, nos tempos modernos, um excelente factor de equilíbrio e, em certas circunstâncias, de modificação e crítica perante os excessos cometidos pela sociedade, noutros domínios. Esta função que bem poderia ser entendida como uma luz, um farol que ilumina a boa conduta do homem, por vezes, também se excede e fica sujeita ao reparo filosófico que, conforme se deixou dito, acompanha a religião e quaisquer outras dimensões humanas.
Resulta, assim, a necessidade de uma nova Filosofia para a educação e formação do cidadão do futuro, na perspectiva do exercício de uma verdadeira e responsável cidadania, na qual não se pode dispensar a dimensão religiosa, porque esta é parte interessada na valorização e dignificação do homem.
Reacções estranhas que por vezes são tidas pelas pessoas, sejam ao nível da emoção, do sentimento, do pressentimento, para as quais não se encontram explicações imediatas e objectivas, levam a admitir que o homem, para além de toda a materialidade que é o seu corpo físico, tem em si mesmo uma outra dimensão, não-física, indefinida quantitativamente, que o conduz para situações de plena sensação de bem-estar, de felicidade, no sentido da realização pessoal.
A faculdade que o homem possui de, pela actividade cognitiva, sair fora de si, para uma imensidão onde julga poder viver eternamente, sem sofrimento de nenhuma espécie resulta da sua capacidade de acreditar que, em situações terminais, existe uma solução divina.
Com efeito, a dimensão religiosa do homem manifesta-se nele desde o seu aparecimento no mundo, pois as vivências que ao longo da vida vai tendo indicam-lhe que existe um outro caminho, além do percurso terrestre da sua vida biológica, considerando que: "Os sentimentos religiosos são um elemento necessário na humanidade. Eles emergem simultaneamente com a inteligência e procuram fundir-se com a verdade fundamental interior. (?) A religião é, com efeito, um aspecto da vida humana mais essencial do que a inteligência, a moralidade ou a consciência. (?) A chave da existência humana é o impulso religioso inato que brota da vida essencial universal e a ela aspira retornar." (IKEDA, 1982: 221)
Quando se desenvolve um projecto em defesa de um ideal, é suposto apresentarem-se argumentos credíveis, convincentes e que, se possível, se compatibilizem com as características predominantes numa dada sociedade. O cidadão que se tenciona preparar para este novo e exigente ciclo da vida mundial, certamente estará atento aos fenómenos que vão surgindo e reivindicará, não só a manutenção mas também o aprofundamento daqueles valores e vivências tão clássicos quanto universais, destes destacando-se a experiência religiosa que tem atravessado os séculos. Tradicionalmente, a cultura e a civilização ocidentais, têm valorizado o fenómeno religioso sob a orientação da doutrina cristã.
Certamente que o cidadão responsável, como se exige, tem a liberdade de optar por uma dada religião, no entanto, tem o dever de se esclarecer sobre o significado e extensão da religião maioritária da comunidade em que se integre, no respeito absoluto e tolerante pelas religiões minoritárias e, naquela circunstância, a dimensão religiosa cristã poderá ser decisiva para o êxito ou fracasso da intervenção do cidadão se ele comunga ou não da religião reinante. "Presente na história, o mistério de Cristo ilumina os fins da sua contextura; ilumina as profundidades do próprio mistério do homem, seus actos e seu fim. Nesta adequação absolutamente única do facto e da norma é que a visão cristã faz repousar sua compreensão do homem." (VAZ, 1986: 102)

Bibliografia:

BÁRTOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2002). "Silvestre Pinheiro Ferreira: Paladino dos Direitos Humanos no Espaço Luso-Brasileiro" Dissertação de Mestrado, Braga: Universidade do Minho, Lisboa: Biblioteca Nacional, CDU: 1Ferreira, Silvestre Pinheiro (043), 342.7 (043). (Publicada em artigos, 2008, www.caminha2000.com in "Jornal Digital "Caminha2000 ? link Tribuna"); (Exemplares nas: Universidade do Minho, ISPGaya; Bibliotecas Municipal do Porto e de Caminha; Brasil ? Campinas SP: UNICAMP, PUC, METROCAM, UNIP; PUC, Municipal Prefeitura de Campinas)
BATOLO, Diamantino Lourenço Rodrigues de, (2009). Filosofia Social e Política: Especialização: Cidadania Luso-Brasileira, Direitos Humanos e Relações Interpessoais, Bahia/Brasil: FATECBA ? Faculdade Teológica e Cultural da Bahia, Tese de Doutoramento. Exemplares Portugal na Biblioteca Municipal de Caminha; Brasil: Bibliotecas do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas-SP, Metrocamp ? Universidade Metropolitana de Campinas-SP)
IKEDA, Daisaku, (1982). Vida: Um Enigma, Uma Jóia Preciosa, Trad. Limeira Tejo Rio de Janeiro: Editora Record.
MALHERBE, Michel, e GAUDIN, Philippe, (1999). As Filosofias da Humanidade. Trad. Ana Rabaço, Lisboa: Instituto Piaget, pp. 164-170.
PINTO, Mário, (1999). "Igreja e Democracia, uma voz diferente das mais habituais entre nós", in Nova Cidadania, (2), Outono-1999, p. 70, Apud D. José Policarpo, (1999), Igreja e Democracia, Lisboa: Multinova, p. 67
VAZ, Henrique C. de Lima, (1986). Escritos de Filosofia. Problemas de fronteira, São Paulo: Edições Lodosas.

Venade ? Caminha ? Portugal, 2010


Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
bartolo.profuniv@mail.pt
Mestre em Filosofia Moderna e Contemporânea
Universidades: Minho/Portugal; Unicamp/Brasil
Doutor em Filosofia Social e Política
Faculdade Teológica e Cultural da Bahia -Brasil
Professor-Formador