Dilemas existencias do ser humano contemporâneo - Módulo I

Por Werner Schror Leber | 21/12/2017 | Cursos

WERNER SCHROER LEBER

CURSO: DILEMAS EXISTENCIAIS DO HOMEM CONTEMPORÂNEO

MÓDULO I

Questões e respostas do Módulo I

01. Diante das críticas feitas sobre a concepção de vida que perpassou pelos artigos acerca da primeira unidade “A questão da vida”, qual é a antítese que podemos observar no discurso da respectiva unidade?

RESPOSTA:

Há, primeiramente, conforme se lê na apostila, algo como a espetacularização das atrocidades cometidas em guerras, conforme página 26. Assistimos a coisas terríveis, mas que são eufemicamente apresentadas como se fossem jogos de vídeo game. Estamos assistindo a isso de longe, como se nada daquilo nos dissesse respeito, como se fosse um filme diante do qual devêssemos nos comportar como expectadores. A violência contra pessoas, as muitas mortes no Iraque, Síria, Afeganistão, e também as mortes por conta da violência urbana  e trânsito no Brasil, são apresentadas como de fossem eventos comuns e normais como, por exemplo, noticiar que um ministro do STF pediu aposentadoria.  

Conforme análise de Hannah Arendt, a modernidade prima pela banalização da vida. “Vida”, nessa concepção, com o que aqui concordamos, tornou-se uma questão de “indivíduo” e não questão pública, como era na Pólis da Grécia Antiga. Na Grécia Antiga não havia a concepção de indivíduo, de individualidade, como se vê hodiernamente, e que, a meu ver, cresce assustadoramente.  Vida, na atualidade, tornou-se um problema de luta contra o envelhecimento. Fetichismo, hedonismo, propaganda corporal? Saúde significa exibir bons músculos, corpos esculturais. Saúde mental, inteligência, ética, capacidade crítica.....onde está? “Vida” representa, assim, a busca do prolongamento da vida ao máximo que der e, se possível, o homem atual gostaria de ser eterno: fazer com que a medicina tornasse-se uma espécie de glorificação da vida em termos orgânicos, sendo que as condições dos outros e as relações éticas ficam sempre em segundo plano. Assim, “vida” passa da questão ética (como em Aristóteles, Hannah Arendt, Leonardo Boff, Hans Jonas) para a questão estético-físico das academias de ginástica, que juram “vender saúde”, e para as clínicas médicas de estética, que “garantem o sonho individualista” da eternidade e da jovialidade. O médico, o esteticista tomaram o lugar do sacerdote, do pastor, do feiticeiro. A Felicidade deixou de ser vista como uma causa de Eudaimonia – de Felicidade da Pólis – para ser vista como saúde física (pelo menos aparentemente) EM TERMOS INDIVIDUAIS e até de exibicionismo físico. Em linhas gerais, a civilização atual inverteu as coisas: a dimensão política e coletiva da vida cedeu lugar à dimensão biológico-estética individualista. Saúde é questão de exibicionismo. Mas mesmo Aristóteles já havia observado em seu tempo que a maioria das pessoas “[...] acolhem de bom grado uma vida dedicada à sua fruição. [...] A maioria dos homens parece estar completamente escravizada e preferir uma vida de animais de pasto”.  O problema é que a vida de “animais de pasto”, de fruição, de que Aristóteles já falava e condenava em seu tempo, tornou-se, infelizmente, o critério do que se entende por vida. Pode ser irônico, mas uma música de Zé Ramalho chamada “Vida de Gado” funciona muito bem como metáfora de nossa tragédia e falta de imaginação atuais. A vida deixou de ser um mistério como no tempo das Geistenwissesnschaften (ciência do espírito), das quais Max Scheler foi um certamente um pensador brilhante e criativo para tornar-se uma questão biológica em que a Inteligência humana (que Arendt e Scheler denominan Geist  – espírito) deixa de ser vista como algo relevante.

 

02. Comente sobre este mal estar que em que a modernidade está imersa, bem como o que seria esta crise do pensamento?

 

RESPOSTA:

Vou responder essa questão de duas formas: I) valendo-me das informações que o material indica ou pressupõe; II) a partir de uma perspectiva pessoal, que tem ligações com o texto em algumas considerações, e em outras, não.

Então Parte I (do texto)

Conforme o material, o mal estar (p. 13, por exemplo) mostra uma de suas facetas na banalização da morte, ou uma normalização das atrocidades (p. 14), o que leva presumir equivocadamente que a violência instalada, e também altamente disseminada entre nós,  resolve-se com polícia, com isolamentos daquelas “áreas perigosas”, ou “pacificando favelas” como se os moradores de determinados locais fossem seres violentos e precisassem ser civilizados. Ou então com grandes muros que funcionam como separação entre pobres e ricos, conforme os contrastes que se verifica em uma cidade grande como São Paulo, em que em um bairro como o Morumbi, por exemplo, encontram-se as mais luxuosas mansões distantes a apenas algumas centenas de metros de uma favela. Em linguagem sociológica chamamos a isso segregação espacial, pois pessoas, separadas pelas respectivas rendas, comportam-se como se tivessem que ver uns aos outros como um perigo do qual devem se apartar mutuamente com grandes fortificações. Um sentimento de impotência e crise nas instituições são facilmente observáveis nos dias atuais. Segundo o que consta na apostila, esse sentimento de impotência dá-se porque o Estado foi destituído de suas funções políticas. Michel Foucault posiciona-se contra o poder estatal que, segundo ele, está interessado em disciplinar corpos, adestrá-los e vigiá-los. Isso está melhor expresso no livro Vigiar e Punir, que eu estudei com  meus alunos para os vestibulares da PUCPR, que, nos últimos três anos, vem exigiu a leitura desse livro para o ingresso em seus cursos. Lá, entenda-se, em Vigiar e Punir, Foucault, entre coisas, mostra como que práticas militares de tortura do passado, táticas dos manicômios foram trazidos para a medicina moderna visando sempre administrar os corpos para o trabalho, para o adestramento do empreendimento capitalista mercantil e industrial, o que Foucault eufêmica e ironicamente chama de “os corpos dóceis”. Além disso, ainda compara o Estado a um Panóptico, uma espécie de grande Torre de Vigia, cujo objetivo é a institucionalização da disciplinarização metódica das pessoas por meio de técnicas refinadas que começam nas instituições e depois estendem-se às instituições familiais até atingir o indivíduo, fazendo, assim, de cada indivíduo uma espécie de vigia (de disciplinador) de seu próximo. Em outro sentido, mas com fortes ligações com o tema anterior, o que Foucault denomina biopolítica seria uma manipulação da Lei – Nomos - (diga-se um engendramento político) cujo interesse final é a saúde econômica das instituições financeiras e a garantia de que haja consumidores. Para que isso ocorra, o Estado empenha-se em promover uma despolitização da sociedade em detrimento do andamento dos negócios. Assim, esvazia-se a questão pública, sobretudo da ética, em detrimento de negócios privados – onde a ética é sempre aquela que Maquiavel prescreveu, qual seja, amoldar-se às circunstâncias sem comprometimento ético prévio e, além disso, dando a impressão de que aquele é sempre o melhor caminho, inventando situações que justifiquem esse modo de agir, ainda que não seja assim, isto é, mesmo sabendo que o Estado não possui e nem pode tudo o que se arroga, precisa parecer e convencer que possui os atributos e as boas intenções com as quais convence seus eleitores.  Mas o Estado atual é bem diferente daquele que Maquiavel conheceu. Só a ética rasteira e oportunista permanece, e essa é a comparação que acho válida. O Estado das ditas “democracias capitalistas” é apenas um agente ou um agenciador dos negócios privados – de grandes empresas transnacionais e de grandes corporações financeiras -, que dele se apossaram e o “príncipe” é hoje um refém dessas situações, embora “venda” aos habitantes de seu território a ideia de que tem controle da situação.  

 

Parte II (minhas considerações adicionais)

Já Freud falava em Mal-estar na Cultura no inacabento do srr humano. E, quem sabe, aquele mal-estar de Freud seja ainda o mesmo mal-estar cultural atual. Pretendo me deter em uma citação de Hans Jonas, autor que tenho lido mais recentemente. Em determinada passagem de seu texto Jonas afirma:

 

O hiato entre a força da previsão e o poder do agir produz um novo problema ético. Reconhecer a ignorância torna-se, então, o outro lado da obrigação do saber, e com isso torna-se uma parte da ética que deve instruir o autocontrole, cada vez mais necessário, sobre o nosso excessivo poder. Nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição global da vida humana e o futuro distante, inclusive a existência da espécie. O fato de que hoje eles estejam em jogo exige, numa palavra, uma nova concepção de direitos e deveres, para a qual nenhuma ética e metafísica antiga pode oferecer os princípios, quanto mais uma doutrina acabada.

 

Qual o dilema ético que hoje se enfrenta? Sobre a possível resposta a essa interrogação está o centro nervoso do jogo atual, e que promove esse certo mal estar, como já Freud definiu em 1930, sendo esse um de seus últimos escritos publicados em vida.   Tudo bem, a interrogação feita não está na perspectiva de Freud, porém também não a exclui. Há um problema de controle da ação humana no mundo do trabalho e da ciência atual. A ética antiga, aquela que Platão e Aristóteles, por exemplo, defenderam, estabelecia uma relação igualitária (paritária) entre pensar e agir. O pensamento guiava e controlava ação; a razão era como que uma juíza da ação humana, como ocorre nos filósofos helênicos da diáspora grega pós Aristóteles e nas concepções éticas estoicas que adentraram à doutrina cristã antiga, como, por exemplo, Sêneca. O futuro é fruto do que se fazia no presente. Bem, isso não mudou, mas perdemos o controle sobre nossas ações. Fazemos muito mais coisas do que sabemos que fazemos. O alcance de nossas ações multiplicam-se a uma velocidade com influências e consequências a mais diversas e, no mais das vezes, nefastas. Acontece que a civilização tecnológica produziu um hiato entre a capacidade de agir e a capacidade ética de prever, conforme Jonas afirma, dando enorme vazão à primeira e negligenciando a segunda. A ética antiga nunca supôs que o ser humano seria capaz de produzir saberes sobre as quais não teria poder de previsão racional e controle ético. Daí surge um dilema e vou definir isso com termos nada convencionais: para mim, essa pelo menos é uma visão bem pessoal, vivemos algo como perceber que “o ser humano escapou da racionalidade que ele supunha ser o que lhe controlava e guiava”. Aquilo que Aristóteles denominou Areté (Virtude); Mediania (capacidade de equilíbrio entre razão e paixões); Frónesis (que eu traduzo por Prudência...cuidado, sobriedade) é pouco porque o homem atual não tem como ser autônomo diante de um mundo frenético, plural e megaturbinado como o atual. As relações sociais há muito tempo deixaram ser binárias – eu e mundo – ou, eu e minha ação, como nas éticas antigas e medievais. Há agora pontos tenebrosos e escuros. O mundo atual é capaz de engendrar saberes que ultrapassam a ética tradicional. Para Jonas, a visão existencialista de Sartre cai no tradicionalismo ético. Sartre diz, “quando escolho, minha escolha implica a humanidade inteira”. Ok, isso não mudou, mas de anda adianta apenas constatar isso e não saber o que fazer. Um freio é necessário. O ser humano não indeterminado, autônomo e tão livre quanto Sartre supõe. Nesse sentido, me alinho com Paul Tillich contra Sartre à medida que Sartre condenava a noção cristã de destino (não sentido espírita, mas no sentido de condição limitada e ignorante, como em santo Agostinho), achava-a determinista, essencialista e teológica demais. Claro, Sartre precisa condenar toda teologia. O ateísmo prático precisa negar todo essencialismo, porque qualquer defesa de algo “essencial” já seria “determinar” o ser humano e, portanto, conforme Sartre,  privá-lo da liberdade para a qual nasceu condenado. Prefiro a visão de Tillich, segundo a qual não ter nenhum destino e nenhuma determinação é não possuir rumo algum e achar-se poderoso demais. Liberdade infinita, como quer Sartre, não combina com seres ignorantes, finitos e mortais, diriam Tillich, Boff, Heidegger, Max Scheler contra Sartre. Há hoje Bancos do Saber, grande corporações que administram descobertas científicas às custas dos grandes e bons cientistas que são bem remunerados nessas corporações, embora, quase sempre, politicamente, alienados, cujos resultados e empregos não se guiam pelo bem comum ou para zelar da melhoria do mundo; e sim se guiam pelos interesses estritamente mercadológicos que a essas megacorporações interessa. Penso que aqui Karl Marx tem razão quando mostra que a ideologia nos processos capitalistas é invertida: ela esconde o que realmente deseja. A ética, que se julga tão necessária não pode mais ser pensada como possibilidades infinitas, diante das quais o ser humano está aberto e pode fazer escolhas (Aristóteles, no mundo Antigo, e Sartre, no Moderno, se situavam nesse tipo de ética). Para Jonas isso já não funciona. O ser humano atual pode, de fato, destruir a vida inteira do Planeta. Pode, de vez e cabalmente, destruir tudo, infectar com vírus poderosos todas as pessoas (guerra bacteriológica) e finalmente, por interesses de apenas uns poucos Grandes Bancos que controlam o saber científico produzido pelo mundo, dar vazão apenas aos interesses desses grupos sem fazer do saber acumulado pela humanidade, um patrimônio de conhecimento da própria humanidade. O mercado da saúde, como se fala na atualidade da produção de remédios no mundo, é apenas uma pequena amostra do quão grande e poderosa é a força desses controladores das produções científicas e do saber, que deveria ser de acesso público. E não se trata apenas de conspiração. É muita ingenuidade supor que o conhecimento produzido esteja a serviço da população. Já em 1968, Jürgem Habermas, como aquele famoso Erkenntnis und Interresse (Conhecimento e interesse), que se encontra em Tecnick und Wisssenschaft als Ideologie (Técnica e ciência como ideologia) abordava esse tema para mostrar que o saber atual deixou de ser um busca para solucionar problemas que afligem a humanidade (como filósofos e cientistas tradicionais afirmaram e ainda afirmam) para transformar-se muito mais em um negócio, um empreendimento empresarial que decide “quê saber”, “quê soluções”, quê tipo de “Universidades” se deve ter, e que nem sempre estão a serviço dos interesses e problemas que afligem a humanidade. A ciência, entendida aqui como o saber que o ser humano desenvolve para responder interrogações ou encontrar soluções para questões práticas, deixou de ser desse modo porque quem administra esses interesses não é a ética pública, os interesses públicos, ou seja, o que visa está bem longe de ser bem comum. E a classe médica é hoje como que empurrada a compactuar com esses empreendimentos. Já não se pode dizer que médicos e advogados são profissões autônomas, como se dizia há 20 ou 30 anos. Hoje eles são funcionários do “mercado da saúde” e “funcionários dos interesses de corporações econômicas que controlam a produção do saber mundial”. Justamente porque a produção do saber atual escapou do domínio público é que as relações entre ciência, produção de conhecimento não pode mais ser vista no sentido tradicional.

No texto (p. 15-16) aparece Michel Foucault, que tratou desses temas sob o nome biopolítica. Já nos anos sessenta, esse fecundo e provocador autor havia percebido que há, como no dizer de Jonas, um hiato entre o saber produzido por universidades e institutos e o quanto disso é de fato transformado em bem à humanidade, que pagou todas as contas via tributos para os financiamentos e investimentos feitos. Os próprios governos são hoje reféns compulsórios financiados por esses grupos e seus interesses. Tudo bem que a despolitização dos povos mundiais facilitou muito a ação dos interesses mercantis e financeiros dos agentes da biopolítica. Mas esse é o truque!!! Mas o mal-estar também surge porque as pessoas se vêem impotentes para agir diante de quadro tão complexo. Há ainda outras razões: nem sempre as universidades são o centro do saber produzido. Há laboratórios que dominam questões de vida e de morte com mais propriedade que muitas das grandes universidades mundiais. Os interesses privados de megacorporações enfraqueceram o Estado de Direito, tirando de governos e da população civil o direito e a orientação do que deve ou não ser instituído como válido. Acrescenta-se a isso o fato do Estado atual nas ditas repúblicas modernas, como USA, França, Alemanha, Espanha, Coréia, Japão não terem nada de democrático. Os Estados Nacionais atuais parecem-se com fortificações cujo objetivo final é discursar em nome da democracia e das populações, mas no fundo só fazer delas pagadoras das contas de interesses nada públicos, nada importantes, apenas negócios de Bancos do Saber a serviço dos interesses biopolíticos. Cuidemos! O Pré-Sal pode se transformar também em um negócio para poucos, mas que o povo brasileiro pagará via tributação. Em nome dos interesse públicos, faz-se negócios imensos, com vultuosas somas em dinheiro e com agentes econômicos que no mais das vezes escapam ao controle público (Estado) pelo fato do Estado ser apenas uma parcela dos negócios e não a Instituição regente e controladora do processo. E já não é assim? Pois se assim não é, de onde veio a fortuna de um Eike Batista?  E de onde vêm a somas vultuosas de dinheiro desses homens hoje riquíssimos que se exibem em revistas por aí, como o Mexicano Carlos Slim, e vários russos que andam comprando times de futebol ingleses? De onde veio o dinheiro dessa gente? A única coisa que funciona nas ditas democracias atuais é a taxação: a maioria sempre paga as contas de interesses e projetos que pouco lhe servirá.

 

03. Deus está morto, no lugar dele, colocamos o mercado, destarte, quem é este deus mercado, como é a relação dele com a sociedade, quais são os sacrifícios que devemos fazer para ele?

Primeiro:

Qual foi o Deus que morreu, o da metafísica, pergunta Vattimo naquele texto pouco conhecido “Depois da cristandade”? Uma coisa é responder essa questão com os pressupostos sociológicos, econômicos e antropológicos que se apresentam no texto base deste curso. Outra bem diferente é tratá-lo sob a ótica teológica e filosófica. Tentaremos primeiramente responder sob o primeiro prisma. O problema de Deus a partir de uma frincha teológica será feito mais abaixo.

Informa-nos o texto que os dogmas religiosos foram substituídos pelo mercado, uma grande arena na qual, assim pensam os dirigentes, governos e instituições atuais, “cabe o mundo inteiro”.  Assim, esse tal mercado, seria como que um espaço inevitável, como se o comércio fosse uma necessidade natural aos humanos. Foi nesse sentido que falei antes que as torres dos shopppings centers concorrem com as dos templos religiosos tradicionais. Os shoppings são vistos como locais sagrados “de peregrinação, de realização de desejos, enfim, o êxtase do consumo”. O texto menciona o enfraquecimento dos Estados Unidos (p. 21). Epa..pausa. Acho cedo para concluir que a perda do mercado norteamericano seja já um prenúncio de que os povos historicamente explorados pelo grande capital das economias centrais (USA, Europa e Japão) cheguem, por isso, a situações melhores. Tomara que fosse. Bem, a meu ver é inegável que o Brasil, por exemplo, melhorou socialmente no Governo Lula e vários programas desse governo continuam, o que é muito bom. O Bolsa-Família, por exemplo, vem sendo estudado como o mais bem sucedido programa de integração e melhoria da renda para pessoas carentes do mundo. Estou falando de coisas bem atuais, das quais se falou recentemente em abril e maio de 2013. Por exemplo, o artigo das páginas 22-24, de Gilson Caroni Filho é muito bom, embora eu não me alinhe a defender Marx com o dogmatismo profético com que ele enfaticamente aponta as suas convicções.

O texto nos traz uma abordagem muito bem escrita que vem da visão e da relação entre a esfera pública e a esfera privada, sob a ótica de Hannah Arendt. Todavia, também só concordo parcialmente com essa análise. Concordo, digamos com o paradigma, com o princípios epistêmicos, mas a arena pública atual é algo muito mais imbricada e multifacetada que a dos gregos. O público e privado, visto a partir dos gregos, me parece romântico e ingênuo. Será que a relação que Hannah Arendt, a grande Hannah Arendt, faz é suficiente ou é apenas pedagogicamente aceitável para ilustrar o quadro? Fico com segunda opção e vou dizer por quê. A visão pública descrita, e que conforme o texto seria de Hannah Arendt, é pouco aceitável que os gregos a tivessem. Há sempre exageros. A Grécia nunca foi esse explendor democrático, essa Polis pública. O que não havia era a noção “indivíduo”, com as garantias individuais, que surgiriam no século XVIII, com o contratualismo político. Foi por isso que Nietzsche zombeteiramente exclamou: “Viva o indivíduo; nós o inventamos!”. A Grécia, ainda que seja “nossa mãe” intelectual, não era santa e nem perfeita. Como já dito antes, essa visão vêm de Aristóteles, pelo menos foi o grego clássico (macedão) que melhor disso falou. Na sua Ética a Nicômaco, logo no primeiro capitulo definiu o objetivo da ética como Sumo Bem (eudaimonia), que seria a felicidade, o bem da coletividade da Polis, portanto, uma felicidade “política”. Ótimo e bonito. Mas também ainda nessa obra, afirma que a grande maioria das pessoas não atingem a disciplina ética e vê aqueles que reconhecessem o valor desse Sumo Bem como espelho da alma, são aqueles que deveriam administrar a coisa pública e dirigir, julgar o que a Polis pode e deve fazer ou não. A Sofocracia de Platão, assim, está mantida no Sumo Bem, a finalidade da ética, de Aristóteles. Não sou um leitor profundo e sistemático de Arendt, mas visões românticas, sempre enaltecendo a visão pública dos gregos antigos e condenando o acabrunhamento e a tacanhice da tradição cristã, se lê também em autores da moda, como, por exemplo, André COMTE-SPONVILLE, com obras, muito boas por sinal, como “O espírito do ateísmo”, “A filosofia” e “O pequeno tratado das grandes virtudes”. Mas concluir com Hannah Arendt que “No cristianismo, quando a esfera pública fica subordinada ao princípio cristão da autoridade, da caridade, e, portanto o espaço político (sic..) torna-se a apolítico, p. 28”, é demais para mim. Que os cristianismo não tinha a vida pública, a glorificação humana, como os gregos de Atenas, é muito óbvia. Mas ela não poderia ser apolítica. A situação política é uma ontologia, uma presença da qual o ser humano não escapa. Ela era hierarquizada, subordinada às questões religiosas, aquele esquema em que a ratio funcionava como Ancilla Dei (a razão é serva da revelação). Concordo, todavia, e muito fácil de constatar também, é que a cultura contemporânea é marcada pela apatia e pela falta de participação social. Mas daí concluir que os gregos sejam parâmetro para julgar as situações atuais, me parece simplista. Os gregos eram certamente menos moralistas em questões sexuais que os judeus e cristãos. Viviam as tragédias, o teatro, os debates políticos mais intensamente. Mas eram eletistas, mantinham escravos, negavam direito às mulheres e estrangeiros, enfim, o espaço público grego nem de longe poderia ter sido o que alguns manuais de filosofia pintam por aí. Nem sei se o texto de Arendt de fato quer afirmar isso;  penso que Hannah Arendt utiliza esses exemplos apenas pedagogicamente. Pois, como sabemos, a Grécia de Platão e Aristóteles era uma vila perto das cidades e das complexidades das sociedades atuais. E uma sociedade socialista, se houvesse, poderia estar fora da alçada das moléstias causadas pela tecnologia e pelo crescimento populacional? O problema é que temos 7 bilhões de pessoas. Se o mundo não fosse capitalista, seria o quê, socialista? E como seria um mundo socialista, sem tecnologia, sem exploração de recursos, como sociedades tribais e nômades? Difícil de acreditar!! Afinal, o problema do mundo é o capitalismo ou desenvolvimento técnico-científico que modificou a face do Planeta Terra? Parece-me pouco louvável acreditar que se o socialismo, ou algum socialismo que pressupusesse a extinção da propriedade privada e uma socialização dos meios de produção, poderia escapar do desenvolvimento industrial e técnico-científico que as civilizações conquistaram.

 

Segundo:

Outra coisa é estabelecer uma crítica sobre o que seria essa “a morte de Deus”, preconizada por Nietzsche. Qual Deus morreu? Se estamos de acordo ou não com certas teologias atuais, é uma questão. Outra, e bem diferente, é defender o legado de Nietzsche. Pois nunca a questão “Deus” esteve tão atual como agora, apontam estudos de Gianni Vattimo e Luiz Alberto Hebeche, seguindo até as pegadas de Heidegger naqueles seminários de 1919-1921, cujos textos, menos conhecidos que outros do autor, agora editados sob o nome “fenomenologia da vida religiosa”. Os anos finais do século XX e a primeira década do século XXI são uma guinada para Deus. Se uma boa teologia, se uma boa reflexão filosófica, se uma boa exegese endossam essa procura transcendental pode ser questionado. Que há comércio religioso, que há demagogos que discursam em nome da religião, tirando proveito da situação de desespero de muitas pessoas, é notório e inegável. Mas a razão autônoma, iluminista, aquele liberdade sem tutores de que Kant fala, aquela saída da menoridade, não se realizou. No entanto, que a humanidade vive naquele desencantamento com a racionalidade de tipo iluminista de que Weber fala (Entzauberung) me parece muito notório. Foi, pois, a partir desse Entzauberung que Nietzsche proclamou a morte de Deus. Mas qual Deus morreu é o que interessa aqui. Gianni Vattimo insiste que Nietzsche apenas matou o “deus da metafísica”, mas ficou preso à metafísica à medida que ignorou que a destruição do Deus cristão que ele tanto pretendia, era ainda metafísico tradicional. O que Nietzsche considera Deus é uma confusão entre a metafísica grega e a facticidade da fé cristã, que em nada se confunde com a metafísica. Não é possível aqui desenvolver melhor os desdobramentos dessa intrigante questão, analisada por Luiz Alberto Hebeche em um texto polêmico e provocante chamado “O escândalo de Cristo”. Claro que essas observações se encontram em Heidegger e Vattimo parte delas para criticar Nietzsche. A crítica de Hebeche é mesnos com Nietzsche, mas mais com a confusão que sempre confundiu o modo da fé cristã com os pressupostos metafísicos gregos. O Deus que morreu, portanto, não foi o Deus cristão e nem qualquer transcendentalidade. Sem alguma fé, quem sabe, nem a ateísmo seria possível. Em que crêem aqueles que não crêem em nada? É notório que hoje a racionalidade está longe de ser apontada como uma baliza capaz se salvar o homem de seu desespero existencial. Não sem razão, filósofos contemporâneos têm falado em espiritualidade para os ateus. Outra questão que merece destaque é a liberdade. Conforme Mondin escreve, liberdade não é só capacidade ética de reconhecer o certo e o errado, mas uma atividade criadora que funda a totalidade do ser humano, à qual ele se refere nos seguintes termos:

 

A liberdade faz pelo homem muito mais: a sua função, antes mesmo que ética ou jurídica, é antropológica e ontológica A liberdade é dada ao homem para que ele possa realizar a si mesmo, seu próprio ser; porque ele realiza aquilo que a natureza apenas começou a esboçar. Sobre este aspecto Sartre afirma muito bem: a liberdade permite ao homem tornar-se o artífice de si mesmo. Pela realidade humana, escreve Sartre: ser quer dizer, desabrochar, desenvolver-se, nada lhe vem de fora nem de dentro que se possa receber e aceitar.  É completamente abandonado, sem nenhuma forma de ajuda, até a insustentável necessidade de fazer-se, desde o menor detalhe. Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, isto é, o seu nada de ser Se se concebia antes o homem como pleno, seria absurdo buscar nele, em seguida, momentos e espaços psíquicos em que ele seria livre: equivaleria a buscar o vazio num recipiente que antes se enchia até transbordar.  O homem não pode ser para algumas coisas livre e para outras escravo: é todo inteiro e sempre livre ou não o é de fato.

 

Bem, mas não é disso que a pergunta trata. Vejamos! O mercado é idolatrado; não é difícil constatar isso. Basta olhar o quanto cursos de MBA são idolatrados para saber-se ao que eles e a quem eles servem. A maioria dos estudantes, quando interrogados sobre o curso universitário que estão a realizar, vêm sempre com aquele slogan “mercado de trabalho”, “as competências do mercado de trabalho” e etc. Trabalho e Mercado são duas grandes idolatrias e ideologias atuais.

Nesse sentido, a competição é apresentada como a pedra de Salvação dos povos. Pobres povos!!! Ação, MBA, Mercado são as palavras de ordem. Avante Soldado! Tornaram-se dogmas, que substituem os dogmas religiosos. Nas cidades, as torres dos Shoppings tomaram o lugar das torres dos templos. Uma grande parte das tradições religiosas cristãs também só quer estar no mercado, competir para ver quem arrecada mais grana por meio de verdadeiros espetáculos ufanistas. A apostila fala em enfraquecimento dos Estados Unidos. Eu sou receoso em aceitar uma diminuição da influência política americana no mundo. Não quero profetizar como Marx. Até porque festejar a implosão do Império Americano, caso fosse essa eminência, e ver um Império Chinês surgir, e mais autoritário ainda, em nada indica dias melhores. Bem, é notória a perda de mercado dos americanos, mas isso não significa que eles sairão de cena tão cedo. USA é um Império, um Império cujas raízes maçônicas, como diz Olavo de Carvalho, dificilmente deixarão de influenciar o mundo. Ainda que percam poder econômico, o poder político dessa “república protestante e maçônica”, como Olavo de Carvalho reitera zombeteiramente em seu provocante e desafiador texto “O jardim das aflições”, não perderá a influência política que conquistou tão cedo assim. Infelizmente a capacidade de adaptação do capitalismo é maior do que gostamos de admitir.  

 

04. Vivemos em uma sociedade que confere muita importância para o trabalho, categoria esta que suprime a dimensão pública, a dimensão da polis. Discorra sobre estas relações do público e do privado.

 

RESPOSTA:

Muito do que está dito acima, aplica-se também à questão do trabalho. O trabalho, labor, deveria ser a realização humana. Lamentavelmente o trabalho tornou-se a escravidão moderna. E as pessoas, destituídas muitas vezes do conhecimento do que o trabalho realmente significa, o idolatram.  O trabalho é a pedra de toque, da disciplina metódica, dos corpos sacrificados para o empreendimento do lucro. Hannah Arendt, valendo-se da visão pública que haveria na Grécia Antiga, aponta que a vida pública grega é muito mais intensa que as questões privadas. Já dissemos ao longo de outras respostas, que a modernidade, entre outras coisas, tirou a espeço público do horizonte das pessoas, isto é, deixou de fazer da política um problema público, mas descaracterizá-la por completo, o que acarretou esse distanciamento, essa alienação, essa pouca importância que os povos atuais dão à política. Se meu juízo estiver certo, a disciplina do corpo de fala Foucault e a vocação burguesa do trabalho, que Weber viu nos protestantes de tipo calvinista, só foi possível graças à institucionalização do trabalho rotineiro, repetitivo e metódico. Mas há uma ingrediente novo, que contribuiu para a idolatrização do trabalho: o trabalho como critério de agregação de riqueza e não apenas punição. No mundo antigo, o trabalho era visto como castigo, como punição. As classes nobres não trabalhavam (e hoje trabalham?). Só vassalos e escravos trabalham. Hoje isso não é assim. Sem querer fazer uma defesa do trabalho em moldes neoliberais, é também muito fácil verificar que hoje ricos também trabalham, e muito. Alguém que imagina que empresários modernos só vivem no Caribe gastando dólares com Cruzeiros de luxo é totalmente falsa. No entanto, a exploração do trabalho é também a fonte de riqueza de minorias. Para Marx, agora vou falar dele, o trabalho só humaniza quando não é alienado. Marx, e nisso concordo plenamente com ele, sempre considerou que o trabalho é útil aos humanos. A humanidade não ficaria sem trabalhar. Mas condenou o trabalho em série, a escravização que tira do trabalhador a visão do que é feito daquilo que ele produz. Em linguagem marxista, é a alienação, ou seja, quando o trabalhador nada mais tem, a não ser a força-de-trabalho, e a vende em troca do salário. O capitalista compra a força de trabalho como mercadoria. Nesse processo alienante de trabalho, os trabalhadores não percebem que são eles os principais arautos do processo de produção. Tornam-se reféns de uma ideologia opressora. Penso que foi nesse sentido que Hannah Arendt conclamou para que se veja as coisa sob a ótica da esfera pública, poder público e oposição à individualidade, que é alienante porque faz do trabalho uma idolatria, uma pedra de salvação para poder sonhar em ser consumidor no grande shopping atual, o mercado global.

 

 

05. Quais são as questões que a crise política nos leva a discutir?

 

Em linhas gerais, duas questões centrais: a) a quem serve o Estado atual? b) porque a ética deixou de ser um pressuposto inicial nas questões politicas e econômicas que movem o trabalho e as riquezas atuais? Não é nessa ordem que os temas surgem na apostila e nem com esses nomes. Mas eu os apresento assim.

 

Comecemos pela primeira: a quem serve o Estado atual?

O Estado Moderno não é só a Grande Razão que Hegel queria (p. 15), mas a grande Blindagem também. Uma estrutura artificialmente mantida por fantasmas – por pessoas que não se sabe exatamente quem são. Um Senhor Feudal corria o risco de ser morto pelos vassalos. Os Reis medievais são verdadeiros plebeus comparados à blindagem técnica e política de que se servem autoridades atuais. Não há como um cidadão comum chegar perto de um prefeito por exemplo. Não se sabe quem são os patrões hoje. Quem são os donos de uma Imbev, a maior cervejaria do mundo e brasileira, por exemplo? Não se sabe, embora a imprensa nos forneça os nomes de seus fundadores. São pessoas que vivem em “outro mundo”. Os governantes e autoridades públicas atuais, os vemos nas Tevês, nos jornais impressos, mas eles mais se afiguram como Papai-Noel que pessoas de carne e osso. O Estado atual nada, mas absolutamente nada tem de democrático. É uma estrutura jurídica fortificada contra as pessoas. Hegel pensou o Estado como estrutura racional, como um grande espírito ético e político que marcha, via movimento dialético, ao seu autoconhecimento, ao encontro de sua realização, ao encontro, enfim, do fim das contradições. Isso Marx pesca bem em Hegel, mas dirige à matéria, às questões físicas e econômicas. Hegel imaginava a politica como ética, como libertação racional da menoridade (isso ele toma de Kant) com o qual, enfim, o homem se identificará. Nada disso temos! Em seu lugar, surgiu um Estado a serviço de interesses privados, um Estado correndo atrás dos interesses econômicos, um Estado que é refém das megacorporações mercantis do mundo atual. O Estado é uma burocratização blindada aos interesses públicos e éticos. A lei agora diz respeito apenas a cousas menores. Os grandes interesses não passam pelas Leis, por Conselhos Populares. A Invenção da Guerra Preventiva pelos EUA, e o desrespeito à Cruz Vermelha Internacional, o desrespeito às resoluções da ONU, o atropelamento das questões que envolvem “o direito da pessoa” são apenas alguns exemplos de como a democracia vai mal e de como estamos à beira de uma arrogância desenfreada, desencadeada pelo virulento mercado imperialista e arrogante de nossa dita civilização ocidental. E Marx estava certo em sua análise, mas a solução que apontou está muito longe de poder ser posta em prática porque seria ineficiente: trabalhadores no poder? Uma mera substituição das relações de poder!!! Não creio mais nisso.

Nos ditos países não democráticos, sempre foi assim. Mas nas democracias, esperava-se algo diferente. A verdade é que o poder econômico suplantou a ética e os interesses públicos. A esfera pública é hoje um nome, uma abstração da qual se tem saudades, mas que vive à reboque dos interesses do dito mercado. Creio que seja por isso que Habermas certa vez falou: “lamento muito não ser economista!”. O animal social (animal político) de Aristóteles transformou-se no animal ekonomikus, conforme nos diz José Saramago.

 

Segundo, como responder por que a ética deixou de ser uma prerrogativa das questões econômicas e politicas atuais?

Em linhas gerais, porque a ganância econômica não têm limites e a ética é, para os grandes mercadores atuais, apenas um atrapalho. Assim, sendo o Estado, um agente a serviço das grandes corporações, apenas discursa em nome da ética (lembrem, Maquiavel disse que o Estado e os Governos precisam parecer ser, mas não precisam de fato ser o que aparentam), sem no entanto ter um compromisso com ela. A razão é que o Estado atual tem um defeito central: ele é um Estado privado! Ele não é Estado das coisas públicas. Uma revolução silenciosa se instalou nas relações éticas atuais. A ética não pode mais ser pensada como virtude, como mediania, como princípio autônomo individual que guia e orienta as relações sociais. A produção tecnológica, como diz Hans Jonas,  modificou de tal modo as relações de produção, que os saberes produzidos estão longe de serem meras soluções das curiosidades humanas. A velha lição pedagógica que eu sempre repeti em minhas aulas de filosofia, qual seja, “que o ser humano pensa e desenvolveu teorias filosóficas e científicas para resolver problemas e encontrar soluções para suas interrogações existenciais” é agora apenas parcialmente verdadeira. Foucault já havia percebido o que Jonas agora descreve melhor: a era tecnológica transformou o ser humano não em um ser livre que autonomamente administra suas ações e se reconhece como agente ético, ou seja, como alguém se vê como agente ético cujas ações trazem resultados positivos e negativos. Essa visão é aristotélica, kantiana, hegeliana, sartreana, e permanece válida em muitos aspectos, mas foi hipostasiada pela capacidade alienante que o sistema produtivo atual cria. Nossas ações fogem de nós. Parece estranho, mas a cibernética, a tecnologia criou facilidades que exigem uma ética capaz de rever como nossas ações influenciam as civilizações – e ver mais: o quanto sabemos dos alcances de nossas ações?

Para Foucault, que é estruturalista, as ações humanas são como que cooptadas (não gosto dessa palavra) a serviço de domínios estranhos que, como vimos, para Foucault é disciplinarização dos “corpos dóceis” para a vigilância e a produção capitalista. Mas pelo fato do poder escapar das mãos das pessoas por essas táticas sutis engrendadas pelo Poder Panóptico, é que Foucault irritou os marxistas tradicionais afirmando reiterada vezes que uma tomada do poder não era possível como Marx previa, porque o poder não é algo homogêneo que se cristaliza em classes pobres e em classes ricas, como se cada uma dessas classes pensasse e tivesse objetivos comuns só serem niveladas pelas respectivas rendas e situações sociais. Sobre isso tenho algumas considerações que deixar registrado em nota.

 

Mas também não é justo estabelecer uma relação direta entre a Grécia de Platão e Aristóteles e o mundo atual. Platão e Aristóteles, os sofistas e mesmo estoicos e epicuristas não conheceram um mundo industrializado, urbanizado, tecnologicamente determinado e com população em torno de 7 bilhões de pessoas. O tal Império Romano foi muito, mas muito diferente de um Império como os USA – essa moderna República protestante e maçônica – como Olavo de Carvalho gosta de dizer. Todavia, é evidente que o capitalismo como modelo econômico predominante dos últimos 500 contribuiu para a exacerbação individualista e competitiva que agora nos engole. Haveria outro modelo? Como sabemos, foi sobre essa intrigante questão que Marx e Engels se debruçaram com afinco. Pena que o tal socialismo que aqueles que o implementaram no século XX, jurando tê-lo retirado das ideias de Marx e Engels, tornou-se mais ditaduras opressoras que opção séria frente à força do capital. Ou alguém acredita que na China, URSS, Argélia, Polônia a ética e o respeito à dignidade das pessoas imperavam?

Ao contrário do ocorria no mundo antigo. Vejamos o que o comentador escreve sobre a ética de Aristóteles que, como sabemos, é o fundador da ética como disciplina da vida prática na tradição ocidental. Assim vai o texto do comentador: “O estudo do pensamento de Aristóteles é fundamental ao estudo da ética. Ninguém consegue escrever e falar de ética sem falar e tratar de Aristóteles, seja para inspirar-se, seguir ou criticar sua concepção. Aristóteles foi o grande sistematizador da ciência ocidental. O ponto de partida de Aristóteles é a reflexão acerca da ciência. Divide o saber em teórico, prático e poiético. Na sistematização aristotélica do saber as ciências práticas vêm em segundo lugar. Estas são hierarquicamente inferiores às ciências teóricas, enquanto nas ciências práticas o saber não é mais fim para si mesmo em sentido absoluto, mas subordinado e, em certo sentido, servo da atividade prática”. NODARI, A ética aristotélica. Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 24, n. 78, 1997, p. 384.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução do grego de António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009, p. 21.

“O novo princípio encontra-se fora de tudo isto que podemos denominar vida no sentido mais amplo possível. O que torna o homem homem (humanitas) não é um novo estágio da vida – com maior razão tampouco apenas um estágio de uma forma de manifestação desta vida, da Pysche. Ao contrário, ele é um princípio oposto a toda e cada vida em geral, também à do homem no homem: um fato autenticamente novo que não pode ser absolutamente reduzido como tal à evolução natural da vida, mas, se é que pode ser reduzido a algo, apenas ao fundamento único e supremo das coisas mesmas. Deste fundamento a vida é uma grande manifestação”, escreve SCHELER, Max. A posição do homem no cosmos. Com tradução e apresentação de Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 35. Grifos meus.

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Cito, como exemplo, essa passagem: “A um príncipe, portanto, não é necessário que de fato possua todas as sobreditas qualidades; é necessário, porém, e muito, que pareça possuí-las. Antes, ouso dizer que, possuindo-as e praticando-as sempre, elas redundam em prejuízo para si, ao passo que, simplesmente dando a impressão de possuí-las, as mesmas mostram toda a sua utilidade”, MAQUIAVEL, Nicolo di Bernardi dei. O Príncipe. Traduzido do italiano do século XVI por Antonio Caruccio-Coporale. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 86. (Capítulo XVIII: Como devem os príncipes honrar a sua palavra?)

JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução de Marijane Lisboa e Luiz Montez. Rio de Janeiro: Contraponto e Ed. da PUC, 2001, p. 41

Há muitas edições dessa famosa, sempre mencionada e pouco lida obra. No meu caso, possuo uma edição de bolso, qual seja: FREUD. Sigmund. O mal-estar na cultura. Tradução de Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM, 2010.

Situo Hannah Arendt nessa perspectiva. Já nos anos cinquenta, ela havia percebido que as democracias modernas são na verdade grandes embustes que estão a serviço de classes economicamente poderosas e dominantes. Lembro de ter lido um artigo que ela escreveu nos anos cinquenta sobre educação, período em que ela migra ao Estados Unidos, no qual ela faz uma denúncia do sistema de ensino americano afirmando que as escolas americanas formavam seus jovens apenas para o imperialismo econômico que o USA estavam em vias de sacramentar. Assim, H. Arendt percebeu que a nação que naquele tempo já se considerava a “protetora” e salvaguarda da liberdade e da democracia mundial, no fundo mantinha o panorama maquiavélico do qual escrevi em nota anterior, qual seja, aparentar uma coisa, defendê-la com unhas e dentes publicamente, fazer propaganda a favor disso, todavia, no fundo, só aparentar sem qualquer compromisso porque as verdadeiras intenções devem ficar veladas e disponíveis apenas a grupos privilegiados. Mas esse é o papel da ideologia conforme Marx e Engels, com o que perfeitamente estou de acordo. Se olharmos bem, esse é também o panorama geral sobre o qual Hannah Arendt se debruça em “As origens do totalitarismo”. Artigo interessante sobre Hannah Arendt é o PERISSINOTTO, Renato M, Hannah Arendt, Poder e crítica da “tradição”. Lua Nova, nº 61, 2004, p. 116-138.

Sobre como Eike Batista se tornou poderoso e porque agora está “empobrecendo”, ver a reportagem que se encontra no seguinte endereço eletrônico: <http://br.noticias.yahoo.com/blogs/cartas-amazonia/dinheiro-coletivo-e-fortuna-individual-131513450.html>, acessado em 13.5.2013. E veja-se que a engendrações desses negócios que geraram novos milionários brasileiros surgiram no governo de Collor e Fernando Henrique Cardoso, mas não foram interrompidas pelo Governo Lula. Mais um sinal claro de que pouco importa a sigla partidária. Partidos políticos, infelizmente, hoje são siglas de aluguel, verdadeiros cartórios para enganar eleitores e fingir que democracia existe onde existe direito de voto. Ou sinal claro de que a engenharia econômica reina bem acima das ditas representações populares. Se há algo a ser feito, esse algo é reinventar a política. Nietzsche, em final do século XIX, reinventou a filosofia. Precisamos reinventar a política. O que hoje aí está pouco ou nada representa ao não ser endossar destinos estranhos gestados nos centros de saber aos quais a população mundial quase nunca têm acesso.

COMTE-SPONVILLE, André. O espírito do ateísmo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.  

MONDIN, Battista, conforme texto em http://fejus.vilabol.uol.com.br/pessoahumana.htm. Acesso em 25.08.2012.

Prezado (s) avaliador (es), quero manifestar aqui meus agradecimentos e pedir desculpas por ter demorado tanto a enviar as repostas. Quero também dizer que fiz respostas delongadas para as do Módulo I e, assim, prometo, no Módulo II, farei as repostas mais pautadas, conforme o texto base. Todavia, perceberás (ão), que muitas vezes, discordo dos pressupostos materialistas e marxistas que medeiam e entonam muitos pressupostos do texto base. Não me sinto obrigado a concordar com eles sempre. Há, porém situações em me aproximo deles, mas não sob a ótica da perspectiva meramente materialista. Todavia, creio não ser esse um impedimento e nem espero punição por isso. A meu ver, não tenho obrigação de acreditar, por exemplo, que a crise americana de 2008, seja uma crise séria do capitalismo e que isso dá veracidade à profecia marxista segundo a qual o capitalismo se acabará pelas suas contradições internas. Vendo, portanto, nessa crise um sinal de que estamos às portas de tal acontecimento apocalíptico, como pensa o Sociólogo do PT, Emir Sader. E como ele, tantos outros. Inclusive eu já pensei assim. Já gostei de Emir Sader. Ainda bem que existiram Santo Agostinho, Vattimo, Derrida, Heidegger, Hebeche, Hannah Arendt, Habermas, Adorno, Olavo de Carvalho, Julian Marias, Max Weber, por exemplo, cujos textos  pude ler e verificar que as coisas são ainda mais complexas e que o capitalismo sucumbirá um dia, certamente, mas não pelas questões do trabalho e razões classistas que Marx apontou e, menos ainda, que em seu lugar surgirá uma ditadura do proletariado. Se hay Dictadura, soy contra!! Mas, a meu ver, infelizmente, a crise de 2008 e as crises que a Europa vive, são sim uma crise do processo capitalista. Porém tais crises em nada indicam que ele chegou ao fim e que Marx, enfim, pode ser conclamado como profeta e gênio da humanidade. Sob esse prisma, estou mais ao lado de Foucault, de Arendt, de Hans Jonas, de Habermas, para quem o capitalismo é poderoso, antiético, mas seu fim não virá de uma tomada de poder por bloco de despossuídos, dos “Arbeiter der Welt, einig euch”! nem do organicismo intelectual de um Gramsci. Tenho aqui muitas reservas e prefiro ser fiel ao que estudo, mas também não discordo de todo das assertivas marxistas. Apenas não as idolatro, como já fiz no passado. Algumas considero acertadas e atuais; outras, endossadas ligeiramente por pessoas que se consideram críticas, mas se portam apenas como fiéis que vêem a cada crise financeira, a chegada do novo eon e do cumprimento de uma profecia que Marx teria feito. Nada mais religioso e metafísico para quem quer mudar o mundo e não apenas interpretá-lo, fazendo uma pequena paródia às criticas que Marx dirigiu a Hegel!!! Claro, para quem está afundando até uma folha de papel serve, lembra Goethe. Mas se é para acreditar profeticamente, Santo Agostinho, Paulo de Tarso, e Jesus, (o Logos Encarnado), me dizem muito mais. O cristianismo quer bem mais que só a instauração de uma democracia materialista ou uma socialização dos meios de produção. Li recentemente o livro do Ratzinger “Jesus de Nazaré”, e lembro que em determinada passagem ele diz: “quem só semeia pedras colherá pedras”. Vejam vocês onde fui parar!!! Também estou afundando e me agarrando a folhas de papeis. Ratzinger, como é evidente, falava de seus ataques ao marxismo que a Teologia da Libertação, conforme ele, sempre direta ou indiretamente endossou. Falava evidentemente dos muitos padres que, por estarem alinhados com determinadas perspectivas sociológicas marxistas, foram por ele perseguidos e muitos deixaram o sacerdócio. E sei que ele tem culpa e muita por uma série de situações. Sei bem que Ratzinger é conservador, e quando eu ainda estudava teologia em São Leopoldo, eu o condenava, achava-o retrógrado, um ser medieval, um inquisidor vivendo nos nossos dias. Mas vinte anos depois, também hoje sem batina (fui pastor luterano), sei bem que a teologia não pode se comprometer cegamente com o materialismo, mesmo que pão e casa sejam coisas elementares para qualquer vivente. “Nem só de pão viverá o homem”, disse alguém que foi assinado em público pelos Herodianos, por Pilatos e por César Augusto lá pelo ano 30. Entretanto, isso de modo algum significa que impugno Marx em sua totalidade. Sobretudo porque sei ler e não preciso que me digam de que lado nasce o Sol. Sei, assim, perfeitamente formar meus juízos, meus enganos, meus equívocos e perceber que entre as análises de Karl Marx e as muitas interpretações de exegetas, seguidores e idólatras, há abissais diferenças. Abomino esses dogmáticos que se julgam os “féis depositários” das questões marxistas. Em Joinville, onde moro, há muitos assim na política. Muitas vezes a cegueira dogmática sobrepõe-se ao bom senso. Esses, os vejo semelhantes a determinados evangélicos que julgam ler a Bíblia corretamente, como se letra e espírito fossem a mesma coisa. Portam-se como fariseus e inquisidores. Apenas indico que Marx foi pensador social, economista no século XIX, que apresentou um quadro muito bem elaborado da economia capitalista daquele tempo e as contradições que lá já se avistavam – certamente a melhor já feita por um analista social -, mas também quero dizer que Marx nunca quis ser profeta, e nem estou dizendo que o texto do curso adota essa perspectiva. O texto do curso aqui tangeia opiniões que se aproximam de algumas dessas perspectivas. Suas denúncias (as de Marx) da opressão capitalista são estudos de economia, de sociologia, de ciência politica, de filosofia dialética, mas não profecias. Marxismo é uma teoria social e não uma religião. E se Marx foi profeta, a meu ver, mais errou que acertou. Está mais para Amós e Isaías que para Moisés. Em grande parte, Marx mais expressou seu desejo pessoal (de que o capitalismo deveria sucumbir, porque injusto) do que acreditar friamente que o sistema de moeda, da mais-valia fossem mesmo derrotadas muito cedo. É inaceitável, por exemplo, um leitor de clássicos da economia pensar que o capitalismo é uma doutrina moderna, que começaria no Renascimento, como muitas vezes o própria Marx dá a entender em seu Das Kapital, ali naquelas passagens sobre os economistas ingleses. Faz tempo...muito tempo que li isso. Weber, aqui, discorda e se ri do que considera ingenuidade de Marx. As economias antigas, como as hordas, o sistema egípcio, indiano, persa e mesmo a vassalagem medieval continhas princípios só ampliados com chegada das navegações do século XVI e as indústrias e bancos do século XIX, grande parte deles à custa do ascetismo protestante, que via nos lucros, a benção divina. O Renascimento apenas intensifica o capitalismo, mas não é o momento de sua origem, informa Weber exatamente contra Marx. Foram as críticas ao capitalismo de seus seguidores (Lênin, Gramsci, Trotzky) que o transformaram em ídolo e profeta por causa das Internacionais, sobretudo a 4ª Internacional. Toda idolatria é perigosa porque dogmática. As muitas razões e acertos de Marx não justificam certa idolatria de uma parcela da dita esquerda política, que costuma ser muito complacente e ufanista nos acertos (ou possíveis acertos) e, em grande parte das vezes, fecha os olhos para questões óbvias como as relações de poder, sobre as quais a teoria marxista, a meu ver, errou e muito, pois grupos sociais nivelados economicamente não estão nivelados intelectualmente. O pressuposto materialista, de Marx, é muito válido, mas é naturalista e insuficiente. Por que Althusser e Foucault sempre foram vistos com reservas por aqueles que juram preservar a “legítima teoria marxista” dos “revisionistas burgueses”, entre eles, acreditem, Jürgem Habermas? Conheço pessoas que execram Adorno, Horkheimer, Marcuse, por considerá-los detratores do “genuíno marxismo”. É muita pretensão achar que há um lado certo, que defende o bem, enquanto do outro só haveria maldade ou ingênuos que não percebem as coisas porque não foram ainda devidamente doutrinados nos dogmas verdadeiros, isto é, aqueles que ainda não dominam com exatidão aquela meia dúzia de termos diretivos e deterministas que, enfim, porão fim ao malvado capitalismo. Estou entre os que acham o capitalismo, mau, perverso, contraditório. Mas também isso é mais ou menos como constatar que um doente precisa de cuidados médicos. Mas para mim capitalismo é bem mais do que Karl Marx conseguiu dizer. Sob esse aspecto, estou ao lado de, por exemplo, Max Weber, de Foucault, de Merleau-Ponty, de Tillich, mas não posso me alongar mais.

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