DIFERENÇAS ENTRE A FÍSICA ARISTOTÉLICO-PTOLOMAICA E A CONCEPÇÃO MODERNO-RENASCENTISTA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ELEMENTARES

* Werner Schrör Leber

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente estudo visa traçar um panorama, ainda que breve e com muitas lacunas, entre a concepção da física de Aristóteles e toda a sua influência no Mundo Antigo e Medieval, notadamente a recepção que ela teve na visão de Ptolomeu. E também apontar em que ela é diferente das concepções modernas, que se instituem a partir do século XVI para adiante. Ptolomeu, já no período cristão, adapta várias das questões levantadas pela física aristotélica a uma teoria cosmológica por ele elaborada, com a qual reforça a tese do geocentrismo que já estava esboçada pela concepção mecanicista de Aristóteles. Pois, como se sabe, a tese do geocentrismo funcionou por muito tempo como sustentáculo de determinada situação política cujo ápice era a teologia.

O que se chama concepção moderna precisamente, ao menos em nosso ver, são as questões que surgem com o Renascimento europeu no século XVI e seus desdobramentos. A ciência moderna, via de regra, é resultado da concepção moderna de física, ou seja, é resultado de um padrão matemático, mensurado tecnicamente. Platão e Aristóteles, salvaguardas as diferenças entre eles, traçaram os passos da física, da lógica e da matemática, pelo menos conceitualmente, que por vinte séculos foi o sustentáculo principal da lógica e do conhecimento ocidental.

Um trabalho, mesmo que modesto como o nosso, não pode ser efetuado sem situar minimamente o problema a ser descrito. Também uma análise, ainda que constituída precariamente em face da grandeza do problema e o parco conhecimento do autor deste presente texto, não se pode ignorar que as concepções modernas de ciência surgem com a noção fisicalista que se impõe desde o Renascimento (DUTRA, 2005). Antes imperaram as visões teórico-críticas que da tradição grega, ou seja, a tradição de validação do saber, radicadas em Platão e Aristóteles, da qual a mecânica e a física Aristotélica é parte. A física aristotélica é, no fundo, uma metafísica. Como lembra o comentador “na metafísica, Aristóteles diz que as categorias são os sentidos pelos quais se pode dizer que uma coisa [é]” (ALLEN; SPRINGSTED, 2010, p. 117). Ptotolomeu é um aristotélico. O sistema Ptolomaico foi um construto cosmológico que pretendeu justificar a Terra como o centro do Universo partindo das complicadas e imbricadas teses aristotélicas. Tal cosmologia durou séculos e só encontrou forte resistência nos séculos XV, XVI e XVII quando as descobertas científicas novas inviabilizaram totalmente a visão geocêntrica das cosmologias dedutivas antigas.

2 SITUAÇÃO E CONTEXTO

Até o Renascimento, a tradição do pensamento platônico-aristotélico já contava com aproximadamente 20 séculos. Mas não de modo combinado e simultâneo. Cada autor teve seu devido tempo na tradição e também o respectivo aproveitamento dos seus leitores e exegetas. O pensamento aristotélico, que regeu praticamente todo o Medievo cristão, em linhas gerais é o alvo da física moderna. Mas Aristóteles só surge no Ocidente, pelo menos com força total, na Idade Média. Foi Platão que desde o Helenismo e toda a Patrística Ocidental perdurou como substrato filosófico do pensamento ocidental.

Além disso, cabe também mostrar como que a concepção fisicalista que se impõe desde o século XVI à mentalidade científica ocidental, mantém-se presa à experiência, à fatalidade, à mensuração técnica apurada e dimensionada por provas. O saber moderno, cuja epicentro de origem situa-se no alvorecer do século XVI, como já dissemos, e de lá até os nossos dias, está assentado na indução, isto é, na criação de Leis e Critérios que permitem atribuir ao observado em aspectos restritos a noção “lei universal”. Francis Bacon é, por excelência, um ícone desse modelo. Seguido depois por Descartes e por John Locke, Isaac Newton, cada um, evidentemente, situando-se dentro do panorama da modernidade, porém com diferenças específicas entre si.

A visão geocêntrica de mundo e a visão heliocêntrica que surge na modernidade dão-se por caminhos que implicam a física aristotélica e sua recepção em Ptolomeu bem como o que fariam Copérnico e  seus seguidores nos séculos XV e XVI. Em linhas gerais, nisso está situado o problema dessas duas visões de ciência, a ciência antiga e a ciência nova renascentista.

 

3 SITUANDO O PROBLEMA DA (META)FÍSICA ANTIGA

Quando se consulta um manual geral de história da filosofia, é fácil constatar que os autores costumam classificar Aristóteles em oposição a Platão, precisamente chamando o primeiro de empirista e o segundo de inatista ou idealista. Ou dizendo que Platão classificava a realidade em duas esferas, a ideal e a existencial, ao passo que Aristóteles não o adotaria tal procedimento. Tentaremos mostrar que essas diferenças são sustentáveis apenas em alguns aspectos. Não se pode inferir daí que Platão tem uma diferença com Aristóteles comparada àquela que se verifica entre Descartes e Locke, por exemplo. No entanto, estabelecer diferenciações como as mencionadas entre Descartes e Locke como sendo análogas às existentes entre Platão e Aristóteles são comuns de serem encontrados em textos de filosofia escritos mais para o senso comum que para quem procura algum aprofundamento no tema. Primeiramente situaremos como que a conhecida comentadora descreve esse problema, cujo teor pode ser encontrado na totalidade de comentadores quando tratam das diferenças entre Platão e Aristóteles. A ideia vai assim:

Diferentemente de seus predecessores. Aristóteles não julga o mundo das coisas sensíveis, ou a Natureza, um mundo aparente e ilusório. Pelo contrário, é um mundo real e verdadeiro cuja essência é, justamente, a multiplicidade de seres e a mudança incessante. Em lugar de afastar a multiplicidade e o devir como ilusões ou sombras do verdadeiro Ser, Aristóteles afirma que o ser da Natureza existe, é real, que seu modo de existir é a mudança e que esta não é uma contradição impensável. É possível uma ciência teorética verdadeira sobre a natureza e a mudança: a física (CHAUI, 2000, p. 217).

O enfoque da citação acima é opinião corrente entre a ampla maioria de comentadores. Por exemplo, veja essa outra passagem em que o comentador, falando de Aristóteles, diz “É tido como um pensador que não possui a qualidade mística de seu grande predecessor, Platão. Seus escritos são mais sistêmicos; seu estilo é mais contido” (JOHNSTON, 2008, p. 29).[1]

Ora, é verdade que Platão classificou a realidade de modo duplo. Mas quem disse que em Aristóteles ela não se encontra também, pelo menos parcialmente ou como pressuposto geral de sua metafísica? Essa oposição, cuja essência consiste em afirmar que Platão desprezava os sentidos enquanto seu discípulo e aluno Aristóteles os requisitava não é integralmente correta, embora os comentadores adotem essa postura muito mais por uma questão pedagógica. [2]  Ela tem seu fundo de verdade, mas a contradição fica apenas na aparência quando se analisa de onde os dois partiram. E veremos que partiram do mesmo ponto. Os dois requisitam a razão como campo teórico e pressuposto central de todo pensar. Os dois não são “cientistas”, no sentido atual do termo. [3]  Portanto, a visão geral e comum segundo a qual Aristóteles seria um empirista e Platão um idealista por causa do essencialismo de sua filosofia dever ser, a meu ver, visto com reservas, se não desprezado totalmente.

Ora, que Platão filosofava de um modo diferenciado de Aristóteles é bem notório. Mas se estamos querendo dizer que essa percepção não é integralmente verdadeira, precisamos também apontar onde precisamente Aristóteles e Platão coincidem e o que isso representa para o presente estudo. É o que tentaremos fazer no próximo passo.

4 CONVERGÊNCIAS

Mesmo que Aristóteles tivesse rejeitado o essencialismo platônico como mítico, como fantasioso, conforme observação da autora em que ela não deixa de ter uma dose de razão, Aristóteles não teve como escapar de outro plano teorético para explicar o movimento, como, por exemplo, a ideia do Devir na  Metafísica, § 24 (ARISTÓTELES, 2006, p. 160). Aristóteles não fala do devir como um cientista atual que mensura tecnicamente, por meio de procedimentos matemáticos e calculáveis a situação do espaço, do tempo, das distâncias e dos movimentos. Aristóteles arquiteta apenas teoricamente como seria o funcionamento mecânico da relação causa-efeito. Dois pré-socráticos, Parmênides e Heráclito, apresentaram uma questão ontológica que levaria Platão a formular a realidade como dupla e levaria Aristóteles a escrever um longo texto, que mais tarde Andrônico de Rodes chamaria Metafísica.[4] Apresentando a realidade como dupla, sentidos e essência, Platão tentou resolver o problema heraclítico (tudo é mudança constante) e o problema ontológico de Parmênides (o ser é imóvel). A essência imutável, representaria o ser imutável de Parmênides. Já com a existência cambiante, precária, cheia de altos e baixos, a precariedade dos sentidos Platão tentou dar vazão à eterna mudança de Heráclito.  

Onde eu penso que os dois, por caminhos diferentes, chegaram ao mesmo lugar foi justamente para explicar a problemática dos pré-socráticos, Heráclito e Parmênides. Toda Metafísica aristotélica, que quer explicar as razões mais profundas do Ser, parte dos sentidos, mas afirma teoricamente algo muito próximo a Platão: a eternidade deve existir; a causa não-causada, o primeiro motor deve existir porque podemos deduzi-lo das formas do mundo. Mas daí concluir que as diferenças entre Platão e Aristóteles sejam comparáveis à oposição moderna entre empirismo e idealismo há diferenças enormes. O comentador traça um perfil que vai ao encontro da ideia que estamos apresentando e defendendo:

Tais concepções não são justas com a relação de Platão e Aristóteles. Mesmo a crítica à teoria das ideias mostra-se mais sutil do que se acabasse na oposição rasa de idealismo e realismo, ou seja, idealismo e empirismo. Contra isso já fala a circunstância de que Aristóteles reconhece em não menos do que Platão a primazia do pensado puramente ante o percebido. [...] A afamada sentença de que Aristóteles tirou do céu as ideias de Platão comprova-se como justificada apenas se ela não reza que Aristóteles abandonou as ideias, isto é, os conceitos universais, mas quando se quer dizer que ele lhes concede uma nova existência não é mais além das coisas (HÖFFE, 2008, p. 160-161). 

A diferença é o ponto de partida e não o resultado. Partindo da experiência, do dado sensível, chega-se a uma razão, uma causa, um motivo bem mais profundo que não pode ser provado e nem comprovado pela experiência. Só pode ser deduzido pelos rastros do mundo sensível. Ora, a Causa Não-Causada (que Tomás de Aquino dirá que é Deus) não foi provada, mas pressuposta pela observação mecânica. Se a todo efeito corresponde uma causa, pode se inferir a causa em função do efeito que se observa. Mas isso é tão teórico quanto dizer que as essências são mais perfeitas que os sentidos. E mesmo que os movimentos não podem ser eternos, conforme Aristóteles observou e censurou em Platão, o comentador apresenta uma passagem em que Platão e Aristóteles coincidem, qual seja, “[...] assim, o espírito dirige-se ao único objeto livre de matéria, ou seja, a si mesmo (HÖFFE, 2008, p. 141)”.

Se analisarmos o Discurso do Método de Descartes (DESCARTES, 2002)[5], veremos que é justamente a inconsistência teórica de Aristóteles que sucumbe ante a visão fisicalista e fatalista da modernidade. E se Aristóteles sucumbe, para Descartes e outros modernos, Platão vai junto, pois a teoria platônica da ideia permaneceu em Aristóteles. Deduzir que Deus ou o Ser Perfeito existem a partir de uma Cosmologia de supostas causas em cadeia não é a mesma coisa que poder calcular as distâncias e perceber que a Terra é apenas uma figura menor em um Universo vasto e distante, como Copérnico viria a fazer, no que foi continuado por Galileu, Giordano Bruno e Isaac Newton.

5 A FÍSICA DE ARISTÓTELES E PTOLOMEU

A forma como Aristóteles interpretava o cosmos, quando a comparamos com as concepções modernas, temos de admitir que o estagirita era de uma imaginação incrível. [6]  Para ele, há duas grandes regiões naturais, a Celeste e a Sublunar. A celeste é composta por sete esferas (sete céus) onde se localizam os astros. Nessa região encontra o éter que permite movimentos circulares perfeitos. A outra região, a Sublunar, é formada pela Terra e se constitui de 4 elementos, a saber,  água, terra, ar e fogo. Todos os seres surgem das combinações desses elementos.

O que se segue desse modelo é que Aristóteles afirma que os elementos mais pesados tendem a cair porque o elemento terra é sua principal constituição. Isso significa que a Terra é o centro dessa cosmologia arquitetada especulativamente.

Não interessa descrever toda a visão de Ptolomeu (98 a168 d. C). O que cabe aqui é mencionar que em linhas gerais ele manteve a visão aristotélica segundo a qual a Terra seria o centro do cosmos. Mesmo que diferenças de cálculo de sua teoria já mostrassem alguns princípios matemáticos explorado mais tarde por Copérnico e Newton, Ptolomeu manteve a visão geocêntrica de mundo que Aristóteles criou. Esses pensadores não possuíam o arsenal técnico-mensurativo que só se estatuiria do século XV para frente. Desse modo, baseavam-se nos princípios internos das coisas. Não sabiam, por exemplo, que o Sol e as estrelas são astros idênticos. Não tinham como saber que a distância até Vênus ou Marte é muito menor que a distância até o Sol. Nem mesmo sabiam que a Lua estava bem mais próxima à Terra que os demais astros. Portanto, valiam-se da observação com os limites de seu tempo. O que implica dizer que precisavam imaginar mais porque não tinham como medir tecnicamente distâncias e espaços.

6 O PADRÃO MENSURADOR E TÉCNICO DA FÍSICA ATUAL

Na modernidade – início do século XVI – a tese geocêntrica sucumbe ante a visão da física moderna. Assim escreve o comentador “[...] Nicolau Copérnico, com a obra Da Revolução das Esferas Celestes, publicada no ano de sua morte, 1543, demonstrou que a Terra se movia em torno do seu próprio eixo e ao redor do Sol. Era a teoria heliocêntrica, que refutava o geocentrismo de Ptolomeu (COTRIM, 2004, p. 242). Mas a questão mais importante surge com Galileu Galilei (1564-1642). Fazendo uso de uma luneta que ele próprio desenvolveu consegue perceber que o Sol tem manchas, que a lua é montanhosa, enfim, que a meteria desses astros não gasosa, uniforme e incorruptível. Galileu então postula que os astros são feitos de matéria e que se modificam com o tempo. O que, de acordo com as comentadoras, “[...] destrói a divisão hierárquica do mundo supralunar e sublunar. Ao mundo geocêntrico, finito, ordenado, qualitativo, opõe-se o universo infinito, descentralizado e geométrico em que os espaços podem ser medidos (ARANHA e MARTINS, 2001, p. 107). Outros matemáticos com Kepler e, sobretudo, Newton, irão de vez formular as bases da ciência física, calculista e técnica. A teoria da Gravitação Universal de Newton, por exemplo, é a maior descoberta e que põe fim definitivamente às concepções aristotélicas. O empirismo passa a ser a norma da prática científica. A seguinte passagem ilustra essa perspectiva:

A grande novidade da física é o uso de experimentação e matematização. Enquanto a física antiga é qualitativa, baseada nas qualidades intrínsecas das coisas, Galileu observa e realiza experiências em laboratórios, usa instrumentos e descreve quantitativamente os fenômenos (ARANHA e MARTINS, 2001. p. 107).

Os conhecimentos matemáticos desenvolvidos ao longo de toda a Idade Média permitiram que no Renascimento eles aflorassem e modificassem a forma de práticas ciência. Quando Francis Bacon com seu Novo Órganon afirma que ciência é pratica, utilidade, ação e não especulação ele está fazendo uso de um princípio que já estava na ordem do dia no século XVI, e dele para adiante. Descartes, Locke, ainda que diferentes entre si, em linhas gerais concordam que a ciência nova não pode ser só especulativa, mas mensurada tecnicamente, geometricamente, como quer Descartes. E não vem ao caso agora a velha distinção entre Descartes e Locke, considerando o primeiro idealista (inatista) e o segundo empirista. Isso pode ser verdade, mas não faz diferença, pois é o padrão mensurador, técnico, geométrico do conhecimento que irá se impor. E essa característica estará presente nos dois, como esteve primeiramente em Bacon e depois também em Leibniz e Hume. E até mesmo Kant conserva resquícios dessa tradição uma vez que era admirador de Newton e levou várias questões da mecânica desse autor para a filosofia.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Quando se compara as cosmologias de Aristóteles e Ptolomeu e as modernas percebe duas questões, Uma é de ordem racional e filosófica e a outra de ordem política. Vamos a elas.

A primeira diz respeito à natureza como um todo é à maneira como a razão é empregada. Essa seria, pelo para mim, uma questão filosófica. Tanto Aristóteles quando Ptolomeu não dispunham de um arsenal técnico, mensurativo que lhes desse condições de calcular e aferir grandezas como ocorreria do século XVI e diante. Aristóteles e Ptolomeu construíam suas teses valendo-se da retórica e imaginação. A concepção aristotélica de Ato e Potência, com a qual ele estrutura a sua cosmologia, é uma especulação assumida por Ptolomeu.

As coordenadas de espaço, de física, que se tornaram possíveis no século XVI não precisavam recorrer à imaginação e à especulação teórica, mas à experiência mediada pela indução. Essa é uma diferença elementar e fundamental. O conhecimento científico, desde então, buscará sua fundamentação na experiência prática e não especulativa. A tradição aristotélica segundo a qual a todo Movimento corresponde uma Causa é aferida de modo técnico-comprovativa. E será isso que marcará definitivamente as diferenças entre a ordem física antiga e a nova: a forma de calcular grandezas. Galileu, Kepler, Newton possuíam a favor de si todo desenvolvimento da geometria que lhes dava condições de calcular quantitativamente o que Aristóteles e Ptolomeu só podiam calcular qualitativamente. Em linhas gerais, a tese aristotélica de que a cada Efeito corresponde uma Causa permanece, mas pode agora ser avaliada por meus matemáticos e geométricos.

A segunda diferença, de ordem política, diz respeito ao poder e sua respectiva organização. A visão geocêntrica de Aristóteles, posteriormente revista e incorporada por Ptolomeu em seu sistema, funcionou por muito tempo como teoria política de um poder teocrático que necessitava dizer que a Terra era o centro do Universo. A teologia, sobretudo como poder político medieval, arquitetou uma teoria política que justificava as duas naturezas (mundo terrestre e mundo celeste) por meio da visão de Ato e Potência aristotélica. Ora, se há outros mundos, como explicar que eles foram também criados por Deus?

Esse era o dilema de uma situação em que a religião era também a pauta política. A tese aristotélica não dava conta da situação se a teoria dos corpos pesados e terrestres não justificasse a Terra como centro do mundo. Mas tudo tem seu tempo. A ciência empírica, indutivista, suplanta as teses antigas. O resultado disso, mais concretamente, é também a separação entre política, poder e religião. Cada vez mais a religião passa a ser de âmbito privado e ao passo que as questões científicas e políticas passam a o ponto principal de ordenamento das sociedades.

8 REFERÊNCIAS

ALLEN, Diógenes; SPRINGSTED, Eric. Filosofia para entender a teologia. Tradução de Daniel Costa. 3ª edição. Santo André, SP: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2010. 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. 2ª edição revista. São Paulo: Moderna, 2001.

ARISTÓTELES (384-322 a. C). Metafísica. Tradução, Textos adicionais e Notas de Edson Bini. 1ª edição. Bauru, SP: Edipro: 2006.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 7ª edição; 2ª reimpressão. São Paulo: Ática, 2000.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15ª edição reformulada e ampliada. 5ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2004.

DESCARTES, René. Discurso do método: para bem conduzir a razão e procurar a verdade nas ciências. Tradução: Theresa Stummer. São Paulo: Paulus, 2002.

DUTRA, Luiz Henrique de Araújo. Oposições filosóficas: a epistemologia e suas polêmicas. Florianópolis: Editora da UFSC, 2005.

GHIRALDELLI JR., Paulo. História essencial da filosofia. São Paulo: Universo dos Livros, 2009, v.1.

______. História essencial da filosofia. São Paulo: Universo dos Livros, 2010, v. 3.

HÖFFE, Otfried. Aristóteles. Consultoria, supervisão e tradução desta edição de Roberto Pich. Porto Alegre: Artmed, 2008.

JOHNSTON, Derek. História concisa da filosofia: de Sócrates a Derrida. Tradução de Rogério Bettoni. São Paulo: Edições Rosari, 2008.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 4ª edição. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000


* O autor é bacharel em teologia pela Escola Superior de Teologia (EST-IEPG) de São Leopoldo, RS. Licenciado em Filosofia pelo Ceuclar e Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

[1] Só a título de exemplo, no mesmo caminho está a opinião de Ghiraldelli Jr (2009, v.1, p. 85-86) e Marcondes (2000, p. 70). Mas há um ponto comum entre os dois: a metafísica.

[2] Estamos na contramão. A maioria dos comentários dirão que Aristóteles se opôs ao dualismo Essência e Sentidos, que Platão formulou. Até aí está correto. Mas ambos mantém um princípio metafísico explicativo, teórico, da realidade. Nisso ele se igualam. Se considerarmos que ambos querem resolver os problemas de Parmênides e Heráclito veremos que, por caminhos diferentes, justificaram teoricamente a mesma coisa.

[3] Queremos dizer que os dois não fizeram ciência por comprovação empírico-técnica como sugerem Francis Bacon, John Locke e René Descartes, cujos princípios moldam as ciências atuais. Mesmo a tal “experiência” aristotélica é muito mais uma teoria, um esboço racional e teórico que uma aferição técnica.

[4] ARISTÓTELES (2006). Tradução da Metafísica para o português feita por Edson Bini.

[5] Por exemplo, páginas 78-83.

[6] Ver CHAUI (2000). Seguimos aqui de modo abreviado a descrição que a autora apresenta nas páginas 253-254.