Dietrich Bonhoeffer: Liberdade e resistência ao Nazi-fascismo na Alemanha

Por Jimmy Barbosa Pessoa | 23/03/2020 | Política

Resumo: O presente artigo traz uma apresentação introdutória da vida de Dietrich Bonhoeffer, teólogo alemão que lutou contra o nazi-fascismo de Hitler através da escrita, da voz e da luta na resistência alemã contra a tirania do nazismo. Abordaremos introdutoriamente sobre as perspectivas teóricas do fascismo e nazismo e, em seguida, um breve relato da tirania Fascista na Alemanha hitlerista. Traremos uma biografia da vida de Bonhoeffer e seus conflitos com a igreja e com a política alemã no período antes e na segunda guerra mundial. Com referencias a alguns de seus feitos, falas e ações para combater o nazismo e suas práticas. Analisaremos alguns de seus escritos com foco na ética, resistência e liberdade que foram marcas de suas vidas e nos ensinam e inspiram a viver contra as ideologias nacionalistas e neofacistas que geram obscurantismo e morte. 

Palavras-Chaves: Bonhoeffer. Nazi-fascismo. Resistencia. Ética. Liberdade. 

 

Introdução

 

            A segunda Guerra Mundial foi marcada por batalhas cruéis, sangrentas, dolorosas e terríveis. Porém, podemos afirmar que ela atravessou os campos de batalhas, as fronteiras, trincheiras e pontos estratégicos, alcançando as universidades, guetos, igrejas, sindicatos e todos os grupos da sociedade civil. E quando se silenciaram as armas, as penas, vozes, academias e gráficas continuaram a disparar e produzir ideias e teorias que iriam romper o tempo e chegar até a contemporaneidade. Desde relato de feitos extraordinários ou da dor e sofrimento de pessoas que sobreviveram a campos de concentração, prisões, torturas, fome e solidão até a produções de pessoas que escreveram para se pensar sobre um mundo justo e fraterno, onde o lucro e a ganância jamais superassem o bem comum e universal em uma perspectiva do ser e do viver. 

            Neste trabalho apresentaremos perspectivas teóricas do Fascismos e Nazismo, suas crenças e ideias marcadas por um nacionalismo exacerbado e uma prática preconceituosa e violenta com discurso antissemita e xenófobo. Trataremos introdutoriamente sobre a Alemanha no período antes da Guerra em sua condição política e social, e, destacaremos os motivos que contribuíram para a ascensão do nazismo ao poder. 

Teremos como objetivo tratar em uma breve apresentação da vida do teólogo Dietrich Bonhoeffer e de uma análise de suas práticas e ideias defendidas na luta contra o nazismo. Dietrich foi um membro da resistência alemã que lutou contra o Nazi-fascismo de Hitler, e mesmo preso ainda buscou deixar um legado que incentivava a vida, a ética, a luta e o resistir pela liberdade. Mostrando que fé em Deus, é viver pelo amor e fraternidade, jamais com discursos xenófobos ou práticas de tortura, violência e medo. Pois o amor é a prática que marca um cristão na luta contra o sistema deste mundo injusto e a esperança baseada na liberdade é o motivo de vida que nos faz resistir e acreditar. 

 

I. Nazismo e Fascismo: perspectivas teóricas e práticas

 

Ao pensar sobre o fascismo, nazismos e as definições teóricas destas correntes políticas, deve-se pensar como historicamente estas ideologias foram elaboradas e construídas. Qual argamassa cimentou estes conceitos que produziram (e produzem) ditaduras, mortes, torturas, prisões, escravatura e guerras. Tratando sobre o fascismo e nazismo, devemos primeiramente refletir que estas formas de governo buscam o acúmulo de bens, a produção exacerbada e a riqueza imperialista por meio de exploração de outros povos, sendo então resultado de uma prática capitalista nacionalista. Como cita Poulantzas (1978, p. 17) “O fascismo, com efeito, situa-se no estágio imperialista do capitalismo”. 

A perspectivas teóricas e práticas do fascismo podem ser definidas como:

Sua ideologia e práxis política caracterizam-se pelo culto ao chefe e à hierarquia e pelo desprezo correlato das instituições democráticas [...], por um nacionalismo exacerbado, pelo emprego sistemático da violência para reduzir os opositores políticos ao silêncio e à inação, pelo mito da superioridade racial e da missão civilizadora do povo, pela supressão de qualquer manifestação do movimento operário, por um intenso anticomunismo, pela evidente proteção aos interesses dos pequenos ou grandes burgueses (GALLINO, 2005, p. 308-309).  

 

            Sobre a união de fascismo e nazismo, o autor Trevor-Roper (1974) diz que entre 1922 e 1923 a partir do nascimento do Partido Fascista Italiano, Mussolini levou ao poder na Itália esta ideologia, através da mítica “marcha sobre Roma” de 1922, seguida, após um ano, pelo abortado putsch[1] de Munique, organizado por Hitler, posteriormente o nazismo alemão também toma o poder na Alemanha. Nos anos de 1930 alcança toda a Europa com a formação de partidos e chegaram ao poder em alguns dos países europeus, às vezes pela guerra civil ou por conspirações. Mas sempre com patrocínio de Hitler e Mussolini, onde estes se uniram como uma força política europeia através do pacto de aço. 

            Nazismo e fascismo são perspectivas teóricas totalitárias e marcadas pela ausência da liberdade e da organização de ideias por qualquer membro ou individuo que é parte da sociedade, a não ser as elaboradas pelo líder, no caso da Alemanha o Führer, ao tratar sobre o totalitarismo, a filósofa Hannah Arendt escreve que:

 

Os movimentos totalitários são organizações maciças de indivíduos atomizados e isolados. Distinguem-se dos outros partidos e movimentos pela exigência de lealdade total, irrestrita, incondicional e inalterável de cada membro individual. Essa exigência é feita pelos líderes dos movimentos totalitários mesmo antes de tomarem o poder e decorre da alegação, já contida em sua ideologia, de que a organização abrangerá, no devido tempo, toda raça humana (ARENDT, 2009, p. 373). 

            

            As perspectivas totalitárias, que renegam qualquer viés democrático, não compactuam com a liberdade e tão pouco com o bem está social fraternal entre os diferentes grupos que formam e são parte da sociedade. Mas apenas por uma forma de pensar, agir e viver, desprezando todo e qualquer forma que se diferencie seja em qualquer aspecto individual ou coletiva. O significado de fascismo na perspectiva sociológica é a designação de qualquer estrutura a partir do nacional-socialismo na Alemanha, que, malgrado consideráveis variantes locais de história, de conjuntura política e econômica, cultural, desenvolvimento econômico-social e de relação internacional, que apresentaram ou apresentam conexão sistemática as características desta ideologia (GALLINO, 2005).  

 

II. O nazismo alemão no Terceiro Reich e o antissemitismo pela ditadura

 

Refletir e analisar a condição política, social e econômica da Alemanha nos anos de 1920 e 1930 limitando apenas aos resultados da primeira guerra e ao tratado de Versalhes, é tapar os olhos para um espectro que nunca desapareceu do horizonte de alemães e também de alguns europeus – e de outros indivíduos em outras nações ao redor do mundo, porém neste trabalho trataremos da Alemanha e citaremos alguns exemplos também relacionados na Europa – que inconformados com a prosperidade alcançada por membros de outros grupos, buscam por meios cruéis retirar dos que conseguiram pelo trabalho e acumular todo poder por uma ditadura que organiza um esquema de poder absolutista, déspota e assassino.

 

Com efeito, pode verificar-se claramente que não foi a guerra de 1914-1918 que, de repente, criou dificuldades a um processo anteriormente harmonioso. As consequências da guerra, inscreveram-se no conjunto das contradições da formação social alemã, no seio da cadeia imperialista, na medida em que a guerra não foi, em última análise, mais do que seu efeito. Ora, depois da guerra, e do ponto de vista econômico, a Alemanha alcança, em 1927, o volume da sua produção industrial anterior à guerra e ultrapassa-a de 15% em 1928, retomando o segundo lugar entre os países industriais (POULANTZAS,1978, p. 28). 

 

Estando os governos dos estados europeus acostumados a dominarem tudo o que viam, e assim rebatizando terras, pessoas, povos, explorando e extraindo riquezas naturais, desde o feudalismo onde essas práticas eram realizadas até onde os cavalos iam, posteriormente no momento conhecido como expansão marítima europeia, colonizando por meios exploratórios, sanguinários e criminosos os povos chamados de índios, e, em seguida pela dominação dos impérios modernos. Sendo este um histórico que acostumou a praticar do dominar, explorar e renegar o outros como seres humanos com os mesmos direitos por parte dos povos europeus. Fundamentando uma história política baseada na dominação pelas armas, pela violência e guerra, e assim os valores de uma sociedade igualitária se perdem e são vencidos pelo nacionalismo que extermina, exclue e matam todos que são considerados diferentes. 

Podemos considerar isso, adiantando um pouco o percurso histórico e citar o fim da segunda guerra, onde a Alemanha estava destruída mais uma vez, a Itália passando por um processo de mudança política, porém não houve espaço para outra ideologia totalitária. Tal situação se diferenciou pela presença dos aliados no território germânico, o apoio do plano Marshall em 1947 e a formação político-econômica e social.

 

A Itália estava sob o domínio da resistência antifascista desde 1945. O Nacional-Socialismo, ao fim e ao cabo, havia sido um total desastre, a Alemanha estava em ruínas, sem aliados na comunidade internacional e – ao contrário do que acontecera em 1918 – totalmente ocupada pelas tropas Aliadas. Nesse contexto, seria pouco provável que as populações alemã e italiana oferecessem ao nazi-fascismo uma segunda chance. Além disso, o Plano Marshall em 1947 e a reforma monetária de 1948 – medidas tomadas para recuperar a economia alemã – foram bem sucedias (ALMEIDA, 2010, p. 70). 

 

            Não pode ser negado que as consequências da primeira guerra oneraram a Alemanha devidos aos pagamentos das reparações do tratado de paz, que contribuiu para uma situação inflacionária permanente, que foi agravada pela crise mundial de 1929 e um grave endividamento para o processo de reconstrução industrial (POULANTZAS, 1978). Porém o obscurantismo nazifascista teve eco, base e apoio por se perpetuar na Alemanha um estado burguês que não forneceu a sociedade perspectivas de unidade e desenvolvimento amplo nas esferas econômicas e sociais. 

 

O processo foi marcado não só por formas específicas do aparelho de Estado e das suas instituições – formas no interior das quais o tipo feudal de Estado revelou uma persistência – mas também por um atraso e uma desigualdade característicos na realização da “unidade nacional” da Alemanha. Unidade nacional significa, no quadro da revolução democrático-burguesa, “unidade econômica” de uma formação social, entendendo-se, contudo, que esta unidade econômica, enquanto nacional, é sobre determinada por toda uma série de dados políticos – forma de estado burguês – e ideológico – ideologia política burguesa; o que, em larga medida, faltou na Alemanha (POULANTZAS, 1978, p. 29).

 

            Neste estado falido, com propostas políticas reacionárias, com vantagens a burguesia e esquecimento dos pobres e trabalhadores, Hitler consegue elaborar um plano de governo com base no nacional-socialismo, unir forças e mesmo tendo passado por derrotas, frustações e viver em dificuldades financeiras. Desenvolveu um plano para um objetivo que ele chamava de grande Alemanha, onde o fim do tratado de Versalhes, extinção dos judeus, religiosos, políticos e outros grupos étnicos, como os ciganos, e, a ideias da formação de uma pura raça germânica, atrelada a expansão territorial da Alemanha, eram ações que deveriam ser executadas para o desenvolvimento econômico que o povo alemão tinha direito. 

 

Não pode haver dúvidas quanto à importância do conceito de Grande Alemanha para o movimento nazista e para Hitler pessoalmente. O próprio Hitler descreveu o nacional-socialismo como “o filho da Liga Pangermânica”. Tampouco podiam ser mais categóricos os artigos iniciais do programa de fundação do partido. Proibindo a cidadania aos judeus e a outros de sangue não alemão, eles exigiam a criação de uma Grande Alemanha com base no direito à autodeterminação nacional, a revogação do tratado de paz e a necessidade de colônias nas quais a Alemanha pudesse acomodar sua “população excedente (MAZOWER, 2013, p. 83). 

 

            Neste vale de horrores ressurge as concepções de poder para um povo, baseada no domínio, ganância e o desejo de vingança aos que destruíram a Alemanha, tanto os países europeus e os Estados Unidos, como os alemães que não lutaram ou apoiaram o exército alemão na 1° Guerra Mundial, os políticos e partidos que governavam e os que se renderam e assinaram o tratado de paz em 1918. No fim se entende que todos eram inimigos, na verdade não era os que eram contra as práticas do império alemão, mas sim os que não eram a favor do nazi-fascismo de Hitler.  

            O partido nazista, nasce fruto da inconformidade da derrota alemã na primeira guerra, sendo fundado pelo ferroviário Anton Drexler em 1919, com os fundamentos de uma política do antissemitismo e anticomunismo e o não cumprimento das opressivas condições do tratado de Versalhes. Hitler torna-se membro do partido e logo estava como líder do partido. Mudando seu nome de Partido dos Trabalhadores Alemães, para Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, e da primeira palavra surgiu a abreviatura NAZI. Com bases nos fundamentos dogmáticos de inspiração nacionalista, autoritária e antissemítica, e desenvolvendo símbolos para a imagem do partido, como a suástica e um lema: Alemanha acima de tudo (RIBEIRO JÚNIOR, 2005). Mas esta ideia de um determinado país acima de tudo, é uma proposta individualista e gananciosa, que não proporciona desenvolvimento, mas conflitos, pois como dizia Bonhoeffer (2009) o nacionalismo produz guerra. 

            

III. Dietrich Bonhoeffer, um guerreiro na fé e na política

 

E nesta perspectiva de medo, prisões e ditadura surge Dietrich Bonhoeffer, nascido em 04 de fevereiro de 1906 em Breslau na Alemanha. No ano de 1912 sua família muda-se para Berlim. Vivendo em um ambiente onde residiam muitos professores e sendo o seus pais amantes da leitura e sua mãe com ênfase em práticas religiosas, dedicou-se a temas da religião. Na primeira guerra, perde dois primos e o seu irmão Walter, essas mortes abalam o jovem Dietrich. Após concluir o ensino médio dedica-se ao estudo de teologia em Tübinge e também viveu um período de estudos em Roma, onde escreve aos seus pais que a “Igreja é universal e concreta”, sendo suas primeiras palavras e práticas para vivência de um cristianismo ecumênico e fraterno (MILSTEIN, 2006).  

            Sua formação contou com uma influência fortíssima de seu professor Adolf von Harnack e Karl Barth. Este último trazia uma mensagem onde dedica-se a pensar sobre a palavra de Deus e em Jesus Cristo, e o sentido da relação entre religião e política, Barth entendia que a igreja não pode depender do estado, mas também não pode ser apolítica. E partindo da ideia de que “A igreja é o Cristo que existe como comunidade”, esta afirmação marca Bonhoeffer em toda sua vida. No ano de 1930 vai para Nova Iorque, onde estuda com o professor Reinhold Niebuhr, e, ocupou-se em perguntas de como correlacionar a fé cristã com uma atuação social (MILSTEIN, 2006).  

             Foi em um ambiente conturbado, duvidoso mas ao mesmo tempo certo que o percurso escolhido pelos alemães terminaria em obscurantismo reacionário, déspota e cruel, que, Dietrich Bonhoeffer faz sua voz ser ouvida e por sua pena inicia uma guerra contra os conceitos hitlerianos, ao ponto de suas palavras ecoarem na sede do III Reich e seus escritos serem vistos como uma ameaça para os líderes nazistas. Um dos exemplos é que no dia 1 de fevereiro de 1933 Dietrich Bonhoeffer, faz uma transmissão radiofônica, com o tema: O Führer e o indivíduo da nova geração. Frente a veneração a Hitler, Bonhoeffer advertia: “Se o Führer se deixar levar pelos governados a ser o seu ídolo – e o governado sempre esperará isso dele –, a imagem do líder (Führer) descambará para a do tentador [Verführer] (...) governante e governo que se divinizam afrontam Deus”. Parece que ele acertou o tom, pois a transmissão foi interrompida (MILSTEIN, 2006, p. 35).  

Além de escrever e discursar contra as ideias nazistas, Bonhoeffer enfrentou dentro da própria igreja os chamados teuto-cristãos, que eram um grupo de líderes da igreja luterana que desejavam incorporar o “Princípio do Líder” à igreja. Sendo estes ministros partidários do nacional-socialismo, ficando estes ministros conhecidos como teuto-cristãos. Na eleição para a escolha do bispo do império, este grupo apoiou Ludwing Müller, havendo dentre eles uma grande quantidade de ministros da igreja luterana, que era a igreja oficial, assim chamada. Dietrich fez intensa campanha contra Müller e as ideologias nazifascistas nas igrejas, distribuindo panfletos, falava em reuniões de protesto e apoiou os candidatos do grupo “Evangelho e Igreja”. Ao final, o grupo de Müller venceu a eleição com a porcentagem de setenta por cento dos votos. Em sua fala no dia da prédica da eleição eclesiástica, Bonhoeffer trouxe uma frase que seria marca de uma nova denominação, ele disse: “Igreja permanece igreja! Confessa, confessa, confessa!” (MILSTEIN, 2006).  

            Em 1933 Bonhoeffer aceita com seu amigo pastorear uma comunidade da igreja em Londres, onde os mesmos apoiavam os emigrantes da Alemanha, que já fugiam da perseguição nazista por motivos religiosos e políticos. Porém ele buscava ir em Berlim sempre que possível manter contato com seus amigos. Entre os dias 29 a 31 de maio de 1934 ocorre a assembleia em Barmen. Karl Barth elabora uma proposta que foi aceita pelos 138 delegados, que chegaram de todas as igrejas territoriais. Este documento entrou para a história como: “Confissão de Barmen”. E nesta mesma assembleia foi criada a Igreja Confessante. Bonhoeffer acompanhou esta assembleia de longe, porém por não haver menção do parágrafo ariano e nenhuma palavra sobre a situação dos judeus no país, sendo uma assembleia apolítica, ficando apolítica a igreja (MILSTEIN, 2006).  

            Dietrich retorna para a Alemanha para ser professor de um seminário de pregadores da Igreja Confessante em Finkenwalde. Dedica-se a escrever e produzir materiais que tratam sobre Igreja e política. Neste período o governo de Hitler cria o ministério da Igreja, que criou uma comissão eclesiástica representada por teuto- cristãos, Confessante e neutros. Uma jogada política que buscava concentrar e conhecer o trabalho das comunidades religiosas, tanto que em 1935 é instituída a lei para segurança da Igreja, que fecha o seminário onde Dietrich ministrava, porém, dois anos mais tarde, é que a instituição é interditada pela Gestapo. Em uma ocasião antes do fechamento da casa, um pastor que tinha descendência judia, foi espancado e quase veio óbito, Bonhoeffer o trouxe para o seminário, cuidou dele e após recuperado ainda o encaminhou sua emigração, e nesta oportunidade disse aos seus alunos: “A igreja só é igreja se ela existir para os outros. Ela não olha para si, mas está lá onde há sofrimento, onde ela é necessária” (MILSTEIN, 2006).

            Bonhoeffer foi preso após intensa luta em seminários, igrejas e reuniões. No 50° aniversario de Hitler a igreja evangélica oficial programou um presente oficial para o líder NAZI, onde seria feito um juramento por todos os pastores de fidelidade ao Führer. Os teólogos da Igreja Confessante se negaram, mas o texto era claro, quem não realizar o juramento, será demitido. Poucos se negaram, porém Bonhoeffer e os seminarista de quem era professor fizeram parte deste grupo de não ao Führer. Foi aos EUA em junho de 1939, para um tempo de rever os amigos e pensar sobre o que fazer, voltando em agosto, pois ele entendia que não podia abandonar a Alemanha. 

A Guerra tem início em 1939 e no ano de 1941 Bonhoeffer se torna agente da resistência, participando de tentativas de assassinato de Hitler, levando informações para fora da Alemanha, conseguindo retirar judeus do território alemão e buscando informações e apoio a resistência alemã contra o nazismo. Porém após ações da inteligência do exercito alemão, Bonhoeffer foi preso em 1943, sendo enviado para Tegel e ali permanecendo como prisioneiro até 1944, quando foi transferido para o quartel general da gestapo e em fevereiro de 1945 foi levado ao campo de concentração Buchenwald e em 9 de abril de 1945, estando no terrível campo de concentração de Flossenbürg foi enforcado e seu corpo incendiado e enterrado junto com outros milhares de seres humanos que resistiram e colaboraram para derrotar o nazismo na Europa (MILSTEIN, 2006).

 

IV. Nada mais que ética, resistência e liberdade

 

Ao pensar em um processo de libertação e transformação, o teólogo da igreja militante sabia que vencer o mundo é negar-se por dentro, é romper com os sentimentos que perturbam os seres humanos e os conduzem ao fracasso por tornarem-se prisioneiros do ódio, rancor, servidão e desesperança. Considerando a necessidade de vencer a partir de si mesmo, Bonhoeffer (1963, p. 75) escreve:                 “Espírito Santo, concede-me a fé que me salve de desespero, cobiça e vícios, dá-me o amor a Deus e aos homens que elimine todo o ódio e amargura, outorga-me a esperança, que me liberte de temor e de desalento”. 

            Se o nazismo incentiva a disputa e a superioridade da raça alemã, o cristianismo genuíno incentiva a fraternidade, igualdade, misericórdia e comunhão. Bonhoeffer (2016, p. 210) escreve:

 

Se o mundo odeia o irmão em Cristo, o cristão o ama e serve a ele; se o mundo lhe é violento, o cristão o socorre e lhe alivia a dor; se o mundo o desonra e ofende, o cristão arrisca a própria honra pela vergonha do irmão. Se o mundo busca o lucro, o cristão renuncia a ele; se o mundo explora o próximo, o cristão esvazia-se a si mesmo; se o mundo é opressor, o cristão se levanta a favor do oprimido. Se o mundo é injusto, o cristão é misericordioso; se o mundo se envolve em mentiras, o cristão fala pelos mudos e dá testemunho da verdade. Pelo irmão, seja ele judeu ou grego, escravo ou livre, forte ou fraco, nobre ou plebeu, o cristão renuncia a toda comunhão do mundo.

 

            Trazendo um contexto bíblico da mensagem cristã, Bonhoeffer escreve que viver o cristianismo é correr o risco da própria vida se for necessário, o que importa é crer na justiça é praticar uma conduta contraria a toda opressão mundana. O sentido de mundo aqui escrito, está correlacionado ao sistema dominante, que é opressor, injusto e mentiroso. A ética cristã é pensada por Bonhoeffer como uma práxis que é necessária e revela a liberdade da escolha e do fazer. “A liberdade não está no voo dos pensamentos, mas tão somente na ação” (BONHOEFFER, 2009, p. 7). 

            Bonhoeffer escolhe a liberdade de lutar, resistir e vivenciar uma práxis libertadora, tanto para Alemanha, Europa e o mundo, muito mais que uma guerra, Dietrich estava em um combate contra as ideias de uma ideologia que cegou milhões de alemães e outros povos, que forjou seus conceitos e práticas na ganância, medo, racismo e preconceito. Ele entendia que o fim não podia ser motivador de ações que matavam, prendiam e expulsavam pessoas, pois o fim não é o motivo da vida, mas a conduta de amor, paz e justiça sempre deve guiar nossos passos e ser o fim último da vida de todos os seres humanos. “Não há poder no mundo que possa ousar invocar com tamanha liberdade e naturalidade a tese de que o fim justifica os meios como a história o faz” (BONHOEFFER, 2009, p. 52).

            Bonhoeffer viveu e morreu por uma causa que ele sabia que era maior que sua vida, a obra Ética que temos em mãos é compilação das partes salvas e que foram organizadas baseadas em modelos de estruturas que ele almejava elaborar no livro. O motivo da sua não conclusão foi a prisão de Bonhoeffer em 5 de abril de 1943. Porém em suas cartas e escritos na cadeia ou no campo de concentração, revelam como ele tinha um desejo de concluir esta obra. Quando ele escreve de Tegel que o essencial que ele havia dito, de algum modo iria ressurgir, revela como sua esperança venceu o medo e a desesperança do Reich.Construir um mundo novo baseado na liberdade e na perspectiva de igualdade, não foi apenas o motivo da morte de Dietrich Bonhoeffer, foi o seu ideal, sua causa, sua força, sua ética, resistência e vitória. 

 

Considerações Finais 

 

            Na Alemanha nazista de Hitler, milhões foram mortos crendo nas palavras de um tirano que almejava o poder  do estado e se alimentava do medo e do desespero de alemães e da população de outros países que sofriam pela fome, desemprego, má gestão publica, corrupção e ganância de grupos que não produziam políticas públicas que pensasse na população e na nação. E de maneira simplistas atribuíram o motivo da crise que o país enfrentava as consequências da primeira guerra, aos judeus e outros imigrantes, ao comunismo, a democracia e a liberdade de pensar, viver e ser diferente da sua ideologia fascista. 

            E com este discurso de pânico, xenófobo, covarde e violento, o partido nacional socialista chega ao poder com práticas golpistas e se aproveitando de um estado fraco, estende seus tentáculos, buscando aparelhar todo as áreas do estado e da sociedade civil, inclusive a religião para ser apoiadora de suas ideias violentas e anticristãs. Porém como na educação, justiça, mídia, nas forcas armadas e na política, alguns religiosos buscam mudança e transformação por meio da luta, resistência, conduta ética e esperança. Dentre eles Dietrich Bonhoeffer, que pautado na liberdade e no desejo de mudança, escreve, fala, convence, divulga e revela que o nazismo é um conceito que renega o sentido essencial de Deus, que é amor e vida fraterna. Ele viveu, morreu e deixou um legado que contribui para a derrota nazista e incentiva a milhões de pessoas a resistir ao medo e viver pela liberdade. 

 

REFERÊNCIAS 

ALMEIDA, Fabio Chang. Neofascismo, uma abordagem histórica. In: SILVA, G.S; GONÇALVES, L.P; PARADA, M.B.A. História da Política Autoritária: integralismo, nacional-sindicalismo, nazismo e fascismos. Recife: Editora da UFRPE, 2010. 

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: Anti-semitismo - imperialismo – totalitarismo. São Paulo: Companhia das letras, 2009.

BONHOEFEER, Dietrich. Resistência e Submissão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

BONHOEFEER, Dietrich. Ética. São Leopoldo: SINODAL/EST, 2009. 

BONHOEFEER, Dietrich. Discipulado. São Paulo: Mundo Cristão, 2016. 

GALLINO, Luciano. Dicionário de Sociologia. São Paulo: Paulus, 2005. 

RIBEIRO JÚNIOR, João. O que é nazismo. São Paulo: Brasiliense, 2005. 

MAZOWER, Mark. O império de Hitler: a Europa sob o domínio nazista. São Paulo: Companhias das Letras, 2013. 

MILSTEIN, Werner. Dietrich Bonhoeffer: vida e pensamento. São Leopoldo: SINODAL, 2006. 

POULANTZAS, Nicos. Fascismo e ditadura. São Paulo: Martins Fontes, 1978. 

TREVO-ROPER, H.R. Análise geral dos movimentos fascistas II: “O fenômeno do fascismo”. In: RODRIGUES, Antônio Edmilson Martins. Fascismo. Rio de Janeiro: Eldorado Tijuca Ltda, 1974. 

 

[1]  Em 1923, no dia 9 de novembro, ocorreu um evento que ficaria conhecido como Putsch da Cervejaria ou Putsch de Munique, foi uma ação de golpe de estado liderada por Adolf Hitler e por membros do Partido Nazista contra o governo da região da Baviera na Alemanha, que tinha como objetivo tomar o poder do governo bávaro.

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