As luzes de 2012 estão se apagando e esse crepúsculo levou-nos a uma reflexão: costuma-se dizer que o número de habitantes do Brasil é o mesmo número de técnicos de futebol do país, mas ao que tudo indica, a Linguística é a mais nova especialização dos brasileiros, pois a cada ano uma nova polêmica nessa área nos é apresentada pela mídia: em 2011, um livro didático que tentava minimizar o preconceito linguístico foi alvo de duras críticas; em 2012 foi a vez de o Dicionário Houaiss estar na berlinda, pois há alguns meses a sociedade brasileira recebeu a notícia de que o Ministério Público Federal desejava tirar esse dicionário de circulação. O fato teve como justificativa a ocorrência de depreciação e de preconceito, a prática de racismo aos ciganos e o não atendimento a recomendações de alteração textual. Salientamos, no entanto, que o propósito dos dicionários é registrar o acervo de vocábulos utilizado por determinada comunidade linguística em determinada época. Eles nada têm contra a etnia cigana ou qualquer outra; nem são ditadores.  Tanto que muitas palavras da língua portuguesa caíram em desuso desde a primeira publicação do dicionário de Caldas Aulete em 1881. Isso se deve ao fato de que, ao contrário do que comumente se pensa, a língua existe em função do usuário, e não o inverso. Desse modo, compreende-se que o Houaiss busca apenas registrar um fato linguístico, e não fazer apologia ao preconceito. Mas voltemo-nos agora a alguns dicionários virtuais e eletrônicos utilizados atualmente: o Dicionário eletrônico do Aurélio (edição 2004) registra para a palavra 'judeu', a acepção depreciativa "indivíduo avaro, usurário". Já o atual Michaelis on-line atribui ao vocábulo ‘guei’, as variantes chulas ‘veado’ e ‘bicha’. O Aulete on-line por sua vez, destaca que, pejorativamente, o termo ‘Zé’ significa “indivíduo pobre, de categoria social humilde”; “JOÃO-NINGUÉM”; “ralé, gentalha”. Mediante o exposto, entendemos que corremos o risco de ficar sem dicionários e sem memória linguística, pois ao pesquisar que significado determinada palavra possuía em determinada época, correremos o risco de ofender alguém. E de modo semelhante, as gerações futuras não saberão os significados de muitas palavras e expressões que utilizamos hoje, haja vista que não poderemos registrá-las sob pena de sermos enquadrados em algum artigo. Todavia, conhecer o significado que um termo possui, ou já possuiu, não necessariamente resulta na prática de uma ação, caso contrário, teríamos que extirpar dos dicionários uma série de palavras, tais como roubo e estupro, por exemplo. Dicionários registram fatos linguísticos, não atitudes, e quando bem utilizados como recurso didático, podem tornar-se grandes aliados no combate ao preconceito. Nossa Lexicografia está apenas gatinhando se comparada à de outros países. Temos que tomar cuidado para não andarmos na contramão (outra palavra a ser eliminada) do avanço científico. E como ficará a situação dos dicionários de tabus linguísticos e de palavrões? Ressaltamos ainda que os falantes aderem ao uso de determinadas expressões, estando elas registradas ou não, como é o caso da recentíssima ‘maria-chuteira’, que em tempos de Ronaldo, de Bruno, e de Neymar, veio à tona e nem sequer houve tempo de ser dicionarizada. Isso porque a língua está à mercê do usuário e não o contrário. A língua é plástica e tem uma característica semelhante à da água: é fluida, se a estancamos de um lado, ela corre para outro. O deputado Aldo Rebelo que o diga. Mas esperemos o acender das luzes de 2013 e vejamos que surpresas linguísticas nos trará.

Solange Stabile

Professora de Língua Portuguesa e pós-graduanda em Estudos de Linguagens pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.