Diário de um Cuidador - Mãe com Alzheimer

Por Paulo Rabelo Guimaraes Machado Diniz | 08/06/2016 | Família

Paulo, cadê o meu omitama. Nunca o tirei de mim. O que vocês fizeram dele? Mãe! Está purificando; Purificando que nada, eu quero ele agora; Vai pegar já; Mãe, o orientador disse que para colocá-lo precisa tomar banho; Eu já tomei, não sou porca não; E fala bem alto, xingando mesmo: que merda e joga o que está na mão no chão com força; Mãe, eu disse que já está purificado e já vou trazer.

Já tudo pronto para o médico fazer a cirurgia de catarata. Entrega o formulário para o marido assinar a autorização, pois havia esquecido esse procedimento de antemão. O marido diz: assino só com uma condição; Assustado pergunta: qual a condição senhor? Você tem que garantir que não vai mudar a cor dos olhos dela; Rindo o médico disse não tenha receio senhor, o céu é mais velho e não trocou de cor. A alma dela também é azul. O senhor é um homem de sorte.

Passa boi boiada, passa anos e passam décadas a forma dela mantém a mesma graça miúda e viva. Na nossa terra as estações só diferem um pouco pela temperatura. "Ela aos oitenta era a mesma senhora verde com a mesmíssima alma azul. Parece que não pesava para ela as mudanças de estações. Ela mantinha a viveza das palavras e das maneiras. Os olhos parecem não ver nada à força e não param nunca. Tem o sorriso benévolo e a admiração constante. Parece que tudo nela era ajustado para curar as melancolias alheias. Quando abraçava ou beijava ou mirava as amigas do centro dos idosos era como se as quisesse comer vivas, comer de amor, não de ódio, metê-las em si, mui em si, no mais fundo de si".

Mas quando o ódio por causa de suas convulsões tudo isso vinha ao inverso com a mesma intensidade.