DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS: A Relação entre a vontade do poder constituinte originário e a proposta de mutação do art. 226, § 3º da Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal

 

Alexya Costa

Ingrid Batista

Ludmilla Braid

Alunas do 2º Período do Curso de Direito da UNDB.

Paper apresentado à Disciplina de Teoria do Direito Constitucional da Unidade do Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Fundamentação Teórica; 2.1 O conceito de família segundo o poder constituinte originário; 2.2 A mutação do conceito de família a partir do julgamento pelo STF da ADPF 132 e da ADI 4277; 2.3 A relação dialógica entre o poder constituinte originário e o Supremo Tribunal Federal; 3 Considerações Finais.

 

RESUMO

O presente trabalho trata do fenômeno denominado diálogos institucionais e suas implicações nas relações entre os poderes. Sabe-se que o Poder Constituinte Originário Histórico refere-se ao poder atribuído àqueles que pela primeira vez elaboraram a Constituição de um Estado, este poder pode ser aquele que dá o primeiro conjunto de leis de uma determinada coletividade. Assim, o Poder Constituinte pertence ao povo, que o exerce por meio de seus representantes (Assembléia Nacional Constituinte), como explicitado no Art. 1º, parágrafo único da CF: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Dessa forma, busca-se analisar, através de um caso concreto referente ao reconhecimentoda união homoafetiva como entidade familiar julgado pelo STF, a mutação do conceito de família exposto na Constituição. Sem deixar de comentar, é claro, a quem confere legitimidade na interpretação constitucional.

Palavras-chave: Diálogos Institucionais. Interpretação. Legitimidade. Constituição

 

1 INTRODUÇÃO

          Foi no século XVIII que a proposta de tripartição dos poderes em executivo, legislativo e judiciário, ganhou credibilidade e passou a ser assegurada pela Constituição, no qual, cada poder assume funções específicas, denominadas também, típicas, para agirem de modo independente, autônomo e harmônico. Apesar de estar no ideário sempre os três poderes, o povo também está incluso, denominado por Sieyés de “terceiro estado”, em que, os quatro exercendo suas funções juntos veem os erros referentes a cada poder, os analisam, para que saibam como cada decisão vai ser alcançada e para que se tome uma decisão mais justa, em que se tem o Poder Constituinte Originário como o poder pertencente ao povo e, a partir de seus representantes da Assembléia Constituinte, elabora leis de forma democrática para garantia de direitos fundamentais estipulados na Constituição, que é o texto Maior do Estado.

          O Supremo Tribunal Federal tem exercido, de maneira corriqueira, um papel ativo na vida institucional do país, pois tem tomado decisões de grande repercussão nacional, de largo alcance político e de escolhas morais, sendo o julgamento favorável da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277, um exemplo. As ações buscaram garantir o direito dos homossexuais de obterem reconhecimento jurídico da união estável e, é notório, que tal avanço ocasionou um impacto social no país em decorrência do sistema familiar tradicionalista ainda presente, a decisão permitiu uma liberdade jurídica essencial, garantindo os princípios fundamentais expressos na Constituição Federal, também, aos homossexuais, utilizando-se de forma análoga o Art. 226 § 3º, que reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, em que, énecessário destacar, o acréscimo da palavra “mulher” foi feita como um meio de trazer igualdade entre os dois gêneros, para romper com o patriarcalismo colonial, e não,  uma restrição de comportamentos sociais, visto que, o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo não é algo novo na história da humanidade.

          Os diálogos institucionais consistem numa consequência da tripartição, servindo como garantia da organização estatal, dada através da interação e cooperação de duas ou mais instituições pertencentes a poderes estatais distintos para a resolução de controvérsias legais sem que haja uma supremacia de uma decisão em face a outra, porém, tal modelo nem sempre se dá de forma efetiva, há momentos em que um poder se exime de sua função e outro assume mais do que sua competência, esse processo é denominado função atípica dos poderes.

          Apesar das divergências dos votos dos Ministros no julgamento em questão, muitos discorreram sobre o que foi mencionado acima, o ativismo judicial proferido pelo STF se justifica pela absoluta omissão e indolência do legislativo em relação às questões concernentes à homoafetividade. Além de que, o Ministro Luís Roberto Barroso (2015) em seu artigo Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática, demonstrauma nova visão sobre os diálogos institucionais e os papeis dos poderes Judiciário e Legislativo para a população, cabendo ao Judiciário o uso de uma função atípica sua por conta da falta de diálogo com o Legislativo, pois, tal poder por vezes é omisso e negligente com uma demanda da população social. Destacando que, a decisão foi tomada por uma necessidade de reposta da população sobre os seus direitos até então não resguardados, dando uma legitimidade ainda maior ao resultado tomado e retirando a “máscara” da existência de uma “última palavra”.

          Tendo a pesquisa a problematização a respeito do texto constitucional e sua mutabilidade como forma de atender as modificações sociais ao longo do tempo, foi feito o uso de autores como Lassalle, pois dizia que o texto (Constituição Federal) deveria atender o contexto (Sociedade), em complemento a essa idéia, Habermas, ao falar da autonomia pública e Siyés, trazendo que o povo constitui o “terceiro estado”. Indo além, referente as teorias dos diálogosutilizou-se Conrado Hubner, no que diz respeito ao texto constitucional ser flexível, ou seja, é mutável e capaz de acomodar diversas interpretações, tendo Haberle, em reforço a essa concepção. Em decorrência do que foi abordado que, todos os 10 Ministros votantes no julgamento manifestaram-se pelas procedências das respectivas ações constitucionais reconhecendo a união de casais do mesmo sexo como entidade familiar e, aplicando a essas uniões o mesmo regime que cabe a união estável de homem e mulher regulada no Art. 1723, CC no qual trata que “ É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida como objetivo de constituição de família”.

 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

2.1 O CONCEITO DE FAMÍLIA SEGUNDO O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

          A Constituição Federal Brasileira foi influenciada por herança constitucional de diversos países, contudo, é inegável que a influência preponderante veio da França com o Poder Constituinte Originário sendo, esse poder, incumbido a elaboração e criação do texto solene. Com o PCO, foi instituído uma distinção entre o ato de criação da Constituição e os atos jurídicos posteriores, sendo importante ressaltar que, esse poder “deu uma nova ordem político-jurídica a partir de um ator abstrato (povo ou nação)” (GONÇALVES, 2014, p.127). Essa idéia também foi concretizada por Sieyés em seu livro O que é terceiro Estado? De 1788, citado por Bernardo Gonçalves quando diz: “Portanto, detentores e destinatários do poder teriam que respeitar o documento produzido (pactuando) pelos mesmos, pois ambos, são constituídos pelo Poder Constituinte e sua obra: a Constituição” (GONÇALVES, 2014, P.119).

          No que foi exposto por Habermas, em sua Teoria Discursiva/Ação Comunicativa, pode-se afirmar que a Constituição é uma forma de autonomia pública, visto que, o poder Constituinte é pertencente ao povo e efetivado por seus representantes na Assembléia Nacional Constituinte. A concepção não é contemporânea, pois tal poder teve marcos democráticos que trouxe a figura do povo em sua titularidade desde o século XVII. Por conta disso que se ressalta a pluralidade de teorias para que se explicasse a gênese jurídica do Poder Constituinte, primeiramente, fala-se de um fundamento natural, no qual é, anterior e superior a todo direito positivo, outro diz respeito que a Constituição expressa o direito de forma máxima, por fim, uma que diz que a Constituição é um poder de direito, tendo como titular, o povo e a soberania para a criação de leis.

          O Poder Constituinte Originário, inseriu na Constituição Federal de 1988 o Art. 226 um novo conceito de família em contraste com o apresentado na Constituição de 1967. O texto constitucional deve refletir o contexto em qual está inserido, como explicitado por Lassale em seu livro A Essência da Constituição, por isso surgiu a necessidade de que a Constituição vigente estivesse expresso em texto uma nova designação de família comparado a Constituição anterior. 

           O Art. 175 da Carta de 1967/69 reforçava a idéia de uma sociedade patriarcalista brasileira, onde a figura da mulher se fazia omitida a todo momento, inclusive no texto constitucional. Ao ser feita Constituição de 1988, a Assembléia observou que existia a necessidade de estabelecer relações jurídicas horizontais sem uma hierarquização entre os gêneros homem e mulher, por isso pode-se dizer que a dualidade presente no Texto Maior da CF/88 em relação ao Art. 226 § 3º, serve para favorecer uma igualdade no âmbito doméstico, protegido pelo Estado, como exposto em lei, doravante, sendo capaz de fazer um reforço normativo e assim mais eficiente ao combate a esse patriarcalismo nos costumes brasileiros.

 

2.2 A MUTAÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA A PARTIR DO JULGAMENTO PELO STF DA ADPF 132 E DA ADI 4277

           A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 trouxeram em suas petições iniciais a essencialidade intervencional da jurisdição constitucional brasileira para garantir aos homossexuais o reconhecimento oficial de suas uniões homoafetivas com todas as consequências jurídicas, patrimoniais e extra-patrimoniais disso decorrente, pois embora no país já exista algumas normas tutelando a união de pessoas do mesmo sexo, ainda não há em nossa ordem infraconstitucional qualquer regra conferindo tratamento de entidade familiar a essas relações e, a ausência dessa regulamentação legal acaba por comprometer, na prática, o exercício de direitos fundamentais por pessoas homossexuais que, constantemente se veem impedidas de obter reconhecimento oficial das suas uniões afetivas e de ter acesso a uma série de direitos decorrentes de tal reconhecimento, que são concedidos sem maiores dificuldades a casais heterossexuais que vivem em união estável.

          O pedido principal da ADPF foi em referência a aplicação analógica do Art. 1723 do Código Civil Brasileiro às uniões homoafetivas, baseado na denominada “interpretação conforme a Constituição”, em que, foi requisitado que o Supremo Tribunal Federal interprete conforme a Constituição o Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro e declare que as decisões judiciais denegatórias de equiparação jurídica das uniões homoafetivas às uniões estáveis afrontam direitos fundamentais. Como preceitos fundamentais violados tem-se o direito a igualdade (Art. 5º, caput); o direito à liberdade, do qual decorre a autonomia da vontade (Art. 5ª, II); o princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, IV); e o princípio da segurança jurídica (Art. 5º, caput), todos contidos na Constituição da República. Pede-se, subsidiariamente, que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) seja recebida como Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o que de fato, terminou por acontecer.

          Em resumo, o parecer da causa da Procuradoria Geral da República (PGR) posicionou-se em favor da obrigatoriedade do reconhecimento, como entidade familiar, das uniões entre pessoas do mesmo sexo, contanto que exigidos os argumentos ditos anteriormente, em acréscimo que, é cabível uma interpretação analógica do Art. 226, § 3º pautada pelos princípios constitucionais e, diante da falta de norma regulamentadora, esta união deve ser regida pelas regras que disciplinem a união estável entre homem e mulher, aplicadas, também, por analogia. A Advocacia Geral da União (AGU) manifestou-se na forma a seguir ementada:

[...]Direitos Fundamentais. Uniões Homoafetivas. Servidor Público. Normas estaduais que impedem a equiparação do companheiro de relação homoafetiva como familiar. Preliminares. Conhecimento parcial da ação. Falta de pertinência temática e de interesse processual. Mérito: observância dos direitos fundamentais à igualdade e à liberdade. Exigências do bem comum. Direito Comparado Decisões dos Tribunais Superiores. Manifestação pelo conhecimento parcial da ADPF para que, nessa parte, seja julgado precedente, sem pronúncia de nulidade, com interpretação conforme a Constituição [somente dos dispositivos do Decreto-lei estadual nº 200/75), a fim de contemplar os parceiros da união homoafetiva no conceito de família.

          O novo conceito de família foi mais uma factibilidade da mutação constitucional, sendo esta o que confere legitimidade intergeracional ao Texto Maior, pois o Direito não existe fora da realidade a qual incide. Sobre a mutação constitucional, Luís Roberto Barroso aponta em seu livro Curso de Direito Constitucional Contemporâneo que “as Constituições não são eternas nem podem ter a pretensão de ser imutáveis. Uma geração não pode submeter a outra aos seus desígnios. Os mortos não podem governar os vivos” (2009, p.122), neste caso, é a matéria da norma que sofre os efeitos da passagem do tempo em detrimento da realidade de fato.  A legitimidade constitucional se dá através de uma mediana vigente em dois conceitos essenciais presente na teoria constitucional, sendo o primeiro a rigidez e o segundo a plasticidade das suas normas. O primeiro preserva a estabilidade da ordem e a segurança, já o segundo, de modo claro, procura “adaptar as normas aos novos tempos e ás novas demandas, sem que seja indispensável recorrer a cada alteração da realidade”. (BARROSO, 2009, p.127).

          O Art. 226, § 3º, CF/88 teve o conceito de família formulado pelo Poder Constituinte Originário, entretanto, sua mutação se deu a partir de mecanismos informais, todavia de caráter perdurável. Esta modalidade de poder constituinte é chamada de Poder Constituinte Difuso tendo como publicista Georges Burdeau, que em contraste com o Reformador, é feito por mecanismos não formais e não está previsto na Constituição, não obstante por ela é reconhecido, com a interpretações das suas normas e o desenvolvimento dos costumes constitucionais. Esta modalidade de Poder é designada como tendo sua “titularidade remanescente no povo, mas que acaba sendo exercido por via representativa pelos órgãos do poder constituído, em sintonia com as demandas e sentimentos sociais, assim como em casos de necessidade de afirmação de certos direitos fundamentais” (BARROSO, 2009, p.127).

          Como trazida na petição inicial da ADI nº 4277, a união entre pessoas do mesmo sexo sempre existiu na história da humana, porém, com o fortalecimento dos movimentos de luta pela identidade sexual, tendo como decorrência a liberalização dos costumes, houve uma redução do preconceito, fazendo com que, essas pessoas assumam publicamente seus relacionamentos e tornando-os mais estáveis e duradouros. Dessa forma, pode-se citar a ideologia de Lassale em seu livro A Essência da Constituição, onde o autor define o sentido sociológico da mesma, expondo que, o texto normativo deve refletir contexto social, à vista disso, que é possível entender o motivo do Supremo Tribunal Federal (STF) executar uma função atípica ao julgar favorável as ações, o Ministro Gilmar Mendes, sexto votante, foi enfático ao afirmar que o Supremo Tribunal Federal não poderia deixar de atuar no caso em questão, asseverando que uma omissão do STF se traduziria em um “agravamento no quadro de desproteção de minorias ou pessoas que tenham seus direitos lesionados”, assim como o Ministro Celso de Mello, no qual afirmou ser o STF o órgão investido de responsabilidade institucional e do poder de proteção das minorias contra excessos dos grupos majoritários ou, ainda, contra omissões que, atribuídas à maioria sejam “lesivas, em face da inércia do Estado, aos direitos daqueles que sofrem os efeitos perversos do preconceito, da discriminação e da exclusão jurídica”, sendo tal atuação legitimada no Art. 102, I, e é tida através da análise do contexto social atual e seu grau de relevância, pois notou-se a necessidade de uma nova interpretação do conceito de família com o objetivo principal de equiparar as uniões homoafetivas a união de pessoas de sexos distintos e homenagear um pluralismo de valor sócio-político cultural, uma liberdade para dispor da própria sexualidade, já que a expressão família como uma instituição privada é construída por um valor subjetivo entre pessoas adultas e que, independe do sexo, mantendo entre o Estado e a sociedade Civil uma precisa relação, tendo sem prejuízo algum, o reconhecimento da auto-aplicabilidade constitucional de forma imediata.

          Visando o contexto que o Ministro Marco Aurélio discorreu sobre a homossexualidade no Brasil e essa necessidade de atuação legislativa, principalmente, no que se refere a combate a crimes homofóbicos, evidenciando sua preocupação em relação aos homicídios de homossexuais, em virtude tão somente de orientação sexual das vítimas. Pontuou acertadamente a separação que deve existir entre conceitos morais – em especial religiosos -  e a outorga de direitos civis, e respeito de direitos fundamentais, não obstante o Brasil seja um país laico, o fundamentalismo religioso ainda está presente e influencia no avanço de questão da homoafetividade, em especial na tramitação dos projetos no legislativo, postura que nada mais é que a materialização do preconceito. Por fim, concluiu ser indispensável a proteção jurídica integral da união homoafetiva traduzia no reconhecimento como entidade familiar, pois, em caso contrário, estaria se transmitindo o juízo de que o afeto entre homossexuais seria reprovável e desmerecedor do respeito da sociedade e da tutela estatal. Indo além, logo no início da leitura do seu voto, o Ministro afirmou que seria possível incluir no regime da união estável situação que não foi originalmente prevista pelo legislador, e que tal fato não se traduziria em um “transbordamento dos limites da atividade jurisdicional”. Em contraposição, o Ministro Lewandowski, não admitiu a classificação da união homoafetiva como união estável, tendo em vista o explícito texto constitucional e por entender ter sido esta a efetiva vontade do legislador.

 

2.3 A RELAÇÃO DIALÓGICA ENTRE O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

          Diálogo foi designado por Conrado (2008, p.103), em sua tese, como uma imagem expressiva e fecunda da política, incluído como um símbolo de respeito, reciprocidade e igualdade, um fator necessário nessas instituições, já que decisões não podem ser proferidas sem a utilização dessa prática, consiste em uma consequência da divisão dos poderes, pois a finalidade de ambos possuem o mesmo grau de importância para o funcionamento estatal, sendo esse, só efetivado, de fato, se passar do monólogo ao diálogo, para que haja uma harmonização. Entretanto, irá se verificar que o diálogo também se dá em decorrência da omissão de uma instituição face a outra, como no caso exposto, tal omissão parte do poder Legislativo, resultando em um diálogo entre o Poder Constituinte Originário e o Supremo Tribunal Federal, para que se supra a lacuna normativa deixada e as minorias consigam seus reais direitos.

          A corte, ao exercer um papel que não é de sua competência, a priori, intrigou Bickel, que tentou encontrar uma justificativa plausível para esse tipo de ativismo dentro de uma democracia, defendendo como uma forma de “arte do compromisso, prudência, longo prazo, gradualismo, pragmatismo, acomodação, estabilidade, entre outras, são palavras que geram certa perplexidade para quem está acostumado a entender o papel da Corte à luz da prática de interpretação constitucional e da proteção dos direitos”. (CONRADO, 2008, p.101). O autor citado auxilia na observação de que o controle de constitucionalidade ultrapassa a aplicação do direito e a interpretação do mesmo, defendendo as virtudes políticas da Corte, esta, é influenciada por fatores externos ao direito, como a sociedade, visto aqui, a conexão ao diálogo. Não obstante, a idéia que Bickel tem em mente, no que tange o juízo político, não vem de sentimento ou impulso, mas sim, de uma vontade desinteressada e neutra e que o juízo deve consistir na prudência e no exercício desta, para que assim a Corte se comporte de forma adequada ao que é designada, de “animal político”.

          A participação da Corte é a de liderar a agenda pública para que assim possam proteger a sociedade contra sua fraquezas e seus direitos não atendidos, como no presente caso, houve um diálogo entre o PCO e o STF defendido por Barry Friedman, o mesmo destaca um diálogo mais amplo, com papel da opinião pública e com a sociedade, percebendo que a Corte teve que atuar para além de suas competências para preservar os direitos fundamentais aos casais homossexuais. Esse diálogo se deu para garantir que direitos como o de liberdade, igualdade, autonomia da vontade e dignidade da pessoa humana fossem devidamente efetivados, na fala do Ministro Ayres Britto, relator do julgamento, após o mesmo relembrar que o casamento não é mais a única forma de constituição de família legítima, ele reforça a mesma premissa utilizada pelo Poder Constituinte Originário ao escrever a letra da lei, de que, o casamento é regrado pela Constituição Federal, porém, sem a menor referência aos substantivos “homem” e “mulher”, como acontece com a união estável, a presença dessa dualidade de sexos, se deve tão somente a um reforço normativo à idéia de que homens e mulheres são iguais, combatendo “a renitência patriarcal dos costumes”, que em nada tem a ver com a dicotomia da homoafetividade e da heteroafetividade.

          A principal crítica feita em relação de o Supremo Tribunal efetivar um diálogo com povo e tomando decisões é que está instituição tem um caráter contra majoritário, todavia, segundo Friedman, defende que nenhum poder é perfeitamente majoritário, cabendo aos poderes através do diálogo negociar e definir uma direção. Podemos perceber ainda a diferença no que tange ao Congresso Nacional, a representação do cidadão e, no que tange ao STF, representação argumentativa. Assim, no objeto de cognição deste trabalho, face a decisão proferida pela Suprema Corte, o mesmo não se dirige contra o povo, com relação a contramajoritariedade, mas contra a inércia de seus representantes políticos. (ALEXY, 2015).

          Outro ressalvo que deve ser explanado é no que tange a “última palavra”, é importante pontuar que a teoria do diálogo vem com a tentativa de escapar desta armadilha e defende uma atitude teórica que se desprenda disso. Ademais de acordo com Daniel e Claudio (2012), essa premissa é equivocada já que, na prática, o STF não dá a “última palavra” por ser esta, inexistente em diversos casos, doravante, é válido ressaltar que as decisões do Supremo podem também provocar reações tanto de contrariedade quanto de concordância na sociedade e nos outros poderes, pois o texto constitucional é dinâmico e tem uma interpretação distinta a cada momento, o que resulta em uma mutabilidade, a qual confere maior legitimidade ao texto.

          Por fim, decisões como estas, tomadas pelo STF em diálogo com o povo, tornaram a Constituição mais acessível ao público, pois a mesma é fruto de uma autonomia pública como exposto no sentido constitucional Harbesiano e devendo escutar vozes de diferentes grupos, ademais, nada seria mais justo que abrir a interpretação da mesma a diferentes instituições pois sendo fruto de um poder democrático “o texto constitucional é flexível e o suficiente para acomodar diversas interpretações, o processo de interpretação constitucional não é estático, mas dinâmico”. (CONRADO, 2008, p.138). Dessa forma, há uma variedade de intérpretes, não dando um sentido único ao texto, imutável, como exposto no caso, não se restringiu o conceito de família só no binômio: homem e mulher, mas interpretando a constituição de maneira que atenda os diversos grupos sociais, sendo essa ideia de não restrição da interpretação constitucional pontuada por Hebele em seu sentido de Constituição aberta aos intérpretes.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

          A pesquisa foi redigida com o objetivo de demonstrar a relevância da efetivação dos diálogos institucionais, para que os poderes possam atuar de forma mais harmônica, já que nenhum é dotado de mais poder que o outro e, todos, possuem o mesmo grau de importância dentro do cenário estatal, apesar de que essa atuaçãonem sempre se dá de forma cooperativa e harmoniosa. Em detrimento do que foi exposto, pode-se ter um ativismo judicial, o STF teve que se posicionar, agindo para além de sua competência, com o objetivo de que a união homoafetiva fosse caracterizada da mesma forma que as uniões estáveis entre homens e mulheres, a partir de uma analogia ao Art. 226, § 3º, CF, e que os casais homossexuais tivessem a garantia dos mesmos direitos a qual os casais heterossexuais estão submetidos, já que houve uma omissão do poder Legislativo, refutada por Ministros, no dia do julgamento. O presente trabalho fez referência ao ativismo como algo benéfico, pois essa judicialização serviu para o preenchimento de uma lacuna normativa deixada que feriria direitos fundamentais de indivíduos, sendo o grande papel da Suprema Corte o de promover e proteger os direitos fundamentais de todos.

          Também sendo fundamental demonstrar que, não reconhecer as uniões estáveis entre casais homossexuais como entidade familiar é uma forma de postergar o preconceito na sociedade brasileira, prática essa, que vem sendo superada por muitos e, até por esse motivo, que tais casais resolveram reivindicar seus direitos, sendo ainda mais contraditório, por não ser algo incomum na história da humanidade. Ao ser feita a Constituição de 1988, o Poder Constituinte Originário não restringiu a entidade familiar como união estável entre homem e mulher no artigo citado, apenas incluiu o gênero com intuito de igualdade e para proteção dos direitos da mesma, também sendo relevante abordar que, esse processo só pode ocorrer através do que se chama de mutação constitucional, proferida pelo Poder Constituinte Difuso, visto que, o texto constitucional é um texto flexível e aberto a intérpretes, como trazido por Haberle.

          Ademais, entendemos que o parecer favorável as foi baseado em entendimentos legítimos e concisos sobre o texto constitucional. E como o mesmo deve ser regido de maneira que atenda e reflita as demandas sociais de maneira eficaz, visto que sua mutabilidade não é precisamente no texto formalmente escrito, mas sim, na interpretação, como um mecanismo de garantia de sua licitude.