DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS:  A relação   entre a Comissão Europeia de Direitos Humanos e o parlamento dinamarquês, em   virtude da reforma da Lei de Estrangeiros.[1]

 

Isabela Marisa Câmara Sousa ²

Vitoria Helena Mont’Alverne Frota Lima ²

Leiza Monteiro Dutra Galiza

Sumário: 1 Introdução; 2 O diálogo Institucional sob a perspectiva do Transconstitucionalismo; 3 Contraposição entre a regulação relativa ao Estrangeiro na EU e na Dinamarca; 4.O diálogo entre os parlamentos da UE e da Dinamarca. 5 Conclusão; 6 Referências

 

RESUMO

 

Esta pesquisa visa analisar a existência dos diálogos institucionais no âmbito jurídico contemporâneo, contrastando com a ideia da última palavra, buscando dessa forma estabelecer uma conversação e coexistência harmônica entre instituições que resultam em decisões mais justas e regulares garantindo maior efetivação dos direitos humanos. Em se tratando de um cenário internacional pluralista, busca-se aplicar tal teoria para que a jurisdição nacional e os organismos internacionais mantenham uma relação de equidade, agindo em concordância e estabelecendo um diálogo cooperativo, caracterizando o fenômeno do transconstitucionalismo. Sendo assim, cabe enfocar a reforma da Lei de Estrangeiros, lei L-87, aprovada na Dinamarca, país-membro da UE, que vai contra a Convenção Europeia de Direitos do Homem, abrindo então espaço para a Comissão Europeia refutar a decisão legislativa tomada pela nação.

 

Palavras-chave: Direito Constitucional. Diálogos Institucionais. Transconstitucionalismo. Direitos Fundamentais.

 

1 INTRODUÇÃO

 

A existência de blocos internacionais como a União Europeia que visam um maior estreitamento de relações econômicas e políticas entre seus estados-membro, acarreta diálogos institucionais entre as cortes locais e transnacionais. A matéria constitucional produzida pelos tribunais locais (jurisdição) é uma manifestação do conceito tradicional da soberania estatal, contudo no âmbito jurídico é inegável a importância das decisões constitucionais por vezes apresentadas nas cortes internacionais (ARAÚJO, 2011), de grande relevância social por buscar proferir decisões mais justas e garantir a efetivação dos direitos fundamentais do homem.

Essa questão traz à tona o fenômeno do transconstitucionalismo, teoria cientifica que embora se faça presente, não é tão explorada e nem tão aceita quanto as questões tradicionais referentes a legitimação da última palavra, bem como a supremacia da soberania estatal. Sendo necessário que haja um entendimento das transformações do direito constitucional proveniente da comunicação entre as diferentes esferas legitimas de poder (NEVES, 2012).

A existência de tratados normativos de caráter supraconstitucional, advindos da globalização, acarretam consigo a questão da transconstitucionalidade que, segundo Marcelo Neves (2012), consiste na existência de um pluralismo constitucional que acarreta uma múltipla análise oriunda de ordens jurídicas diferenciadas. Sendo assim, torna-se imprescindível a reformulação do conceito tradicional de soberania, que preza pela supremacia do Estado, passando-se a priorizar a questão da cooperação e equilíbrio de uma comunidade internacional que não será delimitado por fronteiras (ARAUJO, 2011).

A UE é um bloco de união político-econômico, dotado de 28 países-membro, todos eles independentes e autônomos, estando dentre eles a Dinamarca. A participação dos estados no grupo é de caráter voluntario, portanto, a partir do momento que se comprometem a fazer parte do grupo, passam a ter obrigação legal de cumprir com os tratados e determinações por ele estabelecido, segundo consta no Tratado de Lisboa (documento voltado para organização legislativa da União).

Dessa forma, ainda que a Lei de Estrangeiros possua legitimidade segundo o ordenamento jurídico dos países que a homologaram, seu conteúdo vai de encontro com a proposição da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Convenção Europeia de Direitos do Homem e o Estatuto dos Refugiados, tratados instituídos pela UE, de caráter constitucional que dão respaldo para que esta conteste a aprovação das normas.

A comunicação entre a Corte Internacional da União Europeia e o Parlamento Dinamarquês, mediante a reforma da Lei dos Estrangeiros, que visa cercear a atuação dos refugiados no país, configura um caso de diálogo institucional por trazer uma relação horizontal entre duas esferas de ordenamentos jurídicos distintos, que possuem posicionamentos divergentes. A interação entre as instituições se faz necessária para que as decisões sejam tomadas de forma mais justa, coerente e harmônica, uma vez que a existência de um embate de sentenças torna a relação entre as duas instituições instável, indo contra a essência preservada pelo bloco.

 

2 BREVE DISCURSO ACERCA DA IDEIA DOS DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS

 

 

O diálogo é uma ferramenta por meio da qual as instituições jurídicos distintas, com opiniões conflitantes, podem alcançar soluções coerentes e harmônicas, buscando afastar-se da hierarquização das instituições e o sentido habitual da ideia da “última palavra” (HUBNER, 2008).

A teoria da última palavra alterna entre dois polos: o do legislativo e o do judiciário. Enquanto considera-se que o primeiro possui uma supremacia institucional, sendo então classificado como “guarda da constituição”, temos que o segundo é o representante do povo, que vota e tem seu direito legitimado no momento em que seus representantes se fazem presente no parlamento, gerando assim um embate cíclico entre os dois poderes e suas finalidades típicas.

A comunicação entre instituições é uma forma de resolução de impasses horizontal, onde dois ou mais ordenamentos podem estabelecer uma conversação e dessa forma coexistirem de forma harmônica podendo levar uma decisão mais justa, uma vez que todas as possibilidades de solução seriam levadas em consideração (SARMENTO; SOUZA, 2014).

 

Ficam a meio termo entre o controle judicial de constitucionalidade das leis e da soberania do parlamento, na medida em que esvaziam a unicidade de atuação pacificadora da celeuma legal em face de apenas um dos poderes, culminando em uma necessária atuação dialógica para a provedoria do texto ou fixação de sentido de texto em determinada direção que seja compatível com a ordem constitucional. (DIAS JÚNIOR, 2012, p. 78).

 

Em se tratando da questão internacional, a jurisdição nacional e as decisões das cortes internacionais devem manter um nível de equidade, não havendo hierarquia entre as decisões. Contudo, muitos são os países contrários a essa nova visão, alegam que a efetividade dos diálogos institucionais propaga a ideia da existência de um único ordenamento, contrariando a visão tradicional que determina que constitucionalidade provem da jurisdição (DIAS JUNIOR, 2012). Ainda que essa posição controversa exista, não se pode retirar os méritos dos diálogos, sendo eles de extrema importância para garantir a justiça e a ordem. Além disso, é importante mencionar que ainda que cada diálogo possua sua peculiaridade de acordo com o sistema constitucional em que está inserido, existem características comuns a todos eles. 

 

3   O DIÁLOGO INSTITUCIONAL SOB A PERSPECTIVA DO TRANSCONSTITUCIONALISMO 

 

A teoria do transconstitucionalismo, elaborada por Marcelo Mendes, atual professor titular de direito público na Universidade de Brasília (UnB), é o resultado de um nível de comunicação cada vez maior entre as instituições jurídicas, principalmente no que se trata do diálogo entre cortes internacionais e nacionais.

O fenômeno consiste na interação entre instituições distintas, sendo elas estatais, internacionais, transnacionais ou supranacionais que dialogam sobre uma questão de mesma natureza constitucional, o que configura um cenário de pluralismo jurídico, uma vez que dentro de um mesmo espaço existe mais de um ordenamento vigente (MENDES, 2012).

 

Verifica-se, dessa maneira, uma pluralidade de ordens jurídicas, cada uma das quais com seus próprios elementos ou operações (atos jurídicos), estruturas (normas jurídicas), processos (procedimentos jurídicos) e reflexão da identidade (dogmática jurídica). Disso resulta uma diferenciação no interior do sistema jurídico. Essa diferenciação entre ordens não se limita, porém, à diferenciação segmentaria entre ordens jurídicas estatais com âmbitos territoriais de validade delimitados. Além disso, não há só uma diferenciação de “níveis” entre ordem jurídica estatal, supranacional e internacional, mas também a diferenciação funcional de ordens jurídicas transnacionais, desvinculadas, por sua transterritorialidade, do direito estatal (MENDES, 2012, p. 116).

 

A questão dos direitos fundamentais e dos direitos humanos é algo que ultrapassa as fronteiras das nações, tornando-se de domínio internacional, havendo a necessidade da abertura do constitucionalismo para além do Estado a fim de obter soluções através do diálogo entre as ordens internas e externas (MENDES, 2012).

Dessa forma, entra em discussão a transformação do conceito clássico de soberania, que segundo Miguel Reale ([?], apud MORAIS; STRECK, 2014, p.174) consiste no “(...) poder que tem uma nação de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência”, estando ela ainda atrelada a quatro características principais: una, indivisível, inalienável e imprescritível, conforme a obra de Morais e Streck (2014).

Levando em conta um cenário internacional pluralista, visa-se a reformulação de tal ideia partindo da perspectiva de um sistema de justiça universal, onde as cortes nacionais agem em concordância com as internacionais, estabelecendo um diálogo cooperativo de caráter fundamental para a manutenção da ordem global (ARAÚJO, 2011).

Contudo é de suma importância ressaltar que não se trata de uma relação hierárquica entre instituições, e sim, de uma relação comunicativa que visa através do diálogo e da aprendizagem mútua, estabelecer decisões justas e regulares garantindo assim maior efetivação dos direitos fundamentais (MENDES, 2012).

 

4 CONTRAPOSIÇÃO ENTRE A REGULAÇÃO RELATIVA AO ESTRANGEIRO NA EU E NA DINAMARCA

 

Em um contexto político pós Segunda Guerra Mundial, a União Europeia em uma comissão especial, decidiu definir o que seria um refugiado e qual seu tratamento devido. Em 1951, ficou definido que qualquer pessoa que estaria sendo perseguida politicamente por conta de sua raça, religião ou opção político partidária em seu pais, com sua eventual saída e impossibilidade do retorno para o país de origem, é considerada refugiada, como consta no artigo primeiro da Convenção de Genebra.

A luz da Carta das Nações Unidas e da Convenção dos Direitos do Homem, o Estatuto dos Refugiados defende as liberdades fundamentais e os direitos humanos, considerando principalmente que estes refugiados gozam do direito de ir e vir. A priori a Convenção de Genebra era exclusiva para refugiados advindos apenas de países europeus, mas em 1967, extingue-se os limites geográficos e temporais, e todos os países signatários passam a aceitar refugiados do mundo inteiro, que buscam asilo na Europa, um exemplo de padrão de qualidade de vida e hospitalidade.

Dentre um rol de direitos e proteções para o refugiado, encontramos também o dever que este deve se comprometer com o país em que estará abrigado, o artigo segundo dispõe sobre uma obrigação geral, em que o refugiado deve cumprir as regulamentações dispostas no país, ou seja, a lei nacional. De todo modo, os direitos de proteção das pessoas que buscam asilo por se encontrarem em situações de perseguição, se resumem a não discriminação, a liberdade religiosa e no que se trata da situação jurídica, deve-se primordialmente tratar os refugiados tais como os nacionais, assegurando-lhes o acesso à justiça, a moradia, a oportunidade de emprego e todos os seus direitos anteriores.

A Dinamarca, localizada no leste europeu com um dos maiores PIBS do globo, espelho para todos os países de primeiro mundo, fora o primeiro a assinar a Convenção de Genebra, e desde de então carrega uma imagem de nação hospitaleira para aqueles que procuram abrigo. Em um contexto de guerra civil e instabilidade política, o ano de 2015 foi marcado por migração em massa de pessoas advindas de países mulçumanos, fugindo de uma guerra civil na Síria e da atuação do grupo terrorista, o Estado Islâmico.

Entre um dos cinco países que mais receberam refugiados, no fim do ano de 2014 para o ano de 2015, a Dinamarca recebeu mais de 15.000 pedidos de asilo, atrás apenas da Alemanha, Grécia e Itália. Dessa forma, a posição adotada pelo país, fora a de regulamentar com mais rigidez a entrada dos refugiados, diversas medidas foram tomadas, comandas por um partido liberal que está no poder, com a maioria do parlamento ao seu lado, porém sem o apoio do partido popular, perdera também o de maior parte da população dinamarquesa. Uma das medidas que chamaram mais atenção na mídia internacional, fora a lei que delimita o confisco de bens dos refugiados, com o codinome de “lei da joalheria”, traz expressamente o confisco de objetos com o valor acima de 10.000 coroas dinamarquesa, além de essa lei também está relacionada com a reunião de membros uma mesma família, onde existirá uma implicação de 1-3 anos para que possam haver uma reagrupação familiar e desse modo, voltar ao seu país de origem.

Diante desse contexto, no cenário internacional, a Dinamarca e outros países escandinavos, estão sendo altamente criticados por órgãos internacionais, como a ONU, a Amnistia Internacional e, principalmente, membros da União Europeia. Um dos fundamentos principais para a crítica de que essa lei vai contra os direitos humanos e as liberdades fundamentais, é de que a Dinamarca estaria ferindo o art. 8° da Convenção de Direitos do Homem, que garante a vida familiar. Além de ferir também, o art. 30° que preza pela fixação dos bens anteriores para o Estado Contratante.

 

Art. 30 - Transferência de bens Cada Estado Contratante permitirá aos refugiados, conforme as leis e regulamentos do seu país, transferir os bens que trouxeram para o seu território, para o território de outro país no qual foram admitidos a fim de nele se reinstalarem

 

Ademais, a própria convenção de Genebra trata de regulamentar a supervisão do seu cumprimento, sendo Estados signatários, que se comprometeram com o que está disposto no documento oficial, devem cooperar, e inclusive relatar aos órgãos comissários sobre leis e regulamentos nacionais, como está colocado no art.36, colocado nas disposições executórias e transitórias do tratado.

 

Art. 36 - Informações sobre as leis e regulamentos nacionais Os Estados Contratantes comunicarão ao Secretário-Geral das Nações Unidas o texto das leis e dos regulamentos que promulguem para assegurar a aplicação desta Convenção.

 

A posição adotada pelo primeiro-ministro Lars Løkke Rasmussen e seus aliados do partido liberal de direita, que detêm da maioria simples no parlamento dinamarquês, fora a de que tais medidas estão sendo adotadas para proteger a nação, que inclusive são tratados de forma semelhante quanto a questão das custas Estatais e dessa forma, com a lei de confisco estaria igualando os refugiados aos nacionais. Levando em consideração, a questão de que uma pesquisa recente relatada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) – apresentada pelo governo dinamarquês – mostra que a custas com os refugiados estão em um percentual de 0,47% do PIB do país, uma das maiores custas perdendo apenas para a Alemanha e suíça.

Em virtude do que foi mencionado, é notória as consequências em que se colocam a Dinamarca e os tratados internacionais que a mesma participa, é de fato, um caso em que uma legislação supraconstitucional está sendo ferida por conta da criação de uma regulamentação nacional, em que o parlamento dinamarquês, que é tipicamente responsável pelo poder da criação de leis, confrontando assim de quem é a legitimidade para tratar do assunto, e qual seria o órgão responsável para a resolução do conflito. No caso europeu, a Dinamarca já se prepara para as consequências que a levaram para um possível julgamento na Convenção Europeia de Direitos Humanos, por conta do possível ferimento de um tratado no qual é signatário.

 

 5 O DIÁLOGO ENTRE OS PARLAMENTOS DA UNIÃO EUROPEIA E DA DINAMARCA

 

Segundo Canotilho (2003), devemos considerar que vivemos em meio a um constitucionalismo global, relacionado a ideia de democracia, já que em um meio externo essa é a forma de governo que promove a paz; a uma releitura do princípio da autodeterminação, no que se diz respeito a legitimação da poder político do Estado por meio de suportes subnacionais e supranacionais; e ao avanço comunicativo possibilitado pelas novas tecnologias. Sendo assim constrói-se um cenário de atores cooperativos, sendo tal característica fundamental para a manutenção da ordem global.

É dentro desse contexto que se fala da União Europeia, trata-se de um de um bloco político-econômico que visa maior estreitamento de relações entre seus países-membros, razão esta de possuir um ordenamento comunitário. Embora exista uma relação diferenciada entre tal organização e os países que dela fazem parte, o conflito entre constitucionalismo nacional, baseada na supremacia do Estado e sua soberania e o “constitucionalismo europeu”, voltado para um meio internacional integrado não deixa de existir. Ainda assim, os países que fazem parte do grupo possuem uma certa abertura constitucional que possibilita que as ordens jurídicas nacionais deem acesso ao direito comunitário, resultante da integração europeia que implica a validade e aplicação direta na ordem interna do direito comunitário europeu (CANOTILHO, 2003).

A relação entre os países-membros e a organização é pautada em regras e restrições, como é o caso do princípio da limitação das competências que determina que “a UE não é um Estado soberano dotado de competências e poderes globais, mas sim uma comunidade de estados dotada das competências que os estados membros, por meio de tratados internacionais, lhe vão atribuindo” (CANOTILHO, 2003, p. 367) Trata-se portanto de um poder atribuído pelos próprios membros que que a compõe. Além disso podemos falar do princípio da subsidiariedade.

 

Nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os objetivos da ação encarada não possam ser suficientemente realizados pelos estados-membros, e, possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da ação prevista, ser melhor alcançados a nível comunitário (CANOTILLHO, 2003, p. 368).

 

Sendo assim, podemos entender que caso o Estado Nacional apresente falta de eficiência em alguma de suas competências a Comunidade pode vir a intervir. Vemos que o Estado deixa aos poucos de ser o único competente para atribuir funções e, passa a ser apenas um ator em um cenário internacional de vários atores capazes de realizar esse papel. Temos portanto que o Estado passa a ser internacionalmente limitado.

É dessa forma que se estabelece a relação da Dinamarca com a UE, e seguindo essa mesma linha é que se estabelece o diálogo entre seus parlamentos, uma vez que a integração entre os países e o grupo acarretou em transformação dos parlamentos nacionais, deixando estes de ter competência soberana para resolução de todas as questões abrindo espaço para atuação do parlamento europeu.

O Tratado de Maastricht ainda determina que o respeito do envolvimento dos parlamentos nacionais nas atividades da União Europeia (os respetivos governos devem informá-los, em tempo útil, sobre as propostas legislativas europeias e realizar, se necessário, conferências conjuntas), além de explicitar que a cooperação entre o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais, deve ser feita através da intensificação dos contatos, da realização de encontros regulares e da concessão de facilidades recíprocas.

Segundo o Tratado de Lisboa, que tem como objetivo regulamentar as questões legislativas da União Europeia, os países-membros tem obrigação legal de aderir e respeitar os Tratados aprovados pelo bloco político-econômico.

Sendo assim, o Estatuto dos Refugiados, oriundos da Convenção de 1951, determina que todos os signatários devem, primordialmente, exercer o caráter humanitário à todos que procuram asilo em seu território, independente da raça, religião ou opinião política, visando também  a regulamentação da relação entre os estrangeiros e as nações, de forma que estes sejam tratados com um mínimo de dignidade da mesma forma como os cidadãos locais, não sendo possível a interferência da vida pessoal de cada imigrante (ACNUR, [2001?]).

Uma vez estado-membro da UE, a Dinamarca tem a obrigatoriedade de cumprir com tal documento, sendo ainda imprescindível que seus atos concordem com a Declaração Europeia de Direitos do Homem, que serve de base para a fundamentação do tratado anteriormente falado e para a efetivação dos direitos fundamentais.

No dia 26 de janeiro de 2016 o parlamento dinamarquês aprovou a chamada lei L-87, popularmente conhecida como “Do Not Pass Law” ou “Lei da joalheria”, que permite o confisco de bens que superam o valor de 10.000 coroas dinamarquesas equivalente a quantia de 1.450 dólares. Além disso, o tempo de esperar para solicitação da reunião dos refugiados com seus familiares se estende de um ano para três, podendo o processo de reagrupamento demorar vários anos. (EUROMED RIGHTS, 2016)

O Parlamento Europeu então se respalda na participação do país no bloco para questionar a aprovação da lei de estrangeiros que vai contra o Estatuto dos Refugiados e contra o 8º artigo da Convenção Europeia de Direitos do Homem (1948) que determina que “qualquer pessoa tem direito ao respeito de sua vida privada e familiar, do seu domicilio e da sua correspondência”.

 

6 CONCLUSÃO

 

O presente trabalho objetivou-se em demonstrar de que forma acontece os chamados diálogos institucionais, presentes de forma mais expressiva no âmbito jurídico contemporâneo, onde contrasta com a ideia da última palavra, pois com o mecanismo da conversação e de uma cooperação em que diferentes órgãos possam chegar a uma decisão mais harmônica e justa, este fenômeno representa a modernidade do direito, onde a coexistência de diversas opiniões não gerara conflito.

A luz de teorias como a do Transconstitucionalismo, de Marcelo Neves (2009) , onde o mesmo trata da interação entre instituições distintas, sendo elas estatais, internacionais, transnacionais ou supranacionais que dialogam sobre uma questão de mesma natureza constitucional, primordialmente direitos fundamentais e limitação do poder, visando o diálogo cooperativo, para que assim as relações possam se tornar horizontais, com a coexistência das instituições, e dessa forma chegar a decisões mais justas e coerentes. 

Trazemos isso de forma concreta em um caso de diálogo constitucional em um cenário de uma Europa, que é regida tanto por legislação supranacional, de tratados importantes feitos pela UE, quanto por uma constituição nacional dos países signatários, onde não tratamos mais de um conceito de soberania resumido á limites geográficos, e sim com o novo conceito, onde a soberania deixou de ser resumida a um Estado, e hoje se tornou uma sociedade global.

O conflito entre um país-membro da UE e primeiro signatário de um importante tratado que visa a proteção dos direitos humanos e liberdade fundamentais, a Dinamarca, que com uma lei polêmica aprovada, onde esta visa regulamentar a situação dos refugiados que cada vez mais entram no país, ferindo o então tratado supranacional, cria um caso de diálogo institucional, onde o presente trabalho trata de discorrer em que se baseia a legitimidade da Convenção Europeia de Direitos Humanos, e outros órgãos internacionais, de refutar uma lei que fora criada no legislativo de um Estado-membro, ou seja, uma lei de caráter constitucional questionada por tratados supranacionais.

Dando finalidade para entendermos o novo paradigma que esse dialogo nos trouxe, a questão da globalização e o direito supranacional, que coexiste justamente com o direito nacional. Gomes Canotilho (2003) em seus apontamentos, discorreu sobre este novo horizonte em que se encontra a União europeia, existindo uma nova interpretação do que chamamos de princípio da autodeterminação, anteriormente limitado a uma única concepção colonialista e limitada de que o que legitimava a nação era excepcionalmente a existência de um Estado nacional, hoje de forma mais abrangente, vemos de que a coexistência entre o sentido de legitimidade, em que a autoridade e a legitimação também podem advir de organismos sociais e políticos supranacionais, engrandecendo a ideia de globalização, advinda com o fim do antiquado conceito de soberania.                          

 

 

REFERÊNCIAS

 

ARAÚJO, Luis Claudio Martins de.  O DIÁLOGO INSTITUCIONAL ENTRE CORTES LOCAIS E CORTES TRANSNACIONAIS. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=3b24156ad560a696 >. Acesso: 18 de março de 2016.

DIAS JÚNIOR, Etéocles Brito Mendonça.Soberania Parlamentar, Judicial Review e Diálogos Institucionais: do isolamento decisionista à atividade colaborativa entre os poderes na aplicação constitucional. Rio de Janeiro. Dissertação (doutorado em Direito) para o Programa de Pós Graduação em Direito, Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2012.

HUBNER, Conrado Mendes. Direitos Fundamentais, separação de poderes e deliberação. São Paulo. Tese apresentada no departamento de Ciência Política para obtenção do título de doutor em Ciência Política. Universidade de São Paulo- USP, 2008.

SOUZA NETO; Claudio Pereira de SARMENTO, Daniel; Direito Constitucional :teoria, história e método de trabalho. Belo Horizonte, Fórum, 2012.

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. Primeira edição, Brasil: Wmf Martins Fontes, 2009..

EUROMED RIGHTS. Rejecting Migrants and Refugees in Denmark: Do not Pass Law L-87. Copenhagen/ Brussels/ Paris. 2016. Disponível em < http://euromedrights.org/publication/rejecting-migrants-and-refugees-in-denmark-do-not-pass-law-l-87/>

BRASIL SPOT. Dinamarca aprova lei que permite confiscar bens de refugiados. Brasil. 2016. Disponível em < http://www.brasilpost.com.br/2016/01/26/bens-refugiados-dinamarca_n_9079742.html>