Diálogo na Sala de Aula: Uma proposta freireana para a superação da violência escolar
Por Ernande Arcanjo | 18/09/2025 | EducaçãoDiálogo na Sala de Aula: Uma proposta freireana para a superação da violência escolar
Lendo Paulo Freire, tive a certeza de que o educador entende a dialogicidade como uma dimensão principiológica de suas próprias ideias de educação, isto é, da pedagogia libertadora. Ela possibilita uma convivência autêntica nas relações humanas por meio da palavra constituída de ação e reflexão mediadas por uma realidade a ser transformada. Por isso, não tenho dúvida de que a dialogicidade pode ser uma resposta efetiva para a superação da violência no ambiente escolar, quando desenvolvida por meio das práticas pedagógicas que oportunizem uma participação ampla e efetiva dos educandos e das educandas.
Afinal, como esse princípio pode orientar a prática docente na perspectiva da superação da violência escolar? Ora, Freire (2023) nos ensina que a dialogicidade ocorre no encontro humano marcado por relações ético-políticas no compartilhamento de ideias e saberes mediados por uma realidade objetiva, visando transformá-la. Para isso, faz-se necessário amor, fé, esperança e humildade, cujas dimensões acontecem quando se assume um compromisso com a libertação dos homens e das mulheres. Portanto, a dialogicidade, além de buscar caminhos de cultura de paz, colabora com a superação de todas as formas de violências desumanizadoras.
Em um dos encontros dialógicos que realizei com estudantes do Ensino Médio Integrado do IFCE Campus Caucaia, por ocasião da pesquisa de mestrado no ProfEPT (Silva, 2025), constatei um grande anseio nos alunos por uma formação que efetivamente possa valorizar as relações afetivas. Essa formação deve propiciar um espaço de convivência autêntica e valorização das diferenças, tanto coletivas quanto individuais, além de estimular ações de cooperação. Nesse processo, são muito importantes as práticas docentes quando envolvidas de amor, fé, esperança e humildade.
Ficou muito claro, para mim, que a sala de aula constitui-se como um espaço privilegiado para o desenvolvimento de práticas dialógicas transformadoras. Elas podem acontecer, principalmente, por meio de reflexões problematizadoras, a fim de serem pensados caminhos de superação pelos próprios educandos e educandas que sofrem “na pele” as opressões. Para Freire (2013), só os próprios oprimidos, tomando consciência de sua realidade, tornam-se capazes de se libertar e libertar os próprios opressores.
Nesse processo, a docência pode desenvolver atividades curriculares e extracurriculares que possibilitem encontros dialógicos entre os alunos. Para isso, Freire propõe um percurso metodológico: é preciso partir de uma investigação sobre os territórios nos quais eles vivem de modo que possam encontrar vocábulos e valores culturais do cotidiano deles. Daí, é importante planejar ações coerentes com os dados encontrados. Em seguida, refleti-los com os educandos de forma democrática, a fim de pensarem alternativas transformadoras.
Em um dos encontros, na mesma ocasião supracitada, dialogando sobre a violência, destaquei junto aos alunos e alunas a palavra “praça”. Trata-se de um termo que eles apresentam, a qual aludia não apenas a um lugar público, mas a um espaço onde poderiam encontrar-se para conviver de forma segura e respeitosa junto às diversidades. A partir de uma discussão, passaram a entender que eles têm direito à “praça” que almejam e que o Estado deve ser garantidor desse direito. Por isso, concordo que seria necessário lutar e se organizar para a efetivação dele. Por fim, em outro encontro dialógico, os alunos refletiram sobre a necessidade de também se organizarem e participarem das lutas coletivas dentro e fora da escola para que possam ter um lugar seguro, afetivo e respeito em suas diferenças.
Diante do que foi posto, defendo que a dialogicidade, pensada por Paulo Freire, é capaz de colaborar significativamente com a superação da violência escolar, uma vez que o seu desenvolvimento no processo de ensino-aprendizagem acontece mediado por práticas do cuidado, do respeito, da cooperação e de uma convivência genuína no ambiente escolar. Isso poderá constituir-se como uma resposta efetiva em relação ao dilema da violência que tem impactado principalmente os adolescentes e jovens na sociedade.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido (recurso eletrônico). - 1. ed. - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013d.
SILVA, Francisco Ernande Arcanjo; PINTO, Nilson Vieira. Ensino e práxis dialógica: possibilidades prático-reflexivas no Ensino Médio Integrado para uma cultura de paz. 1. ed. Salvador: Editora Humanize, 2025. ISBN 978-65-5255-094-1.