Ana Beatriz Viana Pinto[2]

Bruna Barbieri Waquim[3]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Barbie e Ken são casados e depois de 7 anos tentando gerar um filho, decidiram adotar uma criança. Deste modo, após visitas à Casa da Criança Feliz, decidem adotar Suzy, uma menina de 6 anos, que já estava abrigada há 4 anos na instituição. Por serem professores da rede municipal de ensino e lecionarem nos turnos matutino e vespertino, tendo uma rotina dinâmica, ingressaram com a ação de adoção requerendo a guarda provisória da criança e a realização com brevidade do estágio de convivência. Apresentaram declarações de idoneidade moral e todos os documentos indispensáveis à propositura da ação.

A guarda provisória foi deferida liminarmente ao casal, mas em razão do grande número de processo, somente após 04 meses do deferimento é que a equipe multidisciplinar da Vara de Infância e Juventude compareceu à primeira vez na residência dos adotantes para realizar o estudo. A equipe visitou a residência por três vezes, cada vez em um turno do dia, encontrando a criança e os adotantes apenas quando da visita no período da noite, recebendo a informação dos vizinhos de que a criança frequentava uma escola em tempo integral, em virtude da rotina de trabalho dos guardiões. Ao concluir o estudo multidisciplinar, a equipe se manifestou a favor da adoção, apesar do registro de que a criança ainda não se mostrava completamente à vontade com os adotantes, possuindo episódios de “terrores noturnos”, o que, pelo depoimento de Barbie e Ken, era atribuído às condições de isolamento social, em decorrência do grande período de abrigamento. Sentindo-se convencido com a demonstração dos adotantes de idoneidade, capacidade financeira e o desejo de estabelecer uma família com a criança, o juiz determinou que os autos retornassem conclusos para julgamento. Todavia, após um ano e quatro meses do ajuizamento da ação, antes da prolação da sentença, o casal devolveu Suzy à entidade de acolhimento, alegando a desistência da ação de adoção em virtude de incompatibilidade irreconciliável com a criança, que se mostrava desobediente e com grande grau de rebeldia, o que teria resultado na ausência do desenvolvimento de laços afetivos entre eles.

  • IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
    • Descrição das decisões possíveis
      • Quais as medidas (processuais, extraprocessuais e/ ou administrativas) deve adotar o Ministério Público sobre a devolução realizada, e sob quais fundamentos?; Foi respeitado o devido processo legal previsto no ECA e a Lei de Adoção, para a apreciação do pedido liminar, audiência de instrução e conclusão dos autos para sentença?; O estudo social realizado da forma descrita obedeceu às previsões e preocupações da Doutrina da Proteção Integral?; Deve ser permitida a desistência da ação de adoção, pelas alegações apresentadas e depois do transcurso de mais de um ano de guarda provisória?; A devolução de criança em processo de adoção pode dar ensejo a reparação civil? Em que circunstâncias? A situação narrada ensejaria Responsabilidade civil do casal adotante?
  • Argumentos capazes de fundamentar cada decisão

Inicialmente, cabe mencionar que nos termos do artigo 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente, compete ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis. Prevê ainda o Estatuto:    

Art. 201. Compete ao Ministério Público: V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal. - grifei

Art. 212. Para defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações. - grifei

No caso em questão, por ter ocorrido clara violação aos interesses da criança e do adolescente, o Ministério Público pode, conforme previsão do artigo citado acima, instaurar ação civil pública em face de Barbie e Ken a fim de requerer indenização por danos morais. Isto porque, embora legalmente não haja vedação à desistência do processo de adoção antes da prolação da sentença, os casais que requerem a adoção, não podem valer-se de tal direito em detrimento do melhor interesse da criança, princípio no qual deve ser baseado o processo, sob pena de restar caracterizado o abuso do exercício regular do direito.

Deste modo, ainda que a guarda provisória, como próprio nome sugere, e o ECA prevê, [4]não tenha caráter irreversível, esta não pode ser encarada pelos guardiões como mera experiência, e que, sendo assim, caso a convivência com a criança não os agrade, possam proceder sem maiores delongas à devolução desta.

 Em caso semelhante ao ora analisado, a desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Dra. Hilda Maria Porto de Paulo, esclareceu que a previsão de revogação da guarda é uma medida que visa proteger e resguardar os interesses da criança, com o fim de evitar eventuais maus tratos ou falta de adaptação com a família. Por tal motivo, explica a desembargadora, que “a revogabilidade da guarda não se presta à proteção de pessoas, maiores e capazes, que se propuseram à guarda, por livre e espontânea vontade, e depois, simplesmente, se arrependem e resolvem devolver à criança”. [5]

Não obstante, in casu, Barbie e Ken, após mostrarem-se altamente interessados em adotar Susy, e requerem, inclusive liminarmente, a guarda provisória da criança, a devolveram sob a rasa justificativa de que estava desobediente e rebelde. É notório que para tanto, o casal observou apenas os seus próprios interesses, mormente a falta de paciência com Susy, deixando de considerar as consequências de tal decisão na vida da criança, que outrora já foi abandonada por seus genitores.

Destarte, sabendo que de acordo com o artigo 186 do Código Civil, “todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”, nada mais razoável do que haver a condenação do casal ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, esta última através da prestação de alimentos. Assim, além de haver a “compensação” à criança, que perdeu a chance de ser adotada por uma família que realmente a quisesse, permanecendo com a família que a devolveu durante quase dois anos, tal medida servirá também para desestimular os demais casais interessados em adotar crianças a agir de forma semelhante.

Condenar Ken e Barbie à reparação civil é, inclusive, uma alternativa que atende muito mais aos interesses da criança e do adolescente e à doutrina da proteção integral do que impedir que o casal desista da ação. Ora, embora se saiba que a justificativa utilizada por estes não devesse ser ensejadora da desistência, e que, tal atitude trará traumas e prejuízos irreversíveis à Susy, impedir a devolução da criança, é assumir um enorme risco de deixá-la em um lar em que será desprovida de carinho, atenção, assistência material, e cuidados básicos a que faz jus.

Nota-se também no caso em questão, grave falha no estudo realizado pela equipe multidisciplinar da Vara de Infância e Juventude, primeiro porque a visita só ocorreu após 4 meses de convivência entre o casal e a criança, e segundo porque a equipe ignorou as informações de que a criança só possuía contato com os guardiões durante a noite e que estava encontrando dificuldades de adaptação, tendo, inclusive, episódios de “terrores noturnos”,  atitude esta que viola a máxima prioridade que deve ser conferida às crianças e aos adolescentes, sobretudo em um processo delicado como o de adoção.

Ademais, verifica-se que não ouve oitiva do MP, procedimento previsto tanto na Lei de Adoção, no artigo 197-B[6], como no Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 168[6], como no Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 168[7]. Do mesmo modo, considerando a informação fornecida por Ken e Barbie acerca da dificuldade de adaptação da criança, era aconselhável também a oitiva desta.

3 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES

Os critérios e valores utilizados para a realização deste trabalho basearam-se na doutrina da proteção integral adotada pela Constituição Federal de 1988, bem como, nos princípios e nas legislações atinentes ao Direito da Criança e do Adolescente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

[1] Case apresentado á disciplina Direito da Criança e do Adolescente, da UNDB.

[2] Aluna do oitavo período do curso de Direito, da UNDB.

[3] Professora mestre, orientadora.

[4] Art 355. A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público.

 

[6] Após a petição inicial, Art. 197-B.  A autoridade judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, dará vista dos autos ao Ministério Público, que no prazo de 5 (cinco) dias poderá: 

I - apresentar quesitos a serem respondidos pela equipe interprofissional encarregada de elaborar o estudo técnico a que se refere o art. 197-C desta Lei; 

II - requerer a designação de audiência para oitiva dos postulantes em juízo e testemunhas; 

III - requerer a juntada de documentos complementares e a realização de outras diligências que entender necessárias.’ 

[7] Art. 168. Apresentado o relatório social ou o laudo pericial, e ouvida, sempre que possível, a criança ou o adolescente, dar-se-á vista dos autos ao Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, decidindo a autoridade judiciária em igual prazo.