Devoção Kabbalista

     Qualquer devoção a ser praticada nos estágios iniciais do grupo deve ser simples. Até o grupo começar a se entrosar em uma unidade operacional, nada de útil no plano coletivo pode ser mantido ou focalizado. Assim sendo, o processo de construção de um veículo comunitário seguro para conter o “Orvalho dos Céus”, como é tradicionalmente chamado, requer uma série de estágios definidos, começando pelo método mais simples de devoção individual.

     Sem dúvida, ao chegar no grupo, várias pessoas já possuem práticas devocionais. Estas devem, no momento, ser deixadas de lado, a menos que existam motivos excepcionais, talvez por fazerem parte do dia religioso da pessoa, como dizer as orações do Shema a um judeu, ou o pai-nosso a um vigário. É sensato que todos do grupo comecem do mesmo lugar, a fim de obter um sentido de unidade de intento, bem como aprender uma técnica específica, porque ao contrário da crença popular, deve-se aprender a rezar. A maioria das pessoas aprende por uma imitação da forma externa, e, assim sendo, temos as palavras vazias do serviço da sinagoga e da igreja, levando aquele que busca a Deus a procurar em outra parte, para encontrar um modo verdadeiro de se comunicar com o Santo. Este é o motivo de muitos ocidentais profundamente religiosos serem encontrados em grupos sufi ou budista, e não em suas próprias comunidades judaicas ou cristãs.

     Qualquer que sejam os outros métodos de prática individual estes devem ser interrompidos ou guardados estritamente para exercício privado. No grupo, os estudantes devem seguir escrupolosamente a prática especificada pelo tutor, a fim de se desenvolverem sem distração. A primeira coisa a ser aprendida sobre a arte da devoção é exatamente o que ela diz, ou seja, ser devoto. Significa desenvolver uma conexão através da tríade do sentimento de Nezah-Hod-Yesod, lado a lado a tríade do pensamento de Hod-Yesod-Malkhut. Estas tríades são trabalhadas para aumentar a capacidade de análise para se tornarem mais sensíveis aos humores da consciência comum do ego. Normalmente, a tríade dos sentimentos influencia o ego com suas oscilações, mas se for mantida sob disciplina e direção, se tornará um agente pelo qual o ego contata os mundos interiores, de maneira bastante diferente do que respondendo inconscientemente às situações além do limiar da psique; pois, sob direção, o estado de alerta pode ser invertido, de modo a vontade comandar o ego, em vez de ser dominada pelos estados de espírito rítmicos ou remotos, como a melancolia da segunda-feira, ou um sentimento de depressão profunda por algo se passando no inconsciente.

     O treinamento da tríade do sentimento demora, porque é a mais instável das três tríades localizadas ao redor do ego. Primeiro deve ser ensinada a permanecer quieta, como um cavalo selvagem antes que o brindão possa ser colocado. Isso é alcançado trabalhando-se nas outras tríades que apóiam e contém essa função volátil. À tríade ativa é dada tanto a tarefa da permanência na mesma posição física, do mesmo modo que algumas tradições utilizam algumas posições corporais, como do movimento padronizado dos dervixes que giram sobre o eixo do grande artelho. Ambas as soluções tomam qualquer excesso de energia e o focalizam sobre o centro silencioso a ser ocupado pela consciência na tríade do sentimento. Do mesmo modo, dá-se à tríade do pensamento algo para contemplar, como as palavras de uma oração, ou um mantra em hebraico, português, ou qualquer outro idioma adequado. Pode ser, neste caso, simplesmente repetir a frase “Fique tranqüilo”. A combinação criará a estrutura e a dinâmica adequadas a uma experiência devocional.

     De início, tal exercício deve ser efetuado no grupo sob a direção do tutor. A primeira sessão seria por toda uma noite, de modo a tornar claro para todos somente o que, e como, é feito. As pessoas podem perguntar sobre os assuntos práticos, como a velocidade adequada ou se a frase deve ser dita em voz alta, ou sobre assuntos teóricos, tais como um relato mais detalhado de como as tríades funcionam durante a meditação. O exercício, então, deve ser praticado em casa durante o dia, para que as pessoas descubram o que podem ou não fazer. Alguns podem, por exemplo, descobrir que não são capazes de se concentrar, ou de manter a posição física sugerida. Estes problemas podem ser resolvidos em particular, mas de preferência nas reniões semanais, de modo a todos verem e partilharem dos sucessos e dos fracassos do exercício. Isto é da maior importância porque, dessa maneira, não só as pessoas compreendem não estarem sozinhas em suas dificuldades nem em suas oscilações, como também isso constrói o reservatório comum da memória do grupo que é tão vital para ele quanto organismo vivo.

     Quando o primeiro exercício devocional tiver sido determinado, deve ser empregado para equilibrar os lados teóricos e ritualísticos das reuniões de forma regular, como cada terceira noite ser dedicada à devoção, ou irregularmente, quando a atividade for muito pesada para o intelecto ou corpo. Introduzir dez minutos de meditação durante um período intenso de trabalho intelectual ou físico pode trazer uma nova dimensão e aliviar qualquer negatividade porventura reunida na atmosfera. Alguns grupos mantém um encontro devocional especial uma vez por mês, enquanto outros passam parte da reunião em meditação. Depende da necessidade do momento e da inclinação de seus membros. Alguns grupos, por exemplo, mais interessados em contemplação terão apenas um pequeno período devocional antes de entrar nos debates. É, contudo, recomendado em tais casos não minimizar a prática devocional, ou o equilíbrio será afetado e o grupo se tornará apenas mais outra sociedade de debates que faz algum trabalho prático. O sentimento também deve estar presente.

     À medida que o grupo amadurece, a prática devocional pode ser mais elaborada. Isso quer dizer que se aumenta a profundidade das técnicas de meditação, mas não só em sua forma externa, o que muitas vezes acontece. As pessoas podem, durante o exercício, por exemplo, transferir a atenção da tríade do sentimento para o triângulo do despertar, imediatamente acima da linha limiar que se estende entre Hod e Nezah. Isto os tornará cientes, enquanto meditam, de seus processos psicológicos, e também de estarem fisicamente conscientes. É claro que isto não é tão fácil quanto o simples exercício de manter um mantra em foco. Mas com determinado e cuidadoso empenho, provocará um tipo de oração bastante diferente. Por exemplo, a pessoa se tornará cônscia não apenas de si mesma, mas também dos estados de outros indivíduos na sala. Isto pode não ser vantajoso no início, porque causará distração, mas, no devido tempo, a presença dos outros intensificará a meditação pessoal e comunal, e dará maior poder a qualquer oração grupal. Por causa disso é que existem igrejas, mesquitas e sinagogas. Infelizmente, a maioria das congregações se esqueceu do motivo verdadeiro de sua reunião. Tais encontros quase sempre se tornam ocasiões sociais ou tribais. Embora pessoas extraordinárias sejam capazes de atingir grandes profundidades ou ápices sozinhas, a maioria de nós deve trabalhar com outros para obter qualquer elevação em nossas orações. Assim sendo, o esforço coletivo capacita até mesmo os menos desenvolvidos espiritualmente a serem elevados pelo poder gerado por uma congregação. Este foi o seu propósito original.

     Posteriormente, um grupo pode desenvolver exercícios devocionais específicos. Podem ser concebidos para servir uma única ocasião, ou crescer em um período de muitos meses, até um apogeu fundamentado em, talvez, uma festa religiosa. Tais celebrações foram planejadas e escolhidas especificamente para corresponder a determinadas épocas do ano, quando algum determinado equilíbrio de energia cósmica e espiritual esteja presente. Todas estas devoções, é claro, seriam relacionadas a princípios kabbalísticos, de modo a haver uma ressonância ordenada às leis do Universo. Assim, por exemplo, uma meditação ao nascer do dia começa com a consciência de Malkhut, o mundo físico, principiando com os quatro elementos. É feita vivenciando-se cada estado de matéria que permaneça, flua, sopre ou irradie pelo corpo. O próximo estágio é sobre a consciência do ego, suas tríades circundantes e suas funções, passando ao estado do despertar, no qual a psique inferior e o corpo são mantidos em uma perspectiva distantes, antes de se atingir o lugar do Self, onde toda a própria vida será vista, e o momento do agora, onde as pessoas se sentam ou permanecem em pé, observando o Sol tocar o horizonte junto a alguns companheiros do Caminho. Isso conduz a uma mudança de dimensão, e embora se possa estar ainda ressoando uma determinada prece de súplica ou louvor, a consciência pode transferir-se dos mundos físico e psicológico para o do Espírito. Aqui, a altitude é sustentada por todos se firmando no âmago da oração, frase ou palavra, o que então transporta o grupo até as regiões mais elevadas no Mundo da Criação, onde se é permitido ou não experienciar a Luz da Divindade, até que aqueles que foram retornar e comecem a descer em sequência ordenada para a terra.

     O aprofundamento gradual de cada sessão de meditação deve-se passar em uníssono ao trabalho de contemplação, de modo que todos os que perceberem a teoria da Kabbalah adquiriram vida durante suas devoções. No devido tempo, verão como muitas orações são cuidadosamente construídas sobre princípios espirituais, como também muitas festividades. Os templos da antiguidade, por exemplo, nos mostram grandes orações gravadas nas pedras, cada nível exposto sob a forma de círculos, câmaras ou altares. Mesmo os fragmentos de oração que chegaram até nós serão reconhecidos como veículos de devoção fundamentados sobre os mesmos princípios, embora o método possa passar por este deus ou por aquele mito. O conhecimento esotérico tem estado sempre com a humanidade, desde que Enoc, o primeiro ser humano a se tornar completamente realizado, trouxe dos mundos mais elevados o corpo de conhecimento superior que nos vem sendo transmitido. Orações, talvez há muito familiares, desde a infância, muitas vezes assumem um significado bastante diferente sob a luz do que é estudado e exercitado no grupo. O pai-nosso, de Joshua bem Miriam de Nazareth, por exemplo, contém todo o esquema kabbalístico e a prece judaica da mesma magnitude. O Shema tem uma implicação mais profunda quando traduzido completamente em “Escuta!” ou “Desperta! Oh, Israel!”, ou “Aquele que luta com Deus”, “YAHVEH é nosso Deus. YAHVEH é Um” (isto é, a Unidade). SE as palavras dessas orações fossem totalmente experienciadas enquanto fossem ditas, o devoto seria iluminado pela Luz Divina. Contudo, a maioria de nós está tão bem ligada à terra que temos de usar o método físico a fim de elevar nosso nível pelo ritual, o Caminho da Ação, empregado junto aos caminhos da Devoção e da Contemplação.