DESPENHADEIRO
Publicado em 05 de junho de 2009 por Abel Aquino
DESPENHADEIRO
Abel Aquino
Justino gostava de passear com seu cão, Plato. Saia pela campina, seguindo as trilha do gado para apreciar o dilatado horizonte. Isso dava uma sensação de liberdade e amplitude e sentia que poderia conquistar muitas coisas. Seu cão corria à frente, parava, olhava para trás, balançava o rabo e ficava esperando Justino se aproximar. Depois corria mais um pouco, perseguia uma nhambu que ciscava debaixo do capim. Esta voava para longe e Plato desistia de persegui-la. Os passarinhos, no alto das árvores mais desfolhadas, saltitavam de galho eM galho, chilreando e batendo as asas. Justino tentava adivinhar que espécie poderia ser os de penacho amarelo, os outros de peito branco e, ainda, os de rabo longo e azul.
O dia estava limpo e o sol quente era abrandado pelo vento fresco do fim do verão. Andavam, agora, por uma região que Justino não conhecia. Enormes lajedos levantavam por entre árvores retorcidas e pedras meio arredondadas apareciam soltas na partes planas, despregadas que foram do alto da serrania.Plato correu atrás de uma codorna e Justino viu quando desapareceu à frente, ganindo de forma estranha. Justino correu e, quando viu a fenda, já era tarde. Seus pés escorregaram na laje lisa e o corpo alcançou o espaço e caiu. A fenda tinha mais de dez metros de profundidade. Seu corpo alcançou o fundo com um baque curto e segui-se o silêncio.
Uma semana depois encontraram os corpos, do animal e de Justino, lado a lado. Estavam cercados de abutres. Sobravam mais ossos que carne. Por entre as costelas de homem e do cão, movimentavam-se vermes e estes passavam de uma carcaça à outra. Lívio foi o primeiro a ver aquela cena e, imediatamente lhe ocorreu a pergunta: será que o homem e o animal são da mesma natureza?. Estavam alí desmanchando-se em podridão, vermes e pedaços de carne picotados pelos bicos afiados dos abutres.
Maria ficou sabendo da morte do marido com pavor e gritos. Chorou três dias sem cessar. Deram-lhe calmante todos aquele tempo. Por fim, já conseguia dormir sem remédio. Mas, sempre sonhava com o marido voltando para casa. Abria a porta e o via chegando, balançando o corpo de seu jeito peculiar, sorrindo. Passava para o quarto e a abraçava. Maria perguntava: - mas, você não morreu?. Justino dizia, sempre sorrindo, não morri, olhe para mim, tenho cara de morto? Cheire-me. E ela o cheirava e sentia aquele suor de homem que tanto a excitava.
Mas, ao acordar, via a cama vazia, sentia a solidão da casa solitária, sem a voz grave e sempre calma de seu amado companheiro e chorava de novo.
Porque ele aparece em meu sonho? Será que quer dizer alguma coisa pra mim?.
O padre dizia que era sua alma, tentando reconfortá-la. Mas, tendo toda noite sonhos desse tipo, Maria sabia que seu sofrimento nunca poderia acabar.