Muitas vezes as pessoas dizem que o Brasil "não tem jeito", que "é melhor se mudar para um país desenvolvido" como o Canadá ou a Suécia. Que é "perda de tempo" continuar com esperanças. Para essas pessoas, mostro minha discordância total. Além de ser uma vergonha desistir, perder meus direitos sem ao menos ter lutado por eles – e num país constitucionalmente democrático, ainda mais –, me mudar por esse motivo não me é uma opção válida nem tampouco digna.

Eu aceitaria emigrar por outros motivos, tais como guerra, golpe de Estado que impossibilitasse meu trabalho, catástrofe natural, oportunidade de emprego, progressão profissional, estudo avançado ou convocação de familiar que morasse no exterior – que não tenho. Mas simplesmente porque "o Brasil não tem mais jeito", nunca.

Me recuso a abandonar o Brasil, a desertar da nossa luta pela consolidação da democracia e pela universalização da consciência cidadã. Prefiro fincar o pé por aqui e lutar pelo esclarecimento das massas, por mais tempo e energia que isso nos demande. Prefiro me juntar a outros cidadãos e discutir o planejamento de ações conscientizantes, intervenções que se empenhem em acordar o povão.

Por mais assaltos que eu sofra, por mais doenças que eu termine contraindo por causa da precariedade do saneamento básico, por mais enchentes que seja obrigado a enfrentar nas próximas chuvas por causa do descaso urbanístico, ainda que nosso litoral seja inundado pelo oceano graças à omissão dos governos estaduais, nada me faz desistir, mas sim querer mais ainda consertar a raiz do problema: o povo. É isso o que todos que têm um mínimo de respeito pelo bairro/cidade/estado/região/país onde moram deveriam pensar.

Em vez de recorrer à deserção da democracia, algo muito mais lastimável do que aquela caracterizada por fugir ao massacre de uma guerra militar ou civil, deveríamos fazer valer a Constituição, que nos deu a liberdade de melhorar o país com nossas cabeças, vozes, braços, mãos e dedos. Deveríamos salvar o país dos motivos que tentam inspirar nossa desistência.

Em vez de abraçar esse egoísmo-individualismo extremo de deixar um lugar que tanto precisa de nós e procurar um país previamente arrumado pelos esforços de outrem, deveríamos repensar nossa atitude e refletir se realmente estamos certos em deixar para trás uma terra em vias de ser arrasada. Em vez de procurar uma cama já prontinha e arrumada por outrem, deveríamos arrumar a nossa e mostrar ao mundo que gostamos de higiene social.

Antes de bater o martelo e dizer "Desisto! Quero morar na baixa da égua!", o sujeito deveria observar dois motivos, que, se pensar melhor, faria de sua atitude algo vergonhoso.

Primeiro, nós mesmos, enquanto povo alienado, fomos e somos os maiores responsáveis e culpados pelo caos, precariedade e esculhambação que caracterizam as várias instituições sociais e políticas brasileiras hoje.

Fomos nós que vendemos nossos votos para candidatos maus-caráteres; que deixamos de desconfiar de quem nos forneceu emprego ou cesta básica em troca de voto; que prestamos admiração e respeito aos velhos senhores oligarcas que fazem o que querem em nossa terra; que pusemos pessoas interesseiras e corruptas nas casas legislativas e palácios de governo; que recusamos debater política, sobre quem é menos ruim, quem merece um voto de confiança, quem veio para fazer a diferença, nas nossas horas vagas e happy-hours.

Fomos nós que deixamos de ajudar a escola onde estudamos a ser mais decente; que desrespeitamos nossos imperfeitos mas dedicados professores; que lhe fomos tão ingratos e mal-agradecidos; que não fizemos demanda por uma renovação pedagógica, por uma forma mais democrática de se prover educação.

Fomos nós que preferimos nos antenar nos "grandes irmãos" e nas novelas elitistas da TV a ler livros e discutir cultura de qualidade; que não demos ouvidos àqueles que insistiam que os telejornais dos quais não perdemos um são manipuladores e parciais ao extremo; que abraçamos a alienação, o conformismo e o individualismo como filosofias de vida.

Enfim, fomos nós mesmos que destruímos a casa de onde dizemos querer sair. Fomos nós que bagunçamos o nosso próprio quarto, como uma horda bárbara, e agora dizemos que nosso quarto "não tem conserto" e que "o único jeito é mudar de cômodo".

O segundo ponto, que é de envergonhar ainda mais profundamente aqueles desistentes pretendentes a emigrantes, é que esses países tão almejados por eles são arrumados porque suas sociedades, incluindo os imigrantes dedicados, é quem deixa tudo arrumado. Os países tão desejados o são porque seus povos não permitem que problemas como política econômica incompetente, violência urbana e arbitrariedades governamentais firmem o pé. Argentina, França, Finlândia e Canadá, países de população que os noticiários descrevem como não-conformista, comprovam isso. Seus cidadãos e cidadãs vão às ruas quando algo como situação econômica ou violência está saindo dos níveis aceitáveis.

É justo que pessoas que negam cuidar de sua terra natal, que se recusam a arrumar sua casa, procurem outra morada por algo pelo qual elas mesmas são responsáveis? É válido que aceitemos perder o direito de habitar nosso próprio país porque fomos tão relaxados e alienados a ponto de deixar de revidar os investimentos políticos, sociais e econômicos feitos contra nós?

É juntando todas essas questões que contrario aqueles que preferem fugir a ajudar civilmente seu país e digo que, em vez de desistir, vou continuar lutando como posso, pelo menos fazer minha parte e deixar a nação um infinitésimo melhor de se viver.

Repito: se há um motivo positivo na emigração, não sou contra e até encorajo que abracem a oportunidade. Se houvesse razões de emergência, como catástrofes, guerras ou ascensão totalitária, também daria razão. Mas um(a) brasileiro(a) querer ir embora por "não ter mais jeito" para um problema que ele(a) próprio(a) ajudou a causar e piorar é irresponsabilidade, alienação, egoísmo, deserção cidadã. É falta de senso de democracia e cidadania. É motivo de vergonha. Desculpem a intensa desqualificação, mas é essa a crua verdade.

Apesar de eu ter tanto repúdio a essa atitude, não impeço ninguém de ir embora por tal motivo. Só quero que os que desejam fugir pensem no que estão dizendo, se é certo o que estão pensando.