O encantamento onírico da beleza de certas obras de arte (vivas ou mortas), que antes de nos inquietar, arrebatam-nos. E, ao arrebatar-nos, infundem, por tal ato, admiração e reverência.

O efeito paralisante da beleza absoluta... Longe de nós (prefere-se, em alguma instância)! Ter e perder, antes não possuir!

A significação da brasa do sofrer, ao dizer, o que já cantou Milton Nascimento e Sarah Vaughan (em So Many Stars). Como se querer (pretender) ser feliz (privado desse enlevo), ao se ter contemplado a face da beleza? Plena de sentidos. Sobretudo os (sentidos) inenarráveis?

Sendo assim, a significação da beleza poderia ser expressa em palavras? Como ter dimensão semântica possível a abarcar a essência do belo, em si mesmo?

Longe de uma sensação de arrebatamento pleno, que possibilidades existem de se ter presente um juízo estético apto a ter como objeto de análise a beleza? A acepção da universalidade subjetiva do juízo estético, a partir de Kant, como explica Roger Scruton (passim, 2013). É possível dar algum valor técnico para tanto?

A ausência de utilidade da beleza, como a arte, de per si, densifica a experiência do viver. No entanto, notem, por fundamental: não apreciamos algo por sua utilidade, tão somente, e essencialmente, pelo que o ente é em si mesmo. O arrebatamento que a beleza traz toma todo o nosso interesse. Pouco importa a utilidade que se dará àquele ente, embora, quase sempre exista uma.

O ponto que toca (di)retamente o coração: a beleza é, em si mesma, algo intrinsecamente significativo. A beleza transcende a funcionalidade, a ponto de não se poder abordar a beleza por um ponto de vista meramente instrumental. Como se sente falta dessa percepção artística, nas obras musicais, sobretudo, ao se lembrar de tantas melodias pop em que a admiração pela beleza feminina se revela na função e no aparato sexual da fêmea, em seus aspectos mais evidentes aos sentidos visuais.

Explica Roger Scruton (passim, 2013) quão complexa é a beleza. Inusitada observação, ao se questionar qual é a ligação entre as artes do estômago e as artes da alma.

Outro ponto: a acepção meramente sensitiva que se pode dar à percepção da beleza também se mostra perfunctória. Assim, a beleza que importa é aquela que se apresenta dos sentidos à mente. A percepção de que a racionalidade encontra espaço na acepção da verdadeira beleza, parece-nos muito fortemente infundada, principalmente quando se pondera sobre tudo isso, escutando Dionne Warwick cantando Burt Bacharach.

Delicado é pensar a beleza sob o olhar desinteressado daquele que olha o objeto do desejo, pelo que o ente é em si. Assim: “Mostrar-se desinteressado por algo não é necessariamente carecer de interesse, e sim estar interessado de uma forma específica” (SCRUTON, 2013, p. 37). Aí, o cabimento da acepção kantiana no sentido de que os interesses que se origina na razão e não, almejando a satisfação de um desejo.

E nesse olhar, há consciência da singularidade desse ente. A consciência de sua condição única no mundo. A percepção da tragédia que se abaterá sobre si, ao pensar na possibilidade da perda do ente desejado. De modo a aproximar a consciência da beleza da percepção do amor.

REFERÊNCIAS

SCRUTON, Roger. Beleza. São Paulo: É Realizações, 2013.

WARWICK, Dionne. Songs the Bacharach & David Songbook. UK: Music Club, 1994.

VAUGHAN, Sarah. I Love Brazil. Germany: Pablo Records, 1994.