Denúncia, apuração e julgamento dos crimes contra a ordem econômica no Estado do Maranhão[1]

 

Paulo Ricardo da Luz Martins[2]

Rogério Teles[3]

Thales de Castro Torres[4]

Maria do Socorro A. Carvalho [5]

 

RESUMO

 

A defesa da ordem econômica é algo essencial ao Brasil, visto que a Constituição de 1988 definiu que a sua finalidade é construir uma sociedade mais justa e igualitária. Assim, é necessário impedir que alguns agentes do mercado influam com seu poder econômico de forma indevida. A Lei n.° 8.137/1990 é um dos principais conjuntos normativos, que tipifica condutas que constituem essa espécie de crime. Tais condutas se inserem no que a doutrina costuma chamar de “crimes do colarinho branco”, dado que seus agentes diferem da maior parcela dos considerados criminosos em função de sua classe social. A punição de tais condutas também sofre influência do status social dos agentes, sendo muitas vezes ineficaz em razão disto. A competência para julgamento pode ser da Justiça Estadual (em regra) ou da Federal. No âmbito da justiça estadual, usando como delimitação o Estado do Maranhão, é possível ter uma idéia da sistemática de combate a esses crimes.

 

Palavras-chave: Ordem Econômica. Colarinho Branco. Efetividade.

 

INTRODUÇÃO

Desde seu primeiro artigo a Constituição de 1988 demonstrou a importância do bom andamento da ordem econômica, elencando como um de seus princípios basilares a livre iniciativa. Também em outros locais deixa evidente a relevância do tema, considerado essencial para atingir a crescente justiça social prevista desde o preâmbulo.

Como o Direito Penal busca proteger os bens mais relevantes para a sociedade, com a ordem econômica não poderia ser diferente, de modo que há diversas leis penais que tratam acerca do tema, tipificando condutas e definindo suas implicações.

Trata-se de crimes onde o bem tutelado é a livre concorrência e livre iniciativa (TASSE, 2009, p. 845). Entretanto, muitas vezes os tipos penais incluídos nesta categoria acabam se tornando “incompreensíveis e o esforço interpretativo por maior que seja, dificilmente consegue produzir resultados satisfatórios sob a ótica dos princípios garantistas penais” (TASSE, 2009, p. 845). Muitos consideram que a pouca efetividade destes tipos se deve ao fato dos sujeitos ativos possuírem grande poder econômico, aumentando a possibilidade de impunidade.

Considerando a vastidão de matéria legal sobre o tema, o presente trabalho se voltará para os crimes contra a ordem econômica previstos na Lei n.° 8.137/1990. Além de analisar alguns pontos sobre a estrutura administrativa e judicial nacional, e estadual – usando como delimitação o Estado do Maranhão.

Para isto, a estrutura deste trabalho inicia com a definição e características dos crimes contra a ordem econômica. Depois uma breve analise sobre estrutura administrativa e judicial de proteção da ordem econômica em nível nacional seguida de algumas especificidades estaduais do Estado do Maranhão. Por fim, é avaliada a eficácia do combate aos crimes supracitados com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, levando em consideração as características dos “crimes do colarinho branco”.

 

1 CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA: espécies, características e especificidades

Os crimes contra a ordem econômica fazem parte do que a doutrina chama de direito penal econômico e ao que alguns chamam de “crimes do colarinho branco” (PALHARES, 2011, p. 147). Trata-se do ramo do direito penal que “estuda crimes ocorridos nas relações comerciais ou na atividade empresarial, pelos administradores, diretores ou sócios, geralmente de forma não violenta e envolvendo fraude ou violação da relação de confiança” (AMARAL, 2010, p.11).

A diferença deste ramo ao direito penal clássico é que enquanto este se preocupa em defender bens individuais ou específicos como vida, patrimônio e honra, o direito penal econômico visa proteger “bens jurídicos supraindividuais”, como o bom funcionamento do sistema financeiro nacional e a livre iniciativa (AMARAL, 2010, p.11). Os crimes incluídos neste ramo são mais complexos, pois seus autores, em geral, buscam transparecer um aspecto de licitude dos atos e há complexidade nos mesmos. Ao contrário do ladrão que ao roubar a bolsa de uma senhora e correr ao meio da rua é facilmente identificado pelos transeuntes e, muitas vezes, por eles mesmos punido; os autores dos crimes incluídos no direito penal econômico são pessoas do alto escalão social, que mesmo após a condenação criminal (que raramente ocorre), dificilmente serão rotulados pela sociedade como bandidos.

Pois bem, os crimes contra a ordem econômica encontram como primeiro fundamento a Constituição. Desde 1937 que a carta maior prevê a defesa da ordem econômica brasileira. Na atual (1988) o artigo 1º, IV, consagra como um dos princípios basilares da República Federativa do Brasil “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. De modo mais específico, o artigo 170 destaca os princípios pelos quais a ordem econômica deve se pautar e sua finalidade, que é “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. É evidente, portanto, que a preservação do sistema econômico e sua proteção pelo direito são necessários para o bom andamento da sociedade brasileira e a consequente progressão da justiça social e desenvolvimento humano.

No âmbito administrativo existem órgãos fiscalizadores das atividades econômicas e seu bom andamento. Entre eles está o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o SDE (Secretaria de Defesa Econômica).  CADE é uma autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, sendo a última instância na esfera administrativa nas decisões envolvendo questões sobre concorrência. Enquanto a SDE é uma secretaria existente no âmbito do ministério da justiça, mais especificamente na estrutura do ministério da fazendo, tendo este mais amplos poderes voltados para o monitoramento da economia, permitindo reajustes e tarifas públicas e também atos de concentração. (VELLOSO, 2009).

Na esfera penal, a tipificação dos crimes contra a ordem econômica não foi incluída no Código Penal, mas sim em lei penal especial: Lei n.º 8.137/1990. Tal conjunto normativo tipifica e comina penas aos crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo. Não obstante haver relação entre as matérias, as mesmas não se confundem. Os artigos 1º a 3º tratam sobre os crimes contra a ordem tributária; 4º a 6º dos crimes contra a ordem econômica; e o 7º dos crimes contra as relações de consumo. Além disso, há disposições gerais que se aplicam a todos, previstas a partir do artigo 11.

Ressalte-se que recentemente foi aprovada nova lei que regula de forma mais abrangente a defesa da ordem econômica e defesa da concorrência: Lei n.º 12.529/2011. Entre outras disposições, tal lei modifica o artigo 4º e revoga os artigos 5º e 6º da Lei n.º 8.137/90.

Assim, dos crimes contra a ordem econômica previstos na Lei n.º 8.137/90, só restam os do artigo 4º com as alterações realizadas:

Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:

I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas;  

II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:

  1. a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas;
  2. b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;
  3. c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

No inciso I, segundo a classificação de alguns doutrinadores e considerando as alterações realizadas pela Lei 12.529/2011: (a) tipo penal: conduta que, empregando abuso de poder econômico, causa domínio de mercado e/ ou eliminação total/parcial da concorrência; (b) objeto jurídico: ordem econômica em sentido lato com ênfase na proteção da livre concorrência; (c) sujeito ativo: comum – entretanto, só pode ser praticado por meio da pessoa jurídica que o agente administre ou gerencie; (d) sujeito passivo: em primeiro lugar o Estado, mas também podem ser incluídos os concorrentes e consumidores prejudicados; (e) crime de dano e material; (f) elemento subjetivo: dolo de abusar do poder econômico e há divergência sobre o fim especial de agir, sendo que há quem diga que não existe (dolo genérico) e outros que é adicionado ao fim específico de burlar a ordem financeira e livre concorrência – o tipo não prevê punição na modalidade culposa; (g) comissivo; (h) aumento de pena: hipóteses no art. 12 – 1/3 a 1/2 por grave dano à coletividade; cometido por servidor público no exercício de suas funções; atingir prestação de serviços ou comercio de bens essenciais; (i) cabível concurso; (j) ação penal pública incondicionada; competência: em regra, justiça estadual (vide próximo capítulo); (k) cabe delação premiada – ainda há possibilidade de acordo de leniência, que se trata de uma espécie de delação premiada específica dos crimes contra a ordem econômica e que pode ocorrer na esfera administrativa com efeitos extrapenais e penais. (DELMANTO; DELMANTO JR., DELMANTO, 2006, p. 294-310; PRADO, 2009, p. 37-71; TASSE, 2009, p. 840-850).

No inciso II, segundo alguns doutrinadores e considerando as alterações realizadas pela Lei 12.529/2011, se aplica a mesma classificação do parágrafo anterior, com as seguintes diferenças e observações: (a) tipo penal: as condutas aqui são as que caracterizam a formação de cartéis; (b) objeto jurídico: ordem econômica com ênfase na defesa do consumidor; (c) sujeito ativo: somente os ofertantes por meio de pessoas jurídicas que às administram ou gerenciam e oferecerem produtos ao mercado; (d) tipo objetivo: acordo, ajuste ou convenio com qualquer das finalidades previstas nas alíneas; (e) na alínea a há o fim especial de gerar fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas – trata-se de produtos que tenham impacto na economia, e.g., os derivados do petróleo; (f) na alínea b há o fim especial de realizar controle regionalizado por meio de uma empresa ou grupo de empresas prejudicando a livre iniciativa e livre concorrência regionais; (g) na alínea c há o fim especial de causar prejuízo à concorrência por meio de controle de rede de distribuição ou de fornecedores; (g) o dolo é sempre específico; (h) crime de perigo e formal – basta o acordo, convênio ou ajuste com a possibilidade de causar a lesão, de modo que a efetiva lesão é tão somente o exaurimento. (DELMANTO; DELMANTO JR., DELMANTO, 2006, p. 294-310; PRADO, 2009, p. 37-71; TASSE, 2009, p. 840-850).

2 O COMBATE AOS CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA: órgãos competentes e principais demandas e especificidades no Estado do Maranhão

  1. 1 Âmbito administrativo

A Lei n.º 12.529/11 conferiu ao CADE novas possibilidades de atuação junto ao Ministério Público Federal. Dispõe a legislação atual (12.529/11) dispõe que:

 Art. 20: O Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior, designará membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, emitir  parecer, nos processos administrativos para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, de ofício ou a requerimento do Conselheiro-Relator.

Importante destacar que as palavras “requisitar” e principalmente “determinar” devem aqui ser vistas com um olhar crítico, pois o MP possui independência e autonomia funcional, não estando adstrito a nenhuma requisição e muito menos determinação de órgãos administrativos como o CADE. (VELLOSO, 2009).

Portanto, tem-se como novidade trazida pela legislação acima mencionada que o MPF pode, agora, emitir parecer, tanto de ofício como a requerimento do Conselheiro-Relator do CADE, o que não era disciplinado pela lei 8.884/94, nessa antiga lei não estava previsto a atuação de ofício do membro do MPF.

O CADE também está efetivando a proibição da participação de pessoas físicas e jurídicas envolvidas em crimes contra a livre concorrência nas licitações realizadas pelo setor público. Ademais, a Lei nº 12.529/11 prevê outras sanções aos condenados por infração à concorrência no âmbito administrativo, tais como a publicação da decisão em jornal de grande circulação a expensas do infrator; a proibição ao infrator de participação em licitações e de obtenção de financiamentos de bancos oficiais por até cinco anos; e a recomendação para que os órgãos públicos competentes não concedam aos infratores o parcelamento de tributos federais por eles devidos ou cancelem incentivos fiscais ou subsídios públicos. Por exemplo, no caso do cartel dos vigilantes. (VELLOSO,2009)

Além disso, o CADE tem demonstrado, em várias ocasiões, o seu comprometimento com a punição severa dos cartéis. Um exemplo importante foi o caso do cartel das britas, em que o Conselho multou em 2005 as empresas representadas em quantias que variaram entre 15 e 20% do respectivo faturamento bruto no ano anterior ao da instauração do processo. Destaca-se a aplicação das multas em crescentes percentuais – de 1% do faturamento bruto aplicado à primeira condenação de cartel (cartel do aço, condenação de 1999) até 22,5% do faturamento bruto aplicado ao cartel de extração da areia, condenado em 2008. (VELLOSO, 2009).

O SED possui estratégia de focar os seus recursos disponíveis no combate a cartéis e tem permitido o desmantelamento de cartéis com grande impacto para a economia brasileira. Alguns elementos são indicativos desse fato: aproximadamente 15 acordos de leniência foram assinados desde 2003, e outros estão sendo negociados atualmente, inclusive com membros de cartéis internacionais. Como reflexo disso, o número de mandados de busca e apreensão para obter provas de cartéis tem aumentado significativamente: de 2003 a 2006, 30 mandados foram cumpridos, em 2007, 84 mandados foram cumpridos, e, em 2008, 93 mandados foram cumpridos. (VELLOSO, 2009).

 

  1. 2 Âmbito Penal

 

No âmbito penal, a competência para julgar os crimes contra a ordem econômica é da justiça estadual e somente nos casos que envolverem a União ou situação de abrangência nacional é que será competência da Justiça Federal (FILOMENO, 2007, p. 246-253). A jurisprudência dos tribunais pátrios também têm se manifestado neste sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. SUPOSTA FORMAÇÃO DE CARTEL E COBRANÇA DE PREÇOS ABUSIVOS NO TRANSPORTE DE CARROS NOVOS. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO DIRETO A INTERESSES, SERVIÇOS E BENS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. QUESTÃO DE ORDEM SUSCITADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. MANIFESTAÇÃO EXTEMPORÂNEA. INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE NO JULGAMENTO DO WRIT. DESACOLHIMENTO. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA A ESTADUAL. INVALIDAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS NO INQUÉRITO POLICIAL. INOCORRÊNCIA. PLEITO DE REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO ESTADUAL DE SÃO BERNARDO DO CAMPO. INOVAÇÃO RECURSAL.IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] (STJ - AgRg no HC: 166909 RS 2010/0053715-6, Relator: Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), Data de Julgamento: 19/05/2011, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/06/2011) (Negrito Nosso)

No mesmo diapasão, o Ministério Público responsável será o do âmbito do julgamento – se da Justiça Federal o MPF; se Estadual o MPE.

No caso de competência estadual, o processo será julgado na justiça comum, tendo em vista que as alterações trazidas pela Lei n.º 12.529/11 não deixam mais a pena de multa como alternativa, mais sim como complementar. Deste modo, o argumento de que a competência será do juizado especial criminal em razão da possibilidade de escolher entre pena de reclusão ou multa (DELMANTO; DELMANTO JR.; DELMANTO, 2006, p. 294-297) não é mais válido.

2.3 Combate aos crimes contra a ordem econômica no Estado do Maranhão

Para demonstrar alguns aspectos do combate aos crimes contra ordem econômica no âmbito estadual, é importante conhecer um pouco da estrutura presente. Para isto, o estado brasileiro delimitado para breve verificação foi o Estado do Maranhão, especificamente na capital São Luís.

Neste âmbito territorial a delegacia competente para abrir inquérito policial e investigar os crimes contra a ordem econômica de competência estadual é a Delegacia Estadual de Investigação Criminal (DEIC). Tal delegacia está localizada São Francisco.

Na justiça estadual, na comarca de São Luís, as varas competentes para julgar os crimes contra a ordem econômica são às Varas Criminais.

Não existe órgão do Ministério Público responsável especificamente para atuar nos processos de crimes contra a ordem econômica.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em pesquisa ao site de consulta de jurisprudência Jurisconsult[6], utilizando a chave de pesquisa “crime ordem econômica”, são apresentados 28 resultados, dos quais 25 tratam de matérias penais diferentes e apenas três acerca de crime contra a ordem econômica. São esses os recursos de nº 2505/2008; 15645/2008 e 22746/2010. Os dois primeiros tratam de condutas relacionadas à comercialização de combustíveis e derivados do petróleo e o último de desconto acima da margem oficialmente permitida por uma rede de farmácias no Maranhão. Será realizada análise destes processos no capítulo seguinte.

3 (In)Eficácia do combate aos crimes contra a ordem econômica no Estado do Maranhão

Antes de tratar sobre eficácia dos crimes contra ordem econômica é importante entender um pouco sobre os “crimes do colarinho branco”.

O termo “crime do colarinho branco” (White-Collar Crime) surgiu em 1939 durante um discurso dado por Edwin Sutherland, a American Sociological Association. Sutherland definiu o termo como o crime cometido por uma pessoa de respeitabilidade e elevado estatuto social, status socioeconômico, no curso de sua ocupação, ocorrendo, quase sempre, uma violação de confiança. (FRANCO, 2014).

Embora haja algum debate a respeito de o que qualifica um crime do colarinho branco, o termo abrange geralmente os crimes sem violência cometidos geralmente em situações comerciais para ganho financeiro. Por serem crimes cometidos por pessoa de elevado estatuto social existe uma impressão hodierna de impunidade do infrator frente ao sistema penal, que parece selecionar as pessoas e não as ações. As penalidades para as ofensas do crime de colarinho branco incluem multas, a restituição, o aprisionamento, etc. Entretanto, estas sanções podem ser diminuídas se o réu ajudar às autoridades em sua investigação.

A maior demonstração da influência do sistema de classes no processo de criminalização, se apresenta na própria população carcerária, onde é a seletividade do sistema penal. Pois tem a impressão de que o agente que possui maior poder financeiro são pessoas socializadas. Quando na verdade o agente socializado não é aquele que possui melhor condição social-financeira, mas sim aquele que está apto a seguir regras, que se enquadra no direito, independente de raça ou classe social (CASTRO, 1981).

O sistema penal acaba sendo utilizado para agravar ainda mais as diferenças de classe:

                                         

O sistema penal está umbilicalmente ligado ao sistema social e econômico. É um instrumento do sistema de classes e funciona de acordo com os valores que o sistema dominante socioeconômico e político defende e quer ver intocável. Como exemplo da defesa dos interesses da classe dominante toma-se a conduta do trabalhador que subtrai para si pequena parcela do que produz para o seu empregador e que é considerado, pela legislação, como crime de furto. Por outro lado, a conduta do empregador que não paga ao trabalhador o salário acordado nem por isso é punido, por falta de previsão legal. (FRANCO, 2014).

No mesmo sentido, Cláudia Cruz Santos (2004) alerta que:

[...] mesmo nos casos em que a notícia do crime do colarinho branco chega ao conhecimento da polícia, pode não se verificar o empenho necessário à conveniente investigação. A complexidade das infrações, os custos da investigação e, sobretudo, a valoração feita pela própria polícia quanto à menor gravidade da conduta são fatores que não incentivam uma intervenção efetiva. E é neste momento que funcionam os próprios preconceitos dos policiais: numa conjuntura de insuficiência dos recursos face ao número de casos a investigar, há que fazer escolhas; as representações dominantes sobre os crimes mais perniciosos para a comunidade e sobre os agentes nos crimes comuns que têm maior visibilidade.

Com a declaração acima, verificamos que muitas vezes os agentes envolvidos na investigação e punição dos crimes do “colarinho branco” agem com seletividade de classe, não se empenhando o suficiente, como fazem nos demais delitos.

Contudo, a lesividade dos crimes de colarinho branco é muitas vezes superior aos dos “crimes comuns”, tendo em vista a extensão e amplitude que tais práticas costumam atingir, mas a sociedade ainda cultiva uma cultura de exclusão, usando o direito penal como um garante disto.

Considerando que os crimes contra a ordem econômica se inserem nesse tipo de crime é importante notar se o julgamento dos crimes contra a ordem econômica encontrados na jurisprudência do Estado do Maranhão confirmam isto. Conforme já relatado, foram encontrados 3 processos na jurisprudência no TJMA que versam sobre os crimes aqui tratados: recursos de nº 2505/2008; 15645/2008 e 22746/2010.

O primeiro recurso (2505/2008) é um Agravo de Instrumento que buscou derrubar uma tutela antecipada dada num processo proveniente da comarca de Imperatriz. Os agravantes foram as farmácias Empreendimentos Pague Menos S/A, Farmácias Pague Menos e Distribuidora Big Benn LTDA - Drogaria Big Benn e agravado a Associação dos Farmacistas de Caxias-MA. A decisão do juiz a quo determinou a cessação de descontos acima da margem de custo dos medicamentos (segundo uma tabela de preços padrão) por suposta tentativa de dominar o mercado regional com tal prática e no tribunal, prejudicando a concorrência. Entretanto o agravo foi provido e a tutela derrubada pelo Tribunal, que entendeu se tratar de mero exercício da livre concorrência assegurada constitucionalmente.

Nota-se que a conduta que se buscou enquadrar as farmácias pode ser inserida no artigo 4º, II, c, da Lei 8.137/90. Como tal crime tem como bem tutelado a ordem financeira com ênfase na defesa do consumidor, não houve no caso específico prejuízo a uma classe social vulnerável. A discussão se travou somente no sentido da livre concorrência e liberdade de determinar os preços de acordo com a possibilidade fática de cada um. A decisão foi em favor das empresas mais não houve prejuízo social relevante que se possa vislumbrar. Na realidade, a manutenção descontos acima da tabela favoreceu aos consumidores.

O segundo recurso (15645/2008) é um Habeas Corpus com fim de trancar ação penal contra cinco pessoas acusadas de adulterar combustível, lesando a ordem econômica e aos consumidores. Destes cinco, três firmaram acordo com o Ministério Público para doarem 4.500 (quatro mil e quinhentas) cestas básicas e por este motivo não foi oferecida a denúncia contra os mesmos. Quanto aos outros dois, o habeas corpus para trancamento da ação penal foi negado por não haver nenhum dos vícios alegados.

Neste caso já é possível notar a influência do poder econômico na atuação do poder punitivo estatal. Apesar da ação penal contra dois dos acusados não ter sido trancada, a qualquer momento estes podem, assim como os outros três, realizar transação penal para pagamento de algum valor pecuniário ou equivalente. Neste caso os consumidores têm grande probabilidade de terem sido lesados – ao utilizar combustível adulterado –, não tiveram nenhum tido de reparação, enquanto os possíveis criminosos tiveram possibilidade de escapar até mesmo de um processo penal em função de seu poder aquisitivo. Enquanto isto, pequenos danos ao patrimônio não possuem a mesma possibilidade.

O terceiro recurso (22746/2010) é um Habeas Corpus impetrado em favor de Roberto Tavares da Silva e Keyla Trindade Tavares, que são acusados de crime contra a ordem econômica ligado ao comercio de combustíveis. A denúncia se pautou no artigo 1º, I, da Lei n.º 8.176/1991 (que também trata sobre crimes contra a ordem econômica). Entretanto, apesar do Ministério Público ter juntado aos autos diversas provas da tipicidade, ilicitude e culpabilidade das condutas, o habeas corpus foi concedido e a ação penal trancada sob a fundamentação de que o dispositivo penal utilizado no embasamento da denúncia é uma norma penal em branco e que não foi devidamente complementada. Assim, a denúncia foi considerada inepta e a ação penal encerrada.

Interessante notar que Roberto Tavares da Silva, segundo consta no Diário Oficial do Estado do Maranhão de 14 de agosto de 2013, pag. 14, exercia cargo administrativo ligado a prefeitura municipal do município de Matinha – MA e Keyla Trindade Tavares, segundo o site Radar Oficial[7], por meio da pessoa jurídica Transoleo Comercio e Serviços LTDA, por meio de apenas um contrato no valor de 95.960,00 (noventa e cinco mil, novecentos e sessenta reais), firmou compromisso de fornecer combustível para abastecimento dos veículos pertencentes a Rede Municipal de Saúde do município de Tuntum – MA. Esses são apenas alguns fatos que visam demonstrar o nível social e meio de atuação dos sujeitos que tiveram a ação penal trancada: pessoas ligadas ao meio político e que lidam diretamente com a administração pública de municípios maranhenses e bens essenciais à população.

Neste último recurso fica evidente a grande dificuldade que há para prosseguir com uma ação e punir de alguma forma os crimes contra a ordem econômica.

Destarte, a falta de efetividade destacada por muitos nos “crimes de colarinho branco” também pode ser constatada no Estado do Maranhão segundo a breve pesquisa aqui realizada tomando como base os processos já julgados pelo TJMA.

CONCLUSÃO

Percebe-se após todas estas considerações que, apesar da grande relevância social da proteção da ordem econômica, a defesa da ordem econômica no âmbito penal não possui grande eficácia.

Um dos motivos que leva a isto é a classe social a qual pertencem os agentes que cometem tais condutas. Assim como os outros “crimes do colarinho branco”, a punição é a exceção e a impunidade a regra. Assim, o direito penal ainda funciona como instrumento de exclusão, pois acaba por ser mais severo contra crimes cometidos por sujeitos excluídos socialmente.

Pela breve análise dos julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, nota-se que a realidade estadual não difere da nacional, e a ineficácia pode ser constatada tanto pelo baixo número de processos, quanto pelos julgamentos realizados nos que chegam até a 2ª instância.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

CASTRO, Lola Aniyar de. Sistema Penal e Sistema Social: A criminalização e a descriminalização como funções de um mesmo processo. Revista de Direito penal, p. 12, Rio de Janeiro, Forense, nº 29, 1981.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Crimes contra a Ordem Econômica e as Relações de Consumo: Conflitos entre Ministério Público Federal e Ministérios Públicos Estaduais. Revista Justitia. São Paulo, v. 64, jul./dez., 2007. P. 237- 254. Disponível em: <http://www.revistajustitia.com.br/revistas/73zx29.pdf>. Acesso em: 27 agosto 2014.

FRANCO, Rodrigo Strini. Criminalidade do colarinho branco como fonte de desigualdade no controle penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, 1 maio 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4042>. Acesso em: 1 nov. 2014

PALHARES, Cinthia Rodrigues Menescal. Aspetos políticos criminais das sanções. In: PALHARES, Artur de Brito Gueiros. INOVAÇÕES NO DIREITO PENAL ECONÔMICO. Brasília: ESMPU, 2011.

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

SANTOS, Cláudia Cruz. White Collar Crime e Justiça Penal – Aula do curso de especialização em Direito Penal Econômico Internacional (São Paulo 02 e 03 de setembro de 2004), auditório da Apamagis.

VELLOSO, Renato Ribeiro. Direito Penal Especial: Crimes contra a ordem econômica. São Paulo, RBE, 2009.

TASSE, Adel El. Ordem Tributária, Ordem Econômica e Relações de Consumo – Lei 8.137, 27.12.1990. In: GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches (Coord.). Legislação Criminal Especial. Coleção Ciências Criminais. v. 6. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

Teoria Geral do Delito pelo Colarinho Branco. Crimes do Colarinho Branco. Disponível em: <http://www.crimesdocolarinhobranco.adv.br/pdf.php?D>. Acesso em: 27 agosto 2014.

 

[1] 2º Check do Paper institucional apresentado à disciplina Direito Penal Especial III da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 6º período norturno do Curso de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[3] Aluno do 6º período norturno do Curso de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[4] Aluno do 6º período noturno do Curso de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[5] Professora, orientadora.

[6] http://jurisconsult.tjma.jus.br

[7] Vide: www.radaroficial.com.br/d/5259976570306560