O que se propõe, é a busca analítica dos pontos cruciais envolvidos, evidenciando sua aplicação de forma sistêmica e seus efeitos, a fim de constatar os óbices e virtudes dos institutos aqui analisados.

 

1.1.        SÚMULA OBSTATIVA DE RECURSO

 

 

Cabível a análise primordial da súmula obstativa de recurso, uma vez que, até então, é a única a estar positivada em nosso ordenamento jurídico e com efetiva aplicação.

Sua aplicação está disciplinada pelos artigos 518, § 1º, e 557, caput, do Código de Processo Civil, os quais dispõem:

“Art. 518, §1º. O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.”

“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.”

Trazida ao ordenamento jurídico brasileiro com base nos precedentes da Common Law, a súmula obstativa possui o condão de obstar o recebimento ou negar o seguimento do recurso de apelação que estiver em confronto com súmula do Superior Tribunal de Justiça  ou do Supremo Tribunal Federal.

Nota-se que o artigo 518, § 1º, trata especificamente do juízo de admissibilidade exercido pelo Juiz em primeiro grau, enquanto o artigo 557 refere-se ao juízo de admissibilidade a quo, feito pelo Relator do recurso, após remessa dos autos ao Tribunal de Justiça.

Temos aqui, portanto, para um mesmo recurso interposto, duas oportunidades em que a ele pode ser negado seguimento em razão da existência de súmula que obste o seu curso normal e, sequer será analisado seu mérito – de forma efetiva.

Cabe mencionar ainda que o artigo 557 também confere poderes de obstáculo à jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, contudo este ponto não carece de análise mais apurada, visto que este demonstra-se antecessor lógico das súmulas e, desse modo, se questionável a aplicação desta, muito mais daquela.

Já em relação à denominação adotada cumpre destacar que conforme extrai-se da leitura dos artigos supramencionados, a súmula obstativa de recurso, não impede a propositura do recurso, ou mais especificamente da apelação de acordo com o disposto no §1º do artigo 518, mas, tão somente, prejudica o seu recebimento, tanto em um juízo de admissibilidade ad quem, quanto a quo.

Daí a conclusão de que a nomenclatura súmula impeditiva de recurso é inadequada para as disposições dos artigos 518, § 1º, e 557 do Código de Processo Civil.

Apesar de usualmente serem adotadas as duas denominações (obstativa e impeditiva) para a súmula que somente obsta o recebimento do recurso, mais prudente e, inclusive para efeitos didáticos do estudo que neste momento propõe-se, mais adequada a manutenção da denominação: súmula obstativa de recurso, para o instituto tratado neste tópico.

Analisando do ponto de vista prático, nota-se que a súmula obstativa, inclusive, ao contrário que se possa pensar, atenta contra a celeridade processual, bem como desvincula o processo da efetiva prestação jurisdicional. Neste sentido, é possível destacar a colocação de Marina Freitas do Nascimento:

“Para percorrer o caminho até o pronunciamento do órgão colegiado do tribunal, deverá a parte apelar contra a sentença, agravar contra a decisão proferida pelo juiz com base no Art. 518, §1º, e interpor agravo interno contra a decisão monocrática proferida pelo relator do recurso. Substitui-se, assim, um recurso (a apelação) por três (a apelação e dois agravos), para se chegar a um mesmo destino, o que onera a parte com mais custas processuais, o que contraria o princípio econômico, formulado por Mancini ainda no século XIX, segundo o qual a lide não deve ser alvo de custas ou impostos pesados, cuja, despesa torne a justiça acessível somente a alguns cidadãos privilegiados pela riqueza.”[1]

Portanto, apesar de se tratar de súmula puramente obstativa, ou seja, que possui o condão de obstar o seguimento do recurso, o que se verifica de fato, é a sua inocuidade, pois esgotam-se os meios para que este seja analisado em seus fundamentos e as chances do seu recebimento são mínimas, senão inexistentes.

Por outro ângulo, importante a colocação de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, quando comentam o artigo 518, §1º, do Código de Processo Civil e trazem à baila a Exposição de motivos do Ministro da Justiça quanto à sua inserção:

8. Exposição de motivos do Ministro da Justiça. Relativamente à inserção do CPC 518 § 1.º, assim se posicionou o Ministro da justiça, Márcio Thomaz Bastos, quando enviado o Projeto de Lei do Executivo ao Congresso Nacional: “...5. O anteprojeto igualmente altera o art. 518 do CPC, e de maneira a inserir em seu § 1.º a previsão do não recebimento, pelo juiz, do recurso de apelação, quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. 6. Trata-se, portanto, de uma adequação salutar que contribuirá para a redução do número excessivo de impugnações sem possibilidade de êxito”. O projeto de lei iniciou-se na Câmara dos Deputados (PL 4724/04), onde o relator, Dep. Inaldo Leitão, deu parecer favorável afirmando: “É preciso atentar para a recente publicação da já mencionada súmula vinculante, acrescentando o art. 103-A à Constituição da República. Ademais, na parte que retornou à Câmara (PEC 358, de 2005), tem-se a previsão da súmula impeditiva de recursos para o Superior Tribunal de justiça e para o Tribunal superior do Trabalho. Nota-se, pois, que o não recebimento da apelação contra a sentença em consonância com súmulas dos Tribunais Superiores representa, a nosso sentir, uma medida condizente com a adoção da súmula vinculante, não há sentido em permitir o processamento de recurso contrário ao entendimento fixado por aquela. Ainda que assim não o fosse, tal conduta do magistrado apenas anteciparia o provimento que fatalmente viria a ser tomado pelo relator do recurso, o qual, com base no artigo 557 do CPC já está autorizado a negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou do Tribunal Superior. De qualquer modo, caso o magistrado incorra em equívoco ao considerar sua decisão adequada ao entendimento refletido pela Súmula, restará à parte a via do agravo de instrumento contra a decisão que não conhecer de sua apelação, nos termos do art. 523, § 4.º, in fine, do Código de Processo Civil.”[2]

De interesse ressaltar o trecho no qual o Ministro da Justiça, à época, afirma que a implantação da súmula obstativa de recurso trata-se de uma adequação salutar e uma contribuição para a redução do número de impugnações sem possibilidade de êxito.

Por fim, sem grandes entusiasmos, é de se repugnar tal colocação somente pela alusão ao trecho: possibilidade de êxito. Nada mais inadequado que a inadmissão de determinado recurso que, por meio de uma análise sumária, não possui possibilidade de êxito, como se todas as situações fáticas envolvidas fossem exatamente idênticas e se enquadrassem perfeitamente ao disposto em determinada súmula, em nome da redução do número de impugnações direcionadas aos Tribunais.

1.2.        SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO

 

Neste momento, oportuno tratar da, aqui denominada, súmula impeditiva de recurso.

Suas peculiaridades são extraídas da Proposta de Emenda Constitucional n.º 358/2005 que, em suma, propõe a alteração do texto constitucional no sentido de impedir a interposição de quaisquer recursos que pretendam revisão de matéria da qual já houver súmula em desacordo que tenha sido editada pelo Superior Tribunal de Justiça mediante 2/3 de seus membros.

Apresentada aos 10 de janeiro de 2005, a PEC n.º 358/2005, de autoria da Comissão de Constituição de justiça do Senado Federal, traz, dentre outras alterações, o acréscimo do artigo 105-A no texto constitucional com a seguinte construção:

“Art. 105-A. O Superior Tribunal de Justiça poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria, aprovar súmula que, a partir de sua publicação, constituir-se-á em impedimento à interposição de quaisquer recursos contra a decisão que a houver aplicado, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada originariamente perante o Superior Tribunal de Justiça por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º São insuscetíveis de recurso e de quaisquer meios de impugnação e incidentes as decisões judiciais, em qualquer instância, que dêem a tratado ou lei federal a interpretação determinada pela súmula impeditiva de recurso.”

Da simples leitura do texto colacionado acima se extrai que a súmula para a qual se pretende conferir o condão da intangibilidade, quando tratar de interpretação de tratado ou lei federal, tem caráter puramente impeditivo.

Isto porque, conforme dito, as decisões judiciais que dessem a tratado ou lei federal a interpretação determinada pela súmula, tornar-se-iam insuscetíveis de todo e qualquer recurso ou meio de impugnação e daí a conclusão pelo seu caráter impeditivo, de fato, não obstante, por óbvio, a colocação expressa da nomenclatura súmula impeditiva de recurso no texto da Proposta de Emenda Constitucional supra.

Assim, não há que se discutir a nomenclatura adotada, visto que tal súmula constituir-se-ia real impedimento à interposição de qualquer recurso contra a decisão que tiver a observado.

Quanto ao seu processamento, destaca-se o que preleciona Alexia Brotto:

“Pelo texto do projeto, quando a petição inicial for distribuída e o juiz verificar que o objeto da demanda já está sumulado no STJ ou STF ou também no TST, reconhecendo que a parte não tem direito, deverá dispensar a citação e proferir sentença de total improcedência, sendo tal decisão irrecorrível, inclusive obstando a impetração de mandado de segurança ou qualquer outro meio de impugnação.”[3]

Pois bem. Verifica-se que diante da aplicação da súmula impeditiva de recurso, o juiz proferirá sentença de total improcedência de plano, antes mesmo que haja citação do réu, nos termos do artigo 285-A do Código de Processo Civil.

Desse modo, vê-se tal instituto como elemento mais agressivo que a súmula obstativa de recurso. Neste caso, ao invés de se tratar de uma situação na qual é negado seguimento ao recurso, fala-se em impedimento real e definitivo da apreciação da impugnação.

1.3.        SÚMULA COMO PRESSUPOSTO PROCESSUAL NEGATIVO

Por fim, pertinente enfrentar o terceiro, mas não menos importante, elemento ao qual se propõe a análise: a súmula como pressuposto processual negativo.

Surge a partir do Projeto de Lei n.º 7088/2006, de autoria do Senador Pedro Simon, filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, que teve sua apresentação aos 18 de maio de 2006 e atualmente encontra-se apensado ao Projeto de Lei n.º 6025/2005.

Dentre outras providências, este projeto de lei propõe a alteração dos artigos 267, 269 e 295 do Código de Processo Civil, ampliando as hipóteses de indeferimento da petição inicial.

As alterações propostas objetivam conferir ao Juiz o poder de indeferir a petição inicial quando esta contrariar, em matéria unicamente de direito, súmula do Supremo Tribunal Federal.

Referida súmula teria, portanto, o condão de possibilitar o indeferimento da petição inicial, tão somente por contrariá-la, em matéria unicamente de direito, funcionando, assim, como pressuposto processual negativo da ação.

Neste momento, importante relembrar a conceituação dos pressupostos processuais negativos, por meio da ilustre elucidação feita por Andrea Caraciola:

“Enquanto os pressupostos processuais de existência e de validade se caracterizam por serem pressupostos positivos e intrínsecos ao processo, os pressupostos processuais negativos, por sua vez, são extrínsecos ao processo: correspondem a certos acontecimentos que não se devem fazer presentes na relação processual, sob pena de extinção do processo nos termos do CPC 267.

No que toca a esta última classe de pressupostos processuais, impõe-se catalogar os vícios de litispendência, perempção e coisa julgada, não obstante parte da doutrina sistematize tais pressupostos negativos de forma a incluir a este rol a convenção de arbitragem.”[4]

Não restam dúvidas, portanto, quanto ao conceito de pressuposto processual negativo. É, por essência, impeditivo para a propositura da ação.

Destaque-se por oportuno, a fim de constatar a devida conceituação da súmula que neste tópico se apresenta, a proposta de alteração trazida pelo Projeto de Lei n.º 7088 de 2006:

Art. 1º O inciso I do art. 267 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil:

‘Art. 267. ...........................................................................................

I – quando o juiz indeferir a petição inicial, salvo na hipótese do

§ 1º do art. 295;

..................................................................................................’ (NR)

Art. 2º O inciso I do art. 269 da Lei nº 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 269. ...........................................................................................

I – quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor, ou ainda quando indeferir a petição inicial com fundamento no § 1º do art. 295;

..................................................................................................’ (NR)

Art. 3º O art. 295 da Lei nº 5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescido do seguinte § 1º, renumerando-se o atual parágrafo único como § 2º:

‘Art. 295. ...........................................................................................

...........................................................................................................

§ 1º Poderá, ainda, o juiz indeferir a petição inicial quando esta contrariar, em matéria unicamente de direito, súmula do Supremo Tribunal Federal.

..................................................................................................’ (NR)”

Assim, ao verificar os termos do proposto acima, evidente a regularidade no enquadramento desta súmula como pressuposto processual negativo, ao lado da litispendência, perempção e da coisa julgada.

Isto porque, a aplicação da súmula como pressuposto processual negativo, que dar-se-ia pelo indeferimento da petição inicial que se mostrar àquela contrária,  ensejaria o julgamento da lide com resolução de mérito, nos termos do artigo 269 do Código de Processo Civil.

Ora, embora de difícil visualização, é possível observar que, ao tratar de uma hipótese de julgamento da lide com resolução de mérito, na verdade o que se tem é um julgamento sem resolução de mérito, pois, de fato, as razões de mérito não serão vislumbradas. A cognição aqui é sumária, e tão possui caráter analítico relativo ao mérito, suficiente para determinar o julgamento com sua resolução.

No mais, não há de se falar em inexistência de inovação perante a introdução do artigo 285-A ao código de Processo Civil, uma vês que tratam-se de situações diversas. O pedido que contraria súmula não pode ser indeferido de plano com base no artigo 285-A, uma vez que exige o julgamento anterior pelo mesmo juízo de ações similares, enquanto no caso da súmula como pressuposto processual negativo, não há necessidade de decisões similares no mesmo juízo e, inclusive, não se fala aqui, de improcedência da ação, mas sim, como visto, indeferimento da petição inicial.



[1] WAMBIER, WABIER e MEDINA apud NASCIMENTO, Marina Freitas do. Súmula impeditiva de recurso e a celeridade processual. BDJur. Brasília. 4 de maio de 2009. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/20986. Acesso em 12 de fevereiro de 2013.

[2] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagente. 11 ed. rev., ampl. e atual. até 17.2.2010. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 900

[3] BROTTO, Alexia. O Princípio do Acesso á Justiça e as Súmulas no Sistema Brasileiro: um bosquejo sobre o instituto da súmula impeditiva e obstativa de recurso como garantia de celeridade e minimização do tempo do processo. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 12 de fevereiro de 2008. Disponível em: <http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/4880/O_Principio_do_Acesso_a_Justica_e_as_Sumulas_no_Sistema_Recursal_BrasileiroUmBosquejo_sobre_o_Instituto_da_Sumula_Impeditiva_e_Obstativa_de_Recurso_como_Garantia_de_Celeridade_e_Minimizacao_do_Tempo_do_Proce>. Acesso em: 13 de março de 2012.

[4] CARVALHO, Milton Paulo de; ASSIS, Carlos Augusto de; CARACIOLA, Andrea Boari e DELLORE, Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 242