Mudança de planos:
 

Por volta das vinte horas cheguei em Florianópolis e fui direto para a Corregedoria.  Lembrei que tinha dito para Marilisa que iria permanecer no final de semana em São Francisco do Sul. Pensei em montar uma estratégia para ver se conseguia conversar com ela, era importante. Imaginei, então, que se ligasse para ela por meio do telefone da Corregedoria para o seu celular ela iria atender porque pensaria ser alguém do órgão. Na primeira ligação para o seu celular constatei que continuava fora de área ou desligado. Resolvi esperar um pouco na minha sala até que ouvi o telefone tocar na “central”, no primeiro andar. Pensei: “É ela, viu a chamada no seu celular  e ligou preocupada, vou ligar de novo e ela  agora vai atender, quer ver?”. Não deu outra, dito e feito, disquei o número do seu celular (99740836) por meio do telefone fixo da Corregedoria (32250002) e ela me atendeu:

- “Alô?”

Respondi:

- “Marilisa, sou eu, Felipe”.

Marilisa respondeu surpresa (antes me atendia feliz, solícita, agora era uma resposta que não escondia um conteúdo de tensão, como se quisesse me evitar, e ouvi do outro lado ela dizer:

- “Ué, não irias ficar no final de semana lá em São Francisco?”

Procurei ser direto e lacônico na resposta:

- “Não. Não estava me sentindo bem e resolvi vir para Florianópolis. Vou passar a semana que vem toda por aqui...”.

Marilisa respondeu meio que evasiva:

- “Ahã. Vi a chamada da ‘Corregedoria’ e me preocupei, achei que poderia ser alguma coisa...”.

Pensei:

- “Sim, foi por isso que liguei daqui, e você só atendeu a ligação por isso...”.

Depois do silêncio que se seguiu, fui direto ao assunto:

- “Marilisa eu queria te pedir desculpas por alguma coisa que fiz ou deixei de fazer, que disse durante a nossa viagem. Ah, também, queria te pedir desculpas pela forma como me despedi hoje lá quando deixei vocês na ‘Regional’. Eu na verdade queria te dar um beijo, um abraço de despedida, mas não estava legal...”.

Marilisa interrompeu:

- “Que é isso, nem notei. Além do mais tu estavas com dor de cabeça, lembra? Tu desde manhã dissestes que levantasse com dor de cabeça...”.

Interrompi:

- “Ah, sim, acho que foi aquele Chopp de ontem a noite, lembra?”

Marilisa:

- “Ah, sim, o chopp, é verdade”.

Continuei:

- “Mas tu sabes que eu gosto muito de ti. Sou muito sensível.... Então fiquei pensando depois sobre tudo e achei que poderia ter feito algo que não deveria...”.

Marilisa:

- “Não. Que é isso?  Não me deixa preocupada, que nada. Está tudo bem. Vou jantar com meu filho agora. Vamos sair para jantar...”.

Interrompi:

- “Que bom. Fico feliz que esteja tudo bem. Sabes que eu gosto muito de ti, e como me considero muito sensível, de repente por isso é que me preocupei, mas agora fico mais tranqüilo porque sei que está tudo muito bem”.

Marilisa:

- “Ah, sim, não te preocupes, podes ficar tranqüilo”.

Conclui dizendo:

- “Uma boa janta e então tá, fica no meu coração que eu fico no teu, tchal!”.

Marilisa:

- “Tchal!”.

Memórias para a eternidade e os milagres que sempre acontecem:

Ficou como lembrança a foto de Marilisa, seu sorriso, o seu melhor daqueles nossos momentos de proximidades, do que nunca mais será como antes... e, talvez, não foi. Acreditei que Marilisa nunca iria saber a verdade e acabei lembrando como tudo começou. Primeiramente, aquele encontro na época do Secretário Carvalhinho em 1999, depois em 2004, nosso segundo encontro na Delegacia Regional de Joinville, ela toda de preto (calça e jaqueta de tecido). Depois entendi que aquele seu jeito cativante, seu sorriso, sua meiguice...,  na verdade fez despertar em mim o interesse em interagir e estabelecer uma relação que transcendesse o cotidiano das relações profissionais, policiais... Posteriormente, ainda no verão daquele ano, o convite que ela me fez para ir (num sábado) até a casa de praia na praia da Enseada (São Francisco), quando fiquei esperando por ela até por volta das vinte e três horas. Depois de esperar por mais de duas horas (das vinte e uma às vinte e três), resolvi ligar no seu celular e consegui localizá-la, disfarçando ou simplesmente tendo esquecido o convite (hoje duvido que ela seja capaz de esquecer certas coisas, começo a entender um pouco o que Alves havia me confidenciado que ela seria muita “esperta” ou que usava certas táticas para se relacionar com pessoas, como ela mesma se referiu quando disse que preferia trabalhar com homens...), ou ainda por indiferença mesmo (na minha opinião ela era habilidosa como forma de se relacionar e sobreviver, sincera e “animada”). Naquela ocasião do convite para ir na sua casa de praia, lembrei que ela me avisou que estava na companhia de uma amiga e que juntas tinham ido passear, quase que esquecendo do nosso compromisso. Surpreso, argumentei que devido ao adiantado da hora e porque já estava numa pizzaria jantando, seu convite ficaria para uma outra oportunidade.  Pensei também nas visitas que fiz à Sexta DP/Joinville, aproveitando para visitar Marilisa e sempre fui bem recebido, talvez uma das suas formas de externar prestígio, importância e ao mesmo tempo de interagir com seus superiores (no meu caso em razão da condição de “Corregedor”). Demorei a entender que o que pesava mesmo era a visita do “Corregedor”, não da pessoa que buscava “construir” para fins de ampliar a união para projetos, criar laços de afinidades, fortalecer vínculos indestrutíveis, planejar metas institucionais a partir da formação de um bloco histórico....  Era como se estivesse cego, achando que o que importava era a minha presença, como se estivéssemos caminhando pela cidade, sentados num bar,  olhando o mar,  assistindo a um filme... Ledo engano, a minha presença na Sexta DP de Joinville infundia uma forma de poder, um comando, domínio, além de uma questão que poderia despertar “egos”..., e tudo isso não me tocava em nada.  Sim, talvez minha intuição estivesse certa e lembrei quando Marilisa um dia me indagou:

- “Quantos ‘corações’ tu já não deixasse arrasado nesta vida, heim?” 

Aquilo martelou minha cabeça durante certo tempo porque jamais me vi assim, jamais quis isso, sempre procurei respeitar os sentimentos cativados. Acabei concluindo que realmente um dos maiores defeitos de Marilisa talvez fosse o seu “orgulho” aliado a “cegueira” para tudo o que tentei em vão demonstrar, algo que vinha de dentro, o que poderia explicar a forma como tratava nossa relação, ou seja, não seria capaz de fazer uma ligação de celular ou telefone fixo para falar “abobrinhas” ou de “andorinhas”,  convidar para um café, bater um papo, filosofar, dizer que estava com saudades, pedir uma ‘visitinha’ básica, dizer que queria me ver e que sentiu saudades do amigo, sentar à beira do caminho para juntos rirmos dos tempos findos, enfim, coisas do tipo “amigos do coração”. Sim, parecia ganhar força aquele seu orgulho que cegava, somado às experiências do passado. Mas, também, ela tinha o seu lado divino, lindo, cativante, simples... que era de tirar o fôlego para quem conseguia sentir, era como se conseguisse amenizar a dor, fazer desaparecer feridas, prevenir o mal... Era muito triste ouvir Marilisa telefonar querendo conversar sobre assuntos de serviço, dando a impressão que na verdade queria ouvir o “Corregedor” ou algo pessoal trivial, sendo impossível conseguir abrir seu coração com um amigo, penetrar nos seus segredos, enfim, faltava “insight”, e nisso ela parecia fria, amorfa, inodora... De qualquer maneira talvez ela nunca tenha experimentado esse tipo  “amizade”, sim, porque transcende a esse plano, era como se fôssemos “anjos” e precisássemos um do outro para sarar a dor, os medos... Durante minha viagem interior pensei: “Bom, isso é delírio da minha cabeça, talvez não exista  no mundo real das pessoas, ainda mais em se tratando de relações entre casais. Bom, também sou selvagem, o que é bom, só que pra cachorros” (risos interiores).  O tempo haveria de passar e talvez Marilisa um dia quisesse realmente conversar  sobre poesias..., enfim, melhor pensar que milagres também acontecem, de qualquer sorte, era eternamente grato por tê-la achado, conhecido e convivido tão proximamente.