Voltar à vida:

Dia 05.07.07, estava em Videira e por volta das sete horas e trinta minutos, resolvi ligar para o apartamento n. 205 e ver ser dava um bom dia para Marilisa. Foi ela que atendeu a ligação interna de forma muito receptiva, depois de um dia e uma noite intensa. Procurei conversar naturalmente, sem tecer qualquer comentário sobre o ocorrido. 

Por volta das nove horas da manhã, depois de assistir uma entrevista da Professora Cleonice da Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre “Fernando Pessoa” (Globo News), resolvi descer para me juntar ao pessoal e  irmos à audiência na Delegacia Regional. Encontrei Marilisa do mesmo jeito que nas vezes anterior, com classe nada deixava transparecer, nada tinha a comentar.

A música no ar, a retomada e a questão do “ser” singular:

Por volta das onze horas iniciamos nossa viagem de retorno, com destino a Balneário Camboriú. Logo na saída coloquei ouvimos o velho “Side Dark de Moon”, começando com “Money”, depois “Us”... Em seguida perguntei para Marilisa o que ela queria ouvir e veio como resposta uma coisa alegre. Passei para “América” (The Best) e Patrícia ficou encantada, dizendo que iria comprar o disco.  Depois um “The Best” de Paul Mackerney.  Passamos pelos pomares do “Renar” (Fraiburgo), a mineira de Governador Valadares Patrícia falava da beleza das macieiras catarinense, relembrando do mês de março quando por ali passamos... Acabei relembrando um fato folclórico envolvendo o Delegado Alves, quando uma vez numa audiência (2004) na Delegacia Regional de Joinville, após um intervalo de depoimento, chegou na presença das pessoas que estavam na sala, inclusive da Delegada Ruth e lançou uma pérola:

- “Olha só, vocês mulheres estão precisando fazer amor, vocês precisam de amor, falta amor.., esse é o problema do mundo...!!!”

Foi uma gargalhada geral, parecia o Alves errante, bíblico, épico a forma como Alves havia colocado a sua máxima. Almoçamos em Curitibanos e tudo muito normal. Depois do almoço fomos para o carro (Renault Cénic) que estava já abastecido. Antes de entrarmos no carro eu e Marilisa acabamos ficando a sós na retaguarda do carro. Samir já tinha entrado, Patrícia também, e o Delegado Alves pareceu despistar...  Marilisa puxou um assunto sobre serviço policial e logo que pude dei uma guinada:

- “Olha só, sobre ontem a noite, é muito difícil conversar contigo. Marilisa, é muito difícil, ufa, no que me proponho tenho que estar bem centrado...”.

Marilisa apenas sorriu e fez menção de se dirigir para o carro.  Segurei-a firme pelo antebraço e disse:

- “Sua ‘fujona’, fica aqui!”

Marilisa que já estava esboçando movimento em direção ao carro e teve que se conter para permanecer me ouvindo:

- “Eu ontem tentei conversar contigo, mas não tinha condições, sei que me esperasse...  Você é como uma laranja, um limão, a gente espreme, espreme e não sai nada. Tem muito pouco suco dentro...”.

Marilisa fez uma cara de curiosa e interessada sobre o assunto, sabia que ela gostava de extremos, de ser provocada, e percebi ela sorrindo com seu batton vermelho nos lábios, podendo continuar:

- “Eu quero te dizer que meus sentimentos são muito verdadeiros em relação a nós. Quero que tu saibas disso e não que não te esqueças disso.  Eu sei que é muito difícil conversar por uma série de motivos. Sei que você já foi uma pessoa ‘apaixonada’...”.

Marilisa me interrompeu:

- “Sim, eu casei muito nova, apaixonada...”.

Continuei:

- “Eu sei, tudo isso te marcou muito. E agora para você conseguir reverter isso é um processo, sem contar as variáveis, o fator tempo... Como já te disse tu tens que começar com poesia,  pessoas amigas, sentimentos...  É uma longa trajetória, ainda mais considerando as épocas. Ontem eu pedi um beijo para ti e você me negou. Ah, você chegou a ficar de costas, lembra?”

Marilisa apenas permaneceu sorrindo, achando graça e eu continuei:

- “Ah, tu ficas rindo, é? Mas na verdade como eu já te disse eu não queria um beijo, nem poderia, olha meus lábios como estão rachados, machucados, olha? Como é que eu poderia te beijar nestas condições, pensa? Na verdade aquilo foi uma provocação. O que eu queria era sentir teus sentimentos, o teu abraço, o teu carinho, a tua energia, só isso, mesmo no estado em que eu me encontrava, mas acho que você não entendeu...”.

Marilisa ficou me observando em silêncio meio que sem entender e continuei:

- “A energia que nos liga é muito forte. Desde que eu te conheci que percebi isso...”.

Marilisa interrompeu:

- “Que coisa boa, mas tem pessoas que não sentem isso!”

Continuei:

- “Claro que não, mas você é uma pessoa linda, maravilhosa e eu posso sentir tudo isso...”.

Marilisa interrompeu:

- “Ah, só tu que vê isso, seu bobo...”.

Continuei:

- “Não, você é, posso sentir. Quando você perceber isso, aliás, se um dia conseguires entender vai ver o mundo de outra maneira, vai até lembrar desses nossos momentos, mas como eu já te disse tens que fazer um trabalho para conseguir superar esse estágio, vais poder amar melhor as pessoas, valorizar, dar o teu melhor...  Se conseguires você vai ainda me agradecer”.

Marilisa ainda comentou:

- “Eu sei, tu estudas muito, tens muito conhecimento, já eu trato bem as pessoas, abraço, converso e as pessoas gostam...”.

Argumentei:

- “É isso, tu tens essa energia que é um  diferencial teu. Eu sei que você sempre me viu como ‘o Corregedor’ e eu sempre lutei para que você visse em mim não a figura do ‘Corregedor’, mas, isto sim, de um ser humano...”. 

Marilisa interrompeu:

- “Eu agora já consigo te ver não mais como ‘o Corregedor’. Agora eu já consigo te ver diferente...”.

Fiquei feliz com aquela observação e encerrei nossa conversa dizendo:

- ”Então, eu espero que tu me entendas e repito, meus sentimentos são muito verdadeiros, não precisa temer, e agora tchal!”

O poeta Alcides Buss e as “Cinzas de Fênix”:

Foi um tchal ‘de repente’, um corte. Fomos para o carro e continuamos a viagem. No trajeto só música, desde “Craig Chaquico”, a volta de Chat Baker, Enigma, Pepino de Capri, dentre outros. Quando chegamos em Rio do Sul paramos para tomar um café numa lanchonete existente no trevo principal que dava acesso à cidade. Fui até o caixa e peguei o jornal “A Notícia”  e folheando junto ao balcão verifiquei que no caderno “Ilustrada” havia uma matéria com o poeta Alcides Buss, sobre o lançamento do seu livro “Cinzas de Fênix”.  Dei uma olhada na matéria onde o enfoque era a importância de se olhar a vida a partir da poesia. Gostei e fui correndo ao encontro de Marilisa que já estava sentada numa das mesinhas:

- “Olha, isso aqui é para tu leres, dá uma olhada e vê que coisa bonita...”.

Marilisa ficou interessada e passou a ler a matéria. Comentou que era bastante interessante. Olhei para ela e disse:

- “Tá vendo: Cinzas de Fênix, tem tudo haver contigo, viu?”

Marilisa, com aquele seu jeito de quem não entendia muito o texto ou fazia de conta... , achei mais provável a primeira opção, por isso que insistia tanto com ela, isso porque a queria muito bem, que pudesse superar seus remédios “tarja preta.. Acabei sentando ao seu lado, bem pertinho e ficamos nós dois por um bom tempo retomando aquela conversa de Curitibanos. Falamos sobre tantas coisas importantes, na medida que transpunha para o “papel” lamentava perder tantos detalhes, mas tudo fluía muitíssimo bem, desde seus olhares, sua atenção, seu jeito simples, toda a sua energia que me abastecia e ao mesmo tempo registrava. Marilisa estava focada e dava a impressão que não tinha pressa, queria ouvir, conversar... mais e mais, necessitava de atenção, cuidados... Procurei falar com o coração. Falamos sobre poetas.. Argumentei sobre as dificuldades de casais de intelectuais conseguirem se relacionar bem, conviver no plano material, levar uma vida normal... Cheguei a questionar que muitos relacionamentos desmoronavam justamente porque as pessoas esqueciam de construir um bom alicerce e, não tivessem condições de se refazerem suas relações ao longo das suas existências. Reiterei sobre a importância da nossa ligação especial e argumentei que o importante era ser uma  “pessoa” e que não havia outro interesse por ela que não fosse por seu grau de importância e o que ela representava. Argumentei que se fosse por uma questão “carnal” ela teria que ser uma modelo, com direito a risos. Citei como exemplo o caso de Patrícia Angélica, minha secretária, pois sempre a tratei profissionalmente. Marilisa me interrompeu concordando que o que estava sendo levando em conta era ser uma “pessoa” e não as “aparências”. Falamos em “pessoas” apaixonadas e como a relação de casais era difícil. Marilisa deu uma tirada:

- “É, e depois que termina vem a dor...”.

Aproveitei para comentar que era muito difícil conversar com ela, era como tirar suco de uma fruta seca, mas que com poesia e outras percepções do mundo ela poderia melhorar muito, daria para fazer muito suco bom. A seguir Marilisa deu outra tirada daquelas de quem solta algo no ar, fala qualquer coisa, diz o que vem espontaneamente...:

- “É, melhorar o suco, fazer bem geladinho...”.

Olhei fixo para ela, tentando ver um pouco mais, além das suas palavras e arrematei:

- “Espera aí, ‘geladinho’ não, eu estou querendo dizer outras coisas, fazer um fruto ter suco bom é muito profundo, não vou nem tentar explicar isso, mas ta bom, pode ser também ‘geladinho’ para gente beber...” (risos).

Acabamos abreviando o melhor de nós: nosso entendimento e superação.  Marilisa pegou o “batton” vermelho forte e começou a passar nos lábios, dizendo:

- “Tenho que passar meu ‘batton’, não fico sem ele, sempre passo, a todo momento, só não faço quando durmo. Vou até o banheiro, já volto...”. 

Resolvi não comentar aquela parte final. Seguimos viagem e próximo de Blumenau pedi para que Patrícia me desse o CD do “Ira”. Patrícia não demonstrou muito boa vontade e Marilisa com disposição foi atrás do “CD” que estava na parte de trás, em cima do bagageiro. Coloquei o CD que começou com aquela música “...entorpecido tomando vinho...”.