DELEGADA MARIA ELISA (PARTE XXXIII): PROVAÇÕES, IMPULSOS CONVENCIONAIS, O
Por Felipe Genovez | 20/02/2019 | HistóriaUma noite presente com espíritos frágeis, indomáveis e ardentes:
Dia 04.07.07, por volta das oito horas e trinta minutos me encontrei com os Delegados Alves e Marilisa na Delegacia Regional de Polícia de Joinville. Estava com o policial Antonio que iria nos levar até Itajaí. Apanhei minha bagagem no carro e a acondicionei na viatura policial civil que estava aguardando nas proximidades. Iniciamos a viagem com destino até o Posto Santa Rosa no trevo de Itajaí. Logo no início da viagem Marilisa como sempre estava afetuosa, procurando manter conversação cheia suavidades para um dia que mais parecia "infinito", que se apresentava carreado de promessas em termos de trocas, proximidade e acontecimentos benfazejos.
Por volta das nove e trinta e cinco minutos chegamos no nosso primeiro destino e passarmos para a outra viatura, esta da Corregedoria que veio ao nosso encontro, tendo à direção o Comissário Samir e mais Patrícia Angélica que iria secretariar os trabalhos da comissão processante. Logo em seguida, tomamos rumo pela BR 470 até a cidade de “Alfredo Wagner”. Durante todo o trajeto fomos ouvindo musica e jogando conversa fora. Patrícia Angélica, com seu gosto beirando ao exótico, colocou um CD contendo músicas da cantora Marisa Monte... A certa altura, próximo já da cidade de Indaial, começou a tocar a música “Beija Eu”. Sem me dar conta, aumentei o volume do som e olhei para Marilisa que se encolheu no banco e fez um gesto que parecia um misto de suspiro, satisfação, alegria..., enquanto no ouviámos aquela frase como um mantra: “Beija eu, beija eu, beija eu...”. Os olhos de Marilisa pareciam brilhar, intuindo o que poderia estar no ar... Percebi que ela me olhou deixando escapar um ar que poderia ter uma boa pitada de malícia, o que me fez pensar: “Bom, será que ela quer que eu a beije hoje? Será está precisando disso, seria um código para que se cumprisse um desejo carnal?”
A questão do "adeus" e a presença do "amigo" Chat Backer:
Paramos para almoçar na cidade de Rio do Sul, isso por volta das treze horas. Naquele momento (eu, Alves e Marilisa) sentamos numa mesa enquanto que Patrícia Angélica e Samir Silva sentaram separados noutra. Comentei que aquele procedimento era insatisfatório, pois os dois policiais menos graduados não precisavam sentar noutro local , só porque éramos Delegados. Cheguei a comentar com Alves e Marilisa que nós tínhamos cada vez mais que lutarmos para a união e fortalecimento da classe, procurando sair da defesa e partindo para o ataque na defesa de nossos interesses institucionais, isso com a participação de todos os policiais. Alves e Marilisa concordaram. Alves chegou a externar que requereu sua aposentadoria, mas estava querendo ver se voltava a ativa por meio de uma convocação. Depois, argumentou que na vida era muito difícil se dizer "adeus", era muito complexo se definir as circunstância em que esse momento derradeiro chegava, certamente que estava se referindo ao momento que teve de deixar a instituição pela qual se dedicou décadas, o que me fez comentar:
- “Espera aí, eu estou com um ‘CD’ no carro que descreve muito bem a hora do nosso “adeus” já que isso é um estado de imanência dos seres vivos, é incrível, precisam ver como ficou bem definido pelo Chat Backer, eu vou colocar a música e na hora eu digo prá vocês como a música definiu a dor de um "adeus" resistido. Na sequência retomamos viagem, chegando a cidade de Alfredo Wagner, isso por volta das quatorze horas. Fizemos a ouvida do policial Léo, responsável pela Delegacia de Polícia (Processo Disciplinar do Delegado Gilberto Cervi e Silva). Logo que encerramos a audiência nos dirigimos para a cidade de Bom Retiro, a fim de encontrar um advogado na Delegacia de Polícia, pois o mesmo teria funcionado como “dativo” na audiência anterior que não contou com a sua presença e o mesmo precisava assinar o depoimento. Logo que encerramos a visita, depois de conversarmos com o Delegado Valério, continuamos a viagem para a cidade de Lages. Antes, porém, resolvemos dar uma passada pelo "Posto Janaina" localizada no trevo de Urubici para um café na lanchonete da velha conhecida "Tânia". Aproveitei para comprar uma garrafa de um vilho espanhol (Baron de Valls) que foi indicado pela proprietária, já que a noite prometia e durante nosso jantar a ideia era que pudéssemos saciá-lo na cidade de Videira, nosso destino final naquele dia. Marilisa e Patrícia Angélica pareceram eufóricas com a programação da noite.
O universo cósmico interior e o encapsulamento infinito:
Na cidade de Curitibanos fomos abastecer num posto de gasolina já conhecido localizado numa das ruas centrais. Na loja de conveniência resolvi apostar na compra de mais outro vinho tinto (Cabernet – Almadén), já que precisaria estar bem embalado para o jantar que exigiria reforço etílico. Quando estávamos chegando em Videira resolvi colocar novamente o “CD” de Carlos Santana com aquela “Canção do Vento” que teimava ser nosso "pano de fundo" e que encapsulava meus desígnios convencionais e quânticos infinitos. Logo que a música começou a tocar esperava que Marilisa se sensibilizasse, se aproximasse e susurrasse alguma coisa, tipo: “A nossa música, que canção significativa, que bom que você lembrou..., mas nada, absurdamente nada foi dito, era o 'eu' refém de meus próprios sonhos, pensamentos, tão alimentados, dissecados, expandidos no paulatino, urdido de forma cósmica no meu universo íntimo...”. Aquilo foi um banho de água gelada, não poderia esperar mais nada dela aquela altura.
Por volta das vinte horas chegamos no Hotel Verde Vale de Videira. Fui direto para o quarto n. 116. Marilisa se instalou no "225", junto com Patrícia Angélica. Já o Comissário Samir ficou no "112" e Alves foi para uma outra área. Depois de acomodar minha bagagem resolvi dar uma chegada no Shopping Center da cidade localizado do outro lado do rio, pois precisava dar uma olhada nos meus e-mails numa "Lan" já conhecida . Quando percebi havia duas ligações de Marilisa no meu celular, até que por coincidência, quando estava tocando a terceira vez consegui atender. Do outro lado da linha Marilisa perguntou se eu estava no Shopping fazendo compras. No início estranhei a pergunta que tinha um quê de provocação e respondi:
- “Ué, como é que você sabia que eu estava aqui?”
Marilisa continuou brincando e comentou que tinha seus informantes, seus detetives... Em seguida argumentou que ela e Patrícia Angélica estavam com fome e queriam saber se eu iria jantar no Shopping ou se tinha alguma outra alternativa, muito provavelmente os "vinhos" parece que aguassaram as expectativas femininas... Pedi que aguardassem uns quinze minutos que já estaria chegando no hotel para nos reunimos e jantarmos. Retornei o mais rápido possível e encontrei Marilisa e Patrícia sentadas na recepção me aguardando. Depois de conversar com os garçons para ver se autorizavam levar o vinho para ser consumido durante nosso jantar. Deu tudo certo, passados alguns instantes, nos sentamos numa mesa num local mais reservado (exceto Samir que não estava se sentindo bem, parecia estar com dor de cabeça, resultado de uma estado gripal). O nosso jantar foi regado com as duas garrafas de vinho reservadas para a ocasião, acompanhado de muita conversa, risos, alegria e descontração.
Por volta das vinte e duas horas e trinta minutos encerramos o nosso encontro e acabamos descendo a escada que dava acesso ao andar térreo (recepção), todos parecendo cansados depois de um dia de périplo intensivo que parecia não ter mais fim. A Investigadora Patrícia e o Delegado Alves se recolheram rapidamente nos seus respectivos quartos. Eu fui para a sala de televisão, ainda com reservas de energia. Depois de dar uma olhada no jornal (não mais que cinco minutos) resolvi me recolher, entretanto, quando estava passando pela recepção dei de cara com Marilisa sentada sozinha fumando, também parecendo ainda energizada. Fiquei feliz por perceber sua presença e logo imaginei que na verdade estivesse me esperado, fazendo uso do cigarro para acalmar sua ansiedade ao mesmo tempo que aguardava um encontro reservado comigo. Ainda estava com a “Canção do Vento” na cabeça, mas achei Marilisa muito fria, distante, insensível, sem saber definir se era frustração, decepção com alguma coisa, talvez pelo meu aparente distanciamento, mais resultante da exaustão do dia, do penso da janta e das taças de vinho... Marilisa me olhou com "delicatessem", e desejasse alguma explicação da minha parte por não ter esperado por ela, ou algum aceno para que pudéssemos conversar um pouco reservadamente, tendo que ficar naquela condição de uma aparente rejeição ou coisa do tipo.... Continuou sentada e eu permaneci de pé alguns minutos conversando sobre nada, estava meio "grogue". Logo percebi que se tratava de um momento tão esperado, a noite chegou cheia de intenções, muito provavelmente tínhamos tanta coisa para conversar no plano da amizade, alimentar nossos espíritos com a comutação de energias, dar atenção, mimos..., mas na hora sabia que as palavras escapuliram diante das circunstâncias que conspiravam para uma inversão de nossos valores, comprometiam nossas redes neurais..., de minha parte era como se entrasse em parafuso, perdesse o chão em razão principalmente do efeito etílico que bloqueava minha emoção mais fina. Marilisa continuava fumando com um quê de tensão e elegância, era uma visão terrível de um ser por trás de aparência facial que tecia uma ambientação inóspida e anevoada, contrastante, uma espécie de “ferrugem” interior que tornava a visão da sua face "amarronzada" e em retalhos disformes, enquanto que eu estava tranqüilo. No passo seguinte, me sentei na poltrona, bem ao seu lado, porém, mantendo alguma distância. Segurei sua mão e quase sussurei:
- “Naquele dia que segurei a tua mão lá na pizzaria eu senti como ela é pequena, delicada e frágil”.
Marilisa concordou sobre a fragilidade da sua mão e fixou seu olhar no meu com um misto de insegurança e curiosidade. No ato seguinte beijei sua mão, o que pareceu que a deixou feliz e surpresa, retornando seu comentário que eu estava tomado pelo efeito do vinho e que também não esquecesse que ela era uma "mulher selvagem". Na verdade aquela história de “selvagem” mais parecia mesmo uma peraltice, coisa que não passava muita credibilidade, era uma provocação para prolongar nossos sentidos e aguçar nosso lado cômico e alegre, como se fosse resultante de um impulso para preencher nossos vazios, uma encenação para impressionar... Entretanto, poderia haver um quê de "selvageria" no sentido de repulsar, reprimir, defender-se, devolver... qualquer tipo de intento não desejado ou belijerante. Aproveitei para perguntar se ela tinha sentido minha energia e ela respondeu que até aquele momento estava bastante convicta e segura de seus atos, logo percebi que quem se passou na bebida não fora ela. Enquanto que estava nas alturas, era o sujeito próativo, percebi que era algo difícil estabelecer qualquer diálogo de peso, não havia um canal de sentimentos que pudesse manter nosso tonus conectado, portanto não havia retorno possível como noutras ocasiões. Nisso procurei sentar bem mais próximo, me colando bem próximo do seu corpo físico. Sim, era proposital, como se fosse uma provocação, queria sentir como ela iria se comportar, constatar o quão profundo era seu sentimento, sua energia, sua ligação, especialmente depois do efeito de segurar suas mãos e não permitir o desenlace e naqueles instantes, mais adiante, num sentido de saber se seus interesses estavam localizados no plano carnal ou se era mesmo possível transcender. Pude observar que a partir daquele momento Marilisa não se sentiu muito à vontade, ainda mais que clientes passavam bem na nossa frente deixando o restaurante que estava prestes a fechar. Não consegui falar muito, tudo o que eu poderia ter de reservas para aquela noite ficaram comprometidas, mais parecia a árvore dos frutos envenenados... Marilisa sorriu e comentou com classe:
- “Tu pensas demais...(risos)”.
Concordei, ainda mais naquele estado que me encontrava, mas que “não era fácil”, havia muito coisa para ser expressada. Lembrei que na Pizzaria Bággio ela parecia que estava sob efeito entorpecedor quando me disse que era prática e direta. Percebi que Marilisa continuava segurando minha mão e logo me transportei para aquela nossa noite regada a pizzas e vinhos, quando conseguimos realmente estabelecer uma conversação de nível. A certa altura ela passou a acariciar meu punho com as duas mãos e eu sentia seu gesto com um pouco de nervosismo, desde o toque com o deslizar dos dedos, os movimentos rápidos, pareciam desconfortáveis porque não denotavam beleza, não parecia um carinho para ser duradouro, algo que mais parecia “soave”, "passageiro" e sintomático para a ocasião... Parecia ser o "jeito Marilisa" que controlava a situação, como quando ela entregou aquele seu “presente” para o motorista “Zico” em Chapecó (relógio), fazendo-o mecanicamente, não havia poesia, doçura, fineza, sensibilidade... Pensei: “Puxa, como o universo interior de Marilisa parece frio nestas horas, deve ser triste, escuro, sofrido...”. Em seguida, percebemos que um policial civil da Delegacia Regional deixou o restaurante e nos reconheceu, chegou a nós para nos cumprimentar. Marilisa foi dizendo:
- “Vamos ficar falados em Videira, viu?”
O espírito "bachiano", o poder da ação e às luzes com Chat Backer (a balada fúnebre):
Procurei ser firme no sentido de permanecer naquela condição e me perguntei até quando ela permaneceria determinada, focada, convicta dos seus sentimentos... Marilisa comentou que estava ficando com medo e me convidou para subirmos, logo imaginei que se vista pelo policial civil naquelas circunstâncias, sem contar que estava no quarto junto com a perceptiva policial Patrícia Angélica... Convidei para irmos para a sala de TV, puxando-a pela mão. Marilisa meio que contrariada acabou me acompanhando até a outra sala mais reservada. Naquele local procurei abraçá-la frontalmente. Ela procurou se esquivar, nem chegando mirar meus olhos, salvo em algumas frações de segundos. Chegou a repetir que estava com medo, sem que eu tivesse querendo entender o que ela queria dizer, talvez fosse porque também notou que eu estava alcoolizado. Insisti e ela virou de costas. Abracei-a mais forte ainda, e ela parece que gostou e recepcionu meu ato, retribuindo com algum carinho no meu braço, encostando sua cabeça no meu peito. Acariciei seus cabelos e isso serviu como um gatilho, um despertar..., senti a química neles, pareciam não ser cabelos naturais, era alguma coisa seca, artificial, espinhado..., confesso que de imediato fiz cessar minha ação, passei a repelir minha pele do rosto, e procurei evitar um contato mais prolongado nesses toques. Mas a emoção do momento, a sensação de proximidade dos espíritos, a energia eram mais fortes do que aqueles detalhes físico. Mesmo assim, resolvi desafiar, também sabia ser prático naquelas circunstâncias e estava disposto a ir mais longe, a provocá-la, perguntando se dava para nos beijarmos e ela com certa energia, mantendo-se de costas, disse que não. Marilisa – num sentido de auto-defesa, preservação se manteve naquela mesmo posição, enquanto eu, em silêncio, agradeci aos céus e lamentei... “Sim, poderia beijá-la” pensei, sendo ousado..., mas para não me arrepender depois, fiz uma última tentativa para ver se ela ficava de frente, mas não consegui. Marilisa evitava habilmente ficar de frente comigo, não queria se render a força daquele gesto que poderia significar muito, provavelmente não entenderia e muito menos perceberia os acontecimentos e que éramos protagonistas de uma história bonita. Certamente que Marilisa tinha seus motivos para agir daquela maneira e muito provavelmente que eu tivesse as respostas, não uma única, mas várias. Cheguei a pensar na sua relação com seu companheiro, namorado... de Joinville, toda a trama, compromissos, amarrações, ligações sociais, reputação, discrição..., sem contar o medo de se entregar e apaixonar, depois se desiludir mais uma vez, trocar o certo pelo incerto, viver mais uma desilusão... Sim, estava eu ali interferindo no seu mundo convencional particular, mas era em nome de algo sincero, de um sentimento superior: um encontro entre seres cósmicos, dotados de energias nos planos físico, material, espiritural... Marilisa insistiu para que fôssemos dormir e eu imediatamente concordei. Próximo da porta do meu quarto ainda quis esboçar algum lance final, ou seja, que ela pedisse para me acompanhar até o interior do meu quarto (como fez naquela outra oportunidade naquele mesmo lugar, quando eu tirei suas fotos). Mas Marilisa se despediu perguntando se o quarto dela era o duzentos e quinze (soube no outro dia que era o duzentos e cinco). Ainda pensei em esperar até mais tarde para ver se ela ligaria ou telefonaria, mas nada. Fiquei fazendo um balanço de tudo o que aconteceu e conclui que ela novamente mostrou ser uma pessoa muito preparada, sabia onde estava pisando, fazia questão de manter distâncias para se preservar e, também, porque bem provavelmente não fosse sua intenção ferir sentimentos de outras pessoas fora do nosso circuito. Entendi que meus sentimentos não conseguiram dar a profundidade esperava naquela ocasião, deixei fluir meus impulsos convencionais em detrimento de diálogos sobre outros valores inversos, e toda a minha investida naquela noite foi mesmo resultante de impulsos carreados de luxúria e temperados por "segundas intensões". Aliás, mais parecia fruto de uma alegoria mental que foi tecida de improviso, uma empreitada rumo ao desconhecido, um lance de curiosidade, uma busca de prazer a dois, receptivo e bem coerente com o nosso mundo convencional. Sim, era verdade que Marilisa possuía limitações, mas como nossos sentimentos eram verdadeiros e estavam dotados de força e desejos comuns, além do fato de ter reservado o meu melhor, mesmo naquelas circunstâncias, em razão da nossa sintonia fina (acreditava existir, mas descobri que era apenas uma visão unilateral, com seus perigos, abismos, imprevisibilidade...). Sim, foi melhor que tivesse terminado assim, pois talvez não caimos no vulgar e no lugar comum. Perdemos e ganhamos!
Acabei lembrando daquela música fúnebre do adeus de Chat Baker... Aliás, as músicas eram para ser digeridas, como algo passageiro, sem profundidade, nos limites...