A região das almas sem máscaras?

Por volta das vinte uma horas, estava retornando para Floripa e durante o trajeto passei a ouvir o CD azul de Chat Baker, depois outro com a música “Good-Bye”,  a de número treze, com aquele vazio, aquela saudade e quanto aprendizado, quanta construção, meditação e nisso tinha que agradecer em muito meu anjo, aqueles olhos brilhantes, depois outra faixa, esta capaz de arrancar os sentimentos mais profundos. Sim, Marilisa, você é simplesmente um sonho de pessoa, capaz de inspirar muitíssimo bem e “fortíssimo”. Tinha que agradecer todos aqueles momentos porque sabia também o que ela significava para mim naquele momento que a fiz tão importante, muito embora talvez ela viesse a saber o quanto. Todo esse sentimento independente do que estava escrevendo, da minha pretensão em construir a nossa história e mostrar a Polícia por dentro, as almas dos policiais...

“Nunca mais outra vez o ‘07.07.07’”:

Dia 03.07.07, de manhã cedo, estava vindo para a Corregedoria e novamente ouvi aquelas faixas carreadas de nostalgia de Chat Baker: novamente Good-Bye;  depois “Deep in a Dream”, “Street of Dreans” e por último, “Angel Eyes”.  No mais, o resto ficou por conta dos fragmentos das recordações, sentimentos, universos paralelos, coisas que ficaram guardadas para sempre naquela “caixinha” preta de que também tinha mencionado, em cujo lugar ficaram nossos sonhos mais verdadeiros. Marilisa me proporcionou uma viagem ao infinito e esperava que ela conseguisse entender o nosso processo, compreender, sentir sentimentos, todas as sentidos que procurei lhe passar. E como existia um silêncio morfético, uma indiferença recorrente no seu lado, me restava juntar o que restou da nossa viagem para a posteridade. Acabei lembrando que no sábado próximo ocorreria um número cabalístico, o “07.07.07” e que o número de Marilisa era o sete”, fiquei imaginando que essa data nunca mais se repetiria, “que façanha respirar aquele universo, heim?” Mas o mais importante de tudo era que no futuro, ou seja, depois de uns dez, cem, duzentos, quinhentos, mil anos...  as pessoas poderiam conhecer a riqueza do universo policial e suas almas, com espaço para toda ordem de sentimentos, emoções..., todos bem humanos, mesmo que já estivermos desaparecidos, esquecidos por completo... Mas, do fundo, gostaria que Marilisa compreendesse a nossa dimensão e não perdesse o ‘time’, porque o tempo não voltaria, não nos oportunizaria uma outra oportunidade para vivenciar miríades de sentimentos tão nobres...”, pensei. 

Fora da “casinha”:

Por volta das dez horas e vinte minutos da manhã, a Escrivã Ariane veio até minha sala na Corregedoria querendo saber como era que ficaria a viagem do dia seguinte, onde nós nos encontraríamos e se eu sairia de Joinville. Perguntei se foi ela que tinha ligado e veio a confirmação. Em seguida meu celular começou a tocar e era Marilisa da Delegacia da Mulher em Joinville. Já de começo foi me cumprimentando com entusiasmo:

- “Bom diááá!!!” 

Eu retornei  na mesma medida:

- Bom dia!!! Puxa, gostei desse teu bom dia, senti a energia da manhã’”.

Marilisa ou não escutou ou quis deixar passar batido. Insisti:

- “Gostei desse teu ‘bom dia’”.

Marilisa riu gostosamente e falou:

- “Eu nunca sei onde tu estais. Amanhã eu não sei como é que a gente vai fazer. A gente vai se encontrar aqui em Joinville?”

Respondi:

- “Sim. Eu estou aqui na ‘Prainha’ (São Francisco do Sul) agora...”.

Marilisa:

- “O quê? Eu adoro esse lugar, que dia lindo, imagino até onde tu estejas agora”.

Interrompi:

- “Sim, tu não queres almoçar uma tainha?”

Marilisa riu dizendo que tinha saído do plantão no domingo e que no dia anterior teve que descansar porque estava fora da “casinha”.  Combinamos que à tarde eu ligaria para combinar como a gente se encontraria na manhã seguinte.

Por volta das dezesseis horas, tinha acabado de realizar uma audiência na Delegacia da Comarca de Porto Belo, quando fui avisado que o Delegado Luiz Carlos Halfe encontrava-se na parte dos fundos (cozinha) tomando café. Já havia conversado antes com sua esposa (Suzana) que me disse que no mês outubro próximo entraria em gozo de licença-prêmio, depois se aposentaria. Pensei: “Pô, como é que pode uma mulher dessas tão nova já se aposentando? Realmente o Estado não tem como suportar essa carga. Tenho amizade com Suzana já há muitos anos e sei que é boa pessoa, que sempre teve uma vida bem tranqüila profissionalmente, sem contar a amizade com seu esposo.  Mas voltando ao Delegado Halfe, fui até os fundos e constatei que estava conversando com o policial “Zico” da Corregedoria (Agente/motorista). Interrompi a conversa e em seguida “Zico” nos deixou a sós. Acabamos conversando sobre a situação da Polícia Civil. Halfe confidenciou que sua mulher (Suzuna)  já estava com um imobiliária e que iriam se aposentar para  trabalhar com imóveis na região de Porto Belo. Halfe comentou que estava com trinta e quatro anos de serviço e pretendia ir embora no próximo ano. No curso da conversa relatou que era muito amigo do Delegado Maurício Eskudlark e que a sua saída da direção da Polícia Civil se deu em razão das pessoas que atualmente estavam assessorando o Delegado-Geral Maurício. Acabei brincando:

- “Sim, quer dizer que tomaram conta do ‘príncipe’ e não querem deixar ninguém chegar perto?”

Delegado Luiz Carlos Halfe e sua percepção sobre a realidade policial de Joinville:

Halfe confirmou que esse foi o motivo porque pediu para sair. Depois relatou que era muito amigo do Delegado Collato, mas que avisou ao mesmo que ele era muito político, extremamente  político e que isso poderia trazer sérios problemas administrativos. Argumentei que precisava ouvi-lo em dois procedimentos disciplinares, uma sindicância e um processo disciplinar. Halfe lembrou que já tínhamos conversado sobre o assunto e que estava a inteira disposição. Acabamos lamentando a situação do Delegado Marcucci, ainda preso. Lembrei que na sindicância estava tentando descobrir a responsabilidade a respeito do extravio de documentos da antiga “Divisão de Investigações Criminais – DIC – Joinville”. Halfe comentou que era injusto querer se responsabilizar “Marcucci”, pois foi justamente o Delegado Thomé quem mandou extinguir aquela repartição, sem que fosse feito inventário dos bens e documentos. Halfe acabou fazendo uma radiografia dos Delegados de Joinville na época em que atuou como Delegado Regional (dois anos e meio):

- “O Zulmar sempre foi ‘v.’, nunca quis nada com nada... É amigo, mas não adianta, só queria saber de política e o trabalho já visse... O ‘Wandéco não ‘b.’ ‘b.’, tudo mundo sabe que ele tem problemas...  O Alves é muito honesto, mas não adianta, já está cansado, tem que parar, não agüenta o tranco. O Dirceu é bom, é esforçado. Eu antes de assumir conversei com ele e disse: ‘Olha, Dirceu, se tu quiseres ser o Delegado Regional eu abro mão, não vou. O Thomé foi quem me indicou para o cargo, eu não queria, mas ele forçou a barra. Conversei até o com Luiz Henrique que me disse: ‘Assumi aquilo lá, tem coisa podre, dá um jeito...’. Mas o Dirceu no final ajudou a me derrubar. Ele não fez nada para me segurar, muito pelo contrário, deixou a coisa solta só para ver a minha queda.  Aquela Delegada lá, como é mesmo o nome dela? Ele trabalha na Delegacia da Mulher...  Ah, sim, a Marilisa, coitadinha, toma remédios fortíssimos, tem problemas graves de depressão, esteve até internada doente...  A Ruth chegou a desmaiar dentro da Delegacia, tiveram que tirar ela desmaiada e levar para o hospital, coitada, também não adiante, não agüenta o tranco... Nós estávamos esperando os Delegados novos, o Luiz Felipe era bom, o Rubens também muito bom... Bom, nós estávamos aguardando os Delegados novos...”.