O curso do coração e as confidências do Delegado Regional Dirceu Silveira Junior:

Dia 29.06.07, por volta das dezesseis horas, recebi um telefonema de Marilisa, justamente no momento em que eu e o Delegado Dirceu Silveira conversávamos animadamente no seu gabinete na Delegacia Regional de Joinville. Marilisa comentou que estava indo até o cartório e que depois ligaria para mim.  Concordei, dizendo que continuaria por ali até mais tarde. Fiquei pensando: “Puxa, se o negócio é só entregar os ‘presentes’ (livros e vinho) a vontade era mandar o ‘Zico’ (motorista) passar lá e apanhar. Mas isso poderia revelar frieza, indiferença de minha parte, e não era o que eu realmente sentia, então o jeito era seguir o curso do coração”.

Retomei a conversa com Dirceu Silveira, em especial, sobre a situação da Polícia Civil na região norte do Estado. Dirceu confidenciou que mandou vários relatórios a respeito da criminalidade e das deficiências policiais em Joinville, e que Delegado-Geral Maurício Eskudlark tinha pleno conhecimento da realidade.  Dirceu ainda confidenciou que quando assumiu a “Deic” no início do governo Esperidião Amin, isso ocorreu por meio de convite formulado pelo ex-Secretário da Segurança Luiz Carlos Schmidt de  Carvalho (Promotor de Justiça falecido no ano de 1999 em acidente aéreo). Disse que foi aluno de “Carvalhinho” na Univali (Itajaí).  Dirceu comentou, ainda, que o Delegado-Geral João Manoel Lipinski teria sido uma decepção, segundo sua concepção,  com o Promotor de Justiça Antenor Chinato no cargo de Secretário de Segurança (substitui “Carvalhinho”) poderia ter feito muita coisa e não soube aproveitar aquele momento. Relatou que o Delegado Rachadel era bastante retrógrado, ultrapassado, limitado enquanto esteve à frente da Corregedoria-Geral... Citou como exemplo o fato da Policia Civil poder ter comprado dois helicópteros, tinha dinheiro e na época Rachadel e Lipinski entenderam que a instituição não precisava desses aparelhos e sim de “fuscas”. 

Durante o curso de nossa convesa aproveitei para relatar o que  o Delegado-Geral e o Corregedor-Geral da Polícia Civil haviam "aprontado" com meu irmão (médico), quando na condição de "Assistente Jurídico" experimentei o jogo de traições pelos bastidores. Disse que foi a primeira vez que vi meu irmão derramar lágrimas (afinal, éramos filhos de um Delegado de Polícia antigo na instituição...), eis que teve que pedir exoneração em caráter irrevogável  da Polícia Civil. Porém, essa foi a segunda vez que isso ocorreu. Na primeira situação havia solicitado que - na sua condição de médico designado para atuar na Polícia Científica - assinasse um laudo de necrópsia a pedido do Governador e da Delegacia-Geral, isso durante um movimento grevista dos policiais (era um caso único que tinha certa urgência), o que resultou em discriminação por parte dos médicos legistas, peritos...  que o acusaram de "furar a greve". Por isso,  nosso querido médico resolveu pedir exoneração (chegou a entregar sua arma, carteira funcional e assinar o requerimento...), entretanto a cúpula da Polícia Civil não deixou que isso ocorresse, razão porque criaram o "ambulatório médico" (DGPC) para atendimento dos policiais e seus familiares. Já no segundo episódio ora em comento, como não conseguiram atingir o "Assistente Jurídico", tiveram que descontar no seu irmão, a parte mais fraca. Registre-se que isso decorreu por conta de um parecer em que se posicionou contra os interesses da cúpula da Polícia Civil, considerando a ilegalidade do ato de nomeação de um Perito Criminal para o cargo de Diretor de Polícia Técnico-Científica (2000), de cuja manifestação jurídica de lavra do parecerista (este autor) constava a advertência de que o Secretário de Segurança (membro do Ministério Público e fiscal da lei) e o Governador do Estado estariam sujeitos a serem enquadrados por prática de crime de responsabilidade caso o ato de nomeação não fosse revogado... Digno de registro que o Dr. Guilherme Genovez, médico dos policiais civis (ocupante do cargo efetivo de Técnico em Necrópsia à disposição da Delegacia-Geral), ajudou a salvar muitas vidas não só de policiais como de seus familiares (decorrentes dos serviços prestados no ambulatório médico da Delegacia-Geral), sem custo algum, em cuja ocasião teve seu ato de exoneração publicado a jato nos Diário Oficial (talvez um dos mais rápidos na história da Polícia Civil). Detalhe: o Governador Esperidião Amin notificou este autor para que justificasse seu parecer no prazo de dez dias, o que foi feito com a reiteração das mesmas considerações anteriores, só que disse mais, que o Diretor de Polícia Científica não despachava com o Delegado-Geral Lipinski, somente fazia isso diretamente com o Secretário Antenor Chinato e que esse procedimento se constituía flagrante afronta e insubordinação ao Chefe de Polícia Civil (apesar de não reclamar...), inclusive, que o Corregedor-Geral ao invés de encaminhar a representação do Delegado Regional de Criciúma para parecer na "Assistência Jurídica" deveria ter instaurado procedimento disciplinar contra um Perito Criminal que se negava a cumprir ordens de Delegados para realizar perícias no sul do Estado porque eram flagrantes os indícios de reiteradas insubordinações e atos de indisciplina... Nunca soube o resultado das minhas "justificativas" ao Governador Amin, mas a partir daquele momento se iniciou um processo de "perseguições" a meu irmão por conta das denúncias apresentadas pelo Diretor de Polícia Científica... (cuja esposa também policial civil era a secretária no ambulatório médico da Delegacia-Geral) contra o referido médico.  Dirceu Silveira depois de ouvir meu desabafo se revelou sensibilizado, apesar de que diante do "reducionismo" e falta de "prospecção" quanto a se vivenciar os fatos parecia valer aquela velha máxima: “pimenta no rabo dos outros é sorvete!” Dirceu relatou ainda que ele e Lipinski eram da mesma turma de Delegados e que trabalharam juntos em Chapecó. Relembrei que conheci Antenor Chinato quando o mesmo ainda era Sargento da PM e trabalhava no QG da PM-SC. Logo que me formei em Direito (UFSC) fui visitar a Polícia Militar e conheci Chinato para quem fui apresentado por meio de um amigo. Na época soube que Chinato estava bastante sentido com os Oficiais porque havia feito dois concursos para ingresso no “Oficialato” e teria sido barrado justamente em razão de pareceres e manifestações jurídicas...  Dirceu relatou que quando Chinato esteve à frente da Secretaria de Segurança Pública tinha restrições em relação aos Oficiais da PM, a começar pelo Coronel “Walmor Backes” que era o Comandante-Geral.  Fiquei pensando: “Acho que Chinato tem um grau de espiritualidade superior e já conseguiu passar uma borracha no passado, pena que se perdeu ao cacifar o nome de um Perito Criminal para ocupar ilegalmente o cargo de Diretor de Polícia Científica, quando teria que ser um Delegado...”.  Dirceu ainda me perguntou:

- “Sabes quem foi que teve aqui no meu gabinete esta semana?”

Não tinha a mínima idéia e ele próprio respondeu:

- “O David”.

Completei:

- “Ah, sim, o Procurador David Lincon”.

Dirceu confirmou e aos risos passou a fazer relatos sobre uma “tirada” de David, sobre um fato ocorrido no Rio de Janeiro e que envolvia um quê do seu lado excêntrico e controvertido...  No final, depois de darmos umas risadas Dirceu confidenciou que David era uma boa pessoa, além de bastante sincero.

Por volta das dezoito horas, estava no Supermercado Angeloni de Joinville, quando percebi que havia algumas ligações no meu celular que eram de Marilisa.  Imediatamente retornei as ligações e ela foi me perguntando:

- “Tu estais ainda na Delegacia Regional?”

Respondi que estava fazendo compras no Angeloni e acabamos acertando um encontro no supermercado. Ficou acertado que esperaria ela na entrada principal do estabelecimento, porém, na parte interna, bem na frente.  Marilisa concordou. Acabei me encostando numa das colunas do lado esquerdo e fiquei alguns minutos aguardando a sua presença. Como não via sinal algum de Marilisa resolvi ligar e ela disse que estava me aguardando na garagem já algum tempo. Argumentei que nós tínhamos trato que seria na frente e ela se desculpou dizendo que havia atendido o celular com o carro em movimento e poderia ter trocado as coisas.  Repassei o local onde me encontrava e ela disse que viria ao meu encontro, pois já estava circulando por dentro do Supermercado.  Não demorou muito percebi sua aproximação junto a escada rolante. Com aquele seu sorriso querido, sua aproximação benfazeja e assim  nos encontramos, abraçamos rapidamente e ela me entregou uma sacola que tinha nas mãos, dizendo:

- “Está aqui o teu vinho e os livros, os teus presentes”. 

Olhei o vinho e constatei que era um francês (Baron de Arinac) e os livros tratavam realmente de astrologia.  Foi engraçada a forma como Marilisa me entregou o presente, meus pensamentos se voltaram para quando ela entregou o relógio (do Paraguai) que trouxemos de presente para “Zico”, foi uma atitude “seca” e “direta”, sem poesia, sem palavras, sem história, sem um quê a mais que denotasse uma ligação espiritual... Como aquilo faltava em Marilisa, cheguei a me perguntar noutras vezes em que mundo ela teria andado todos esses anos?  Onde estaria sua sensibilidade?  Claro que há sentimentos, mas a forma como ela faz as coisas, seus gestos que destoavam do seu interior, era como um diamante que precisa ser lapidado.  Ao se entregar um presente fala-se do vinho, sua origem, tipo de uva, onde comprou, por que comprou ou escolheu,  o rótulo,  a safra, o teor alcoólico, enfim, o “terroir”..., mesmo que parecesse não ter importância. Quanto aos dois livros, apesar de serem “passados”, tipo coisas que estavam guardados e nunca foram lidos, recebi com bastante receptividade, curiosidade em razão principalmente do fator “dezesseis”. Perguntei a se precisaria devolver os livros e ela disse que não, que tentou ler um deles, mas desistiu porque não gostou.  Sua resposta foi natural e verdadeira.  Logo que recebi os presentes dei um abraço fraternal e rápido, procurando externar meu agradecimento. Para minha surpresa Marilisa me fez um convite:

- “Então, não sei dos teus compromissos, não quero te atrapalhar, mas pensei que a gente poderia comer aquela pizza hoje, o que tu achas?  De repente tens algum compromisso, não quero atrapalhar...” 

Fiquei contente com seu convite, em especial, porque ela não tinha esquecido.  Olhamos as horas e nem era dezenove ainda, muito cedo. Em razão disso resolvi convidá-la para tomarmos um café no próprio Angeloni, no andar superior, a fim de aguardarmos um pouco para ir até a pizzaria. Marilisa concordou. Sentamos bem próximos e coloquei os presentes em cima da mesa, pedimos  dois cafezinhos pequenos. A seguir, passamos a conversar sobre vinhos e ela me disse que queria apreender mais sobre o assunto.  Falei um pouco sobre tipos de uvas e ela se mostrou interessada. Acabamos falando sobre seu filho e Marilisa reiterou que no próximo ano ele deveria residir em Brasília, já sua filha deveria seguir sua vida.  Marilisa confidenciou que sua filha possuía um gênio muito difícil, vivia às turras com seu namorado, já seu filho era bem diferente.  Conversamos sobre o tempo, como envelhecemos e como as coisas se consumiam ao longo de nossas existências. Argumentei que as conversas que tivemos de manhã e naquele momento foram as melhores que tivemos durante todo esse tempo desde que a gente se conhecia, pois conseguimos falar de outros valores muito mais importantes para a vida.  Repisei rapidamente sobre o “peso da ação” me referindo ao Imperador Julio César, também, de R. W. Emerson... Acabei falando do mundo convencional e que havia duas “Marilisas” formando uma dupla face, e outras... Ela me interrompeu para comentar que muitas vezes se sentia aflita, tinha “tiques”  quando tinha que conversar com pessoas no regime formal, participar de reuniões, outra no meio familiar...  e que isso muitas vezes causava angústias, lhe deixava ruim, tendo que descontar no cigarro, nos antidepressivos... Argumentei que isso era insegurança, ter que forçar a barra para interpretar seus papéis, viver num mundo de aparências, cheio de convenções... Argumentei que transitar nesse mundo convencional exigia desgastes, pagava-se um preço, despendia-se energia... Afirmei que a vantagem do mundo quântico era que você vive seu universo integral, conseguia criar filtros naturais, usar escudos, ao mesmo tempo poderia apreender a estar noutras dimensões como ponto de fuga, como opção... Lembrei aquela história da “portaria”, quando Marilisa me pediu ajuda para redigir o documento que daria “partida” numa sindicância e que em razão disso estaria preocupada... Dentro dessa explicação, argumentei que muitos princípios existenciais eram bastante simples e quando se conseguia visualizá-los podia se descobrir como era simples a vida, com complicamos as coisas... Falei da idéia da desconstrução de dogmas e Marilisa me interrompeu dizendo:

- “Ah sim! A minha mãe sempre disse isso. A minha mãe sempre me disse que é necessário desconstruir as coisas ruins...”. 

Acabei explicando algo sobre “poesia”, o que quis dizer com a necessidade dela se aprofundar na arte de escrever... Recomendei que fazer “poesia” não significava redigir, mas exigia sensibilidade, criação, atitude, gestos, olhar, palavras, sonhos, imaginação...  Marilisa comentou que tinha entendido o que eu quis dizer.