A vida imita a arte: a música e as pessoas:

Dia 28.06.07, por volta das oito horas, estava vindo trabalhar na Corregedoria ouvindo mais uma vez aquela canção do vento que teimava em me acompanhar na fase matinal, ressentindo os picos dos seus acordes, os delírios do seu autor..., com aquele calor no peito (na verdade, resultante de processos sinápticos fontes memoriais forjadas a partir da  amplificação dos últimos contatos com Marilisa. Agora a música estava tomando uma nova forma, já não ouvia todos os sons, apenas partes da música que criavam aquela aura, sentimentos radiantes, sem tempo mais para ouvir cada passo, cada compasso, apenas queria me sentir próximo... O sonho não tinha acabado, nem poderia, isso jamais, pois já fazia parte da minha vida.

Por volta das dezessete horas, já estava em Joinville e tinha terminado de comprar um DVD (três) de “Carlos Santana”  e amigos no festival de Montreaux, além de um CD de Miles Daves (tendo além de Summertime ... duas faixas modernas “Time after Time”  e uma outra...), além de uma coletânea com os melhores de Chat Baker (que achei excelente). Empolgado, com a mente “esvoaçante”, o coração cheio de alegria, num impulso puro e juvenil, acabei lembrando de Marilisa e resolvi lhe telefonar. Do outro lado da linha a minha formosura em pessoa, com aquela sua voz típica dos anos trinta, emoção “estacionária” que se esforçava para dar as boas vindas, revelando toda satisfação, apesar de que sempre controlada, nada de surreal ou bizarro, parecia às vezes distante e verdadeira (o que me fascinava e impunha respeito e humildade, era grandioso aquele sentimento). Logo de início ela foi dizendo que estava numa “faxina no prédio da Delegacia da Mulher. Lembrei que noutro dia tinha dito para ela que faria “faxina” na minha casa em São Francisco do Sul, além de poda de árvores no sítio. Marilisa, com um viés de empolgação, tinha argumentado que também adorava fazer suas ‘faxinas” domésticas. Achei engraçado, mas aquele “dizer interior” significava solidariedade, presença, junção, proximidade... Achei, simplesmente, demais pois era o seu interior falando bonito e verdadeiro. Aproveitei para argumentar que estava no Shopping Muller e havia acabado de comprar um DVD e dois CDs. Marilisa do outro lado argumentou:

- “Então é para levar na nossa viagem? Eu gosto das tuas músicas!”

Argumentei que eram “coisas muito boas”, muito embora não tivesse pensando que os levaria, era mais para ouvi-los com ela numa oportunidade só nossa, como numa viagem.... Na verdade queria ouvir sua voz, sentir sua energia penetrando em minha mente, injetando sua presença nas minhas redes neurais, numa forma de “matar a saudade”.  Sim, também era uma forma de medir o grau de profundidade de nossa relação e o quanto significava para nós. Minha expectativa era ouvir: “Onde tu estais? Quero te ver agora?  Senti a tua falta? Me espera aí? Podemos nos ver mais tarde, preciso conversar contigo?” Claro que seria esperar muito, pois outros momentos nós tivemos e a senti sem profundidade, sendo que isso importava ser um complicador sério, pois dependeria muitíssimo do seu grau de emoção, espiritualidade, expectação, vontade, sentimentos e atração.  De qualquer maneira precisava de respostas para a energia que me eclipsava, compunha, compilava, galvanizava e servia de condutor para o seu centro.  Aproveitei para tergiversar um pouco, lembrando que nossa audiência seria no dia seguinte na  Delegacia da Mulher de Joinville e que então a gente poderia conversar pessoalmente sobre a viagem da próxima semana, onde nos encontraríamos... (tínhamos conversado no dia anterior sobre nossa viagem).  Nos despedimos pelo telefone de forma rasante, sendo que Marilisa ainda lembrou que meu vinho já estava comprado, também, os dois livros já estavam com ela, eram os meus presentes que ela iria me entregar no dia seguinte. Fiquei meio sem jeito e imaginando que “livros  seriam aqueles, depois lembrei que sobre “numerologia”, “astrologia”.... enfim, coisas que eu não acreditava, mas que tinha lá seus fundamentos e aplicações.

Um encontro com a Delegada Vivian Selig:

Dia 29.06.07, por volta das dez horas da manhã, cheguei na Delegacia da Mulher, Criança e Adolescente de Joinville. Estacionei meu carro quase que em frente do prédio e resolvi entrar pela porta dos fundos, onde se localizava a garagem. Antes passei pela frente e vi que a escada que dava acesso à porta de entrada estava cheia de folhas, o que revelava que não tinha sido limpa, varrida. Acabei me perguntando: “Fizeram a faxina e esqueceram de varrer a entrada”.  Mas claro que aquilo era bobagem de minha parte, uma visão radical,muita exigência... O dia estava lindo, céu azul, a temperatura, apesar do “friozinho”, estava bem agradável e o Fiat Siena Azul marinho de Marilisa estava ali, o que era um sinal evidente de que ela se encontrava na sua sala. Fui direto para o segundo andar, cumprimentando as policiais civis de plantão. Quando cheguei próximo do seu gabinete observei que a porta estava fechada, enquanto a da Delegada Vivian Selig encontrava-se entre aberta.  “Devagarzinho” fui abrindo a porta e coloquei o rosto perguntando em tom de brincadeira:

- “Posso entrar?”

 Vivian que estava entretida lendo alguns papéis logo me reconheceu e esbanjou um sorriso de satisfação:

- “Claro, doutor, pode!” 

A imagem de Vivian ainda estava forte em minha mente, desde aquelas suas lágrimas, sua indignação quando a ouvi (alguns dias atrás) em razão de uma denúncia formulada por servidoras municipais (Secretaria do Bem Estar Social). Vivian agora estava sorridente, bonita, segura, o que me deixou bastante à vontade, muito embora tudo isso parecesse complexo (a velha questão filosófica “Schoupenhauriana” da felicidade). Dei de primeira mão que havia solicitado o arquivamento da sua denúncia e ela com um sorriso lindo foi dizendo:

- “Essa foi a melhor notícia do dia”. 

Entre girassóis esquecidos e o peso da ação:

Entreguei uma matéria que saiu na “Folha de São Paulo” nos últimos dias, em cujo periódico constava que o Diretor da Polícia Federal questionava o Ministério Público em razão da disputa por prerrogativas investigatórias, cuja matéria estava para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Perguntei se Marilisa estava ocupada e Vivian confirmou que ela estava trancada num em sua sala num atendimento.  Em seguida, pareceu que Marilisa tinha ouvido nossa conversa e pressentido a minha presença, finalizou o seu atendimento e veio direto para a sala de Vivian. Logo que chegou foi me cumprimentando (com beijinhos) e me pegando pelo braço me conduziu para sua sala. Ficou engraçado, apesar de ser tudo muito “flash”, pois poderíamos os três ter permanecido um pouquinho mais com Vivian, até para prestigiá-la. Mas não quis forçar muito uma decisão em contrário, pois o mundo das mulheres era muito complicado, poderiam haver disputadas internas, leituras subterrâneas, percepções entrelinhas e quem estava de fora não seria capaz de enxergar. Marilisa sempre andando com seu estilo dançante, elegante,  harmonioso, charmoso...  parecia mais bonita, refeita, produzida... Logo que entrei no gabinete de Marilisa fui atrás do seu “Girassol” artificial (um vaso com dois girassóis envelhecidos, ressequidos...) e que já tinham passado do tempo... Fiz essa observação porque numa das viagens havia dito para Marilisa que era para ela trocar aquela planta, pois estava muito desgastada e porque seria bom que ela desse um novo “look” no seu gabinete.  Sim, fiquei impressionado porque ela fez isso muito bem, deixou seu gabinete muito mais “clean”, moderno, rejuvenescido, bonito e aconchegante.  Na parede um quadro tipo “natureza morta”, com folhas pintadas em cores berrantes, num misto de surreal e contemporâneo. Lembrei da “faxina” de ontem, e logo fui intuindo que ela havia preparado o local para recepcionar as visitas especiais: “Puxa, sou importante!” pensei.  Brincadeiras à parte, na verdade era seu senso falando, seu sentido de “amor próprio” ditando as mudanças e nisso percebi que minha visão de mundo ajudava influenciar um pouco sua vida. Marilisa fechou a porta para conversarmos mais à vontade.  Elogiei as mudanças no seu gabinete.  Pude reparar que ela realmente havia pintado seus cabelos (os fios brancos do cume haviam desaparecidos). Começamos a conversar sobre “mente quântica” e valores que transcendiam “polícia”,  “corregedoria”...  Estávamos falando sobre “vidas”. Fiz incursões sobre sentimentos, dor, a necessidade de reorientarmos nossas vidas para algo superior, de superarmos os traumas do passado...  Consegui falar até da “energia” que nos unia e que se constituía algo muito poderoso. Falei que por meio dessa “energia” poderíamos ir do zero ao infinito, curarmos muitas cicatrizes, reordenamos nossas vidas para algo bem melhor tanto nos planos pessoal como profissional.  Ressaltei a importância do “peso da ação”, ou seja, a respeito da necessidade de se adotar medidas concretas para resolvermos nossos problemas existenciais. Sobre o “peso da ação” citei o exemplo do Imperador Julio César quando por volta do ano 44 a.C. com sua 9º  Legião em Ravena teve que aguardar autorização para marchar em direção a Roma pelo Rubicão, só que para isso precisava de autorização do Senado. Passaram-se os meses e nada da autorização, justamente porque os Senadores temiam “César”, sabiam que o povo o aclamaria... Em razão disso, “César” teria mandado seus espiões no Senado avisar os conhecedores de leis que eles desconheciam o ‘peso da ação, desconheciam o poder de um exército com espadas fazendo jorrar sangue... Depois, citei que todo ser humano desejava se sentir importante e que R.W. Emerson, um dos maiores pensadores dos Estados Unidos tratou do assunto...”...No final da nossa conversa olhei para seus olhos e afirmei:

- “Puxa, foi a melhor conversa que nós tivemos até hoje. Eu sempre tive muita dificuldade de conversar certas coisas contigo. Sempre foi muito difícil falar de valores interiores. Foi por isso que eu identifiquei tanto aquela ‘canção do vento’ com a nossa relação. Na verdade os acordes revelam um grau de dificuldade em se conseguir se fazer entender, esperar um retorno daquilo que segue com o vento, é como se ele levasse as coisas e não trouxesse quase nada de volta...”. 

A questão da riqueza interior e a presença da policial Patrícia Angélica Alcântara:

Marilisa concordou com meus argumentos e passamos a conversar sobre riqueza e ela revelou que não possui ambições na vida e quem quer ter muitos bens, ostentar muito patrimônio, poder que o faça, mas que isso em momento algum lhe toca ou interessa. Concordei, dizendo que pensava da mesma forma no meu estágio da vida.  Fiquei pensando: “Báh, como temos coisas em comum, como temos afinidades (muito embora existam diferenças) e disse a ela que a energia que nos ligava era muito forte e verdadeira. A certa altura da conversa a policial Patrícia Angélica (minha secretária na Corregedoria) chegou até a porta para avisar que a testemunha já estava qualificada e que me aguardava.  Me dirigi para o cartório e passei a ouvir a policial Janice, em seguida, seria a vez de Cássia. No curso da última audiência,  quando já passavam das doze e trinta horas, Marilisa foi entrando no cartório juntamente com um adolescente que logo deu para perceber que era seu filho (Liminha). Interrompemos os trabalhos e ela foi pedindo para que seu filho se aproximasse de mim e foi dizendo:

- “Filho, vem aqui que eu quero te apresentar o nosso ‘Corregedor’”.

Aquilo me deu uma dor de barriga, lá vinha de novo Marilisa com aquela história de “Corregedor”, como aquilo era forte na sua mente, como a figura do “Corregedor” era emblemática, enquanto que eu estava ali muito mais, infinitamente mais, como pessoa, e muito pouco como “Corregedor”, ou seja, as aparências enganavam, o que era importante para alguns, para outros não deveria ter o mesmo peso, e pensei: “Puxa, e tivemos aquela conversa antes.  Mas tudo bem, são as circunstâncias”. 

“Liminha”  deveria ter no máximo um metro e setenta, bem magro, bastante sorridente, simpático, pés-no-chão e perceptivo.  Acabei brincando:

- “Puxa, tens o sorriso da tua mãe”. 

Marilisa do outro lado pareceu radiante com minha observação. Nos despedimos e Marilisa perguntou:

- “Tu vais estar à tarde por aqui ainda?”

Respondi que estaria na Delegacia Regional e ela completou:

- “Ah, então tá,  eu te telefono. Eu vou lá na Delegacia Regional para te entregar aqueles teus livros”. 

Tão logo Marilisa e seu filho saíram eu desabafei com Patrícia Angélica e Cássia:

- “Puxa, ela falou tanto em me entregar esses livros e eu nem tenho muita certeza do que se trata. Acho que é sobre astrologia, numerologia, alguma coisa do gênero. Mas como é difícil, ela fala disso com tanta naturalidade, fico até sem jeito”.