O ainda na dimensão Karavansarai:

Dia 26.06.2007, por volta das onze horas deixei o prédio da Corregedoria da Polícia Civil com destino ao Detran. No trajeto, coloquei novamente aquela quinta faixa do Caravanserai (Santana). Meus pensamentos insculpidos de pedra em brasa vulcânica, obtemperados pelo brilho dos acordes das cordas pontilhadas retomavam minha mente. Não conseguia obrar nada, visualizar as passagens que me defrontava durante o trajeto, apenas o dedo de “Carlos Santana” sobre o metal fino e calibrado, com distorsor e reverberador, chegando a níveis onde só poucos conseguiam extrair, cujo fôlego parece que iria até o limite, com o coração palpitante e em cadências que refluíam até o compasso da respiração no seu extremo.  E, nos sons  verberados da guitarra se estabelecia um épico entre ela e o meu eu, todo a ficção incompreendida, um relutante compasso onde ninguém dizia nada, só funcionava a telepatia... Nossos espíritos estavam ligados de tal maneira que somente um entendimento seria possível a partir de um impacto profundo, só que tudo era explanado de maneira transcendental, em cuja dimensão existiam apenas palavras, sons, gestos, espírito presente... A trama musical transitava por paragens, barragens, estalagens que a impressão era que nos consumia como se fosse uma trajetória elíptica, responsável pelos nosso distanciamento e aproximação, nos esbarros casuais, nos enfrentamentos formais, nas entregas pagãs...  Por dentro, um calor que dominava o nosso corpo, com o peito  estufa, a respiração sem escuta... Os sons se repetiam e o que existia era um silêncio só. Marilisa não ligou, nem deu notícias, muito menos quis se fazer presente, e um barulho silencioso tomava conta do meu “eu”. E era com essa energia que tinha que apreender a conviver naqueles momentos extremos. No fim de tudo, estava completamente nu, como se estivesse no centro do universo, meu universo, onde ela era apenas uma miragem em meus pensamentos, um compasso sincopado, não de morte, mas de vida.  E o mas sublime desse processo constritivo, dessas experiências a dois era poder clivar histórias de vidas com uma “homérica” institucional, sensacional. Tudo isso sem esquecer que meus sentimentos eram puros e verdadeiros, nem poderia ser diferente. No mais, era só lembrar que tudo isso passava, como a lava de um  vulcão incandescente que um dia esfriaria. A natureza seguia o seu curso e o tempo haveria de colocar as coisas no seu devido lugar, com a ajuda do tempo amigo. Quando a “Maripe”? Bom, ela estará eternamente em meu coração, muito embora talvez nunca saiba, e o que é pior, não conseguiria  “enxergar” a dimensão dessa nossa energia. Mas como ainda estava vivenciando esse “enigma neural”, queria só respirar profundamente e não deixar escapar os fragmentos que ainda teimavam existir, até que o vento imprevisível e mutante levasse, porque amanhã desapareceriam todos os vestígios e, de resto, só o silêncio e, no fim, o esquecimento. 

Um desafio indômito:

A tarde chegava ao seu fim rapidamente, e nada de Marilisa dar o ar da sua graça. Estava ainda com aqueles acordes perpassando minha epiderme e lembrando daqueles momentos de sonhos que entorpeciam minha mente. Fiquei imaginando como era difícil galvanizar Delegados para uma cruzada, cujos objetivos institucionais poderiam ser superados passo a passo. Fizemos primeiramente a tentativa de criarmos um “grupo” irmanados para fins de fazer frente às ingerências políticas. Moral da história: os Delegados Rubem Garcez e Eduardo Senna praticamente implodiram nosso grupo, desde o momento que se responsabilizaram pela edição de nosso primeiro “jornalzinho” que nunca escreveram e muito menos gerenciaram. Não os culpo porque o “grupo” capengava, reunir os membros do grupo era muito difícil, muitos andavam de “sapato alto”, como se quisessem “tapete vermelho”, numa expectação de cargos comissionados, outros por pura obsessão ou fixação em termos de mudar nossa realidade como se fosse uma cruzada messiânica.  Quanto encontrei Marilisa, em nome desse desígnio, acreditei que nossa espiritualidade nos uniria até o infinito,  imaginei nossa trajetória silenciosa em direção a novos horizontes institucionais, a capacidade de mobilizar, formar um bloco histórico, como era a proposta inicial de nosso grupo com Jorge Xavier, Braga, Krieger, Wilmar Domingues, Garcez, Senna, Valério Brito, Ostetto, dentre outros... Cheguei a lembrar o dia em que estive na Delegacia da Mulher e sugeri que Marilisa se candidatasse à Assembléia Legislativa, sem que nunca tivesse alimentado interesses outros porque do contrário teria agido diferente, muito menos pensado em processos de sedução ou no campo carnal, até porque naquele célebre “dossiê”  havia informações de (possível) ligações amorosas..., cujos fatos eram bastante questionáveis quanto a veracidade, fato desmentido pelo Comissário Ângelo que me revelou que ela vivia quase como casada com um advogado do Prefeitura Municipal (Ciro) e as pessoas não entendiam porque os dois não assumiam a condição de casal, já que viviam publicamente uma relação antiga, como se fossem marido e mulher.  Então, sabendo disso iria eu pretender me atravessar no seu caminho, gerar tensões? Também, tinha minha vida particular, uma pessoa que me amava, venerava, esperava, sofria, desejava lealdade, fidelidade...  Fiquei pensando naqueles acordes de Santana, na energia que Marilisa me transmitia, vitalizava, algo indescritível e “insegurável”. Mas sabia que nossa história não iria acabar tão fácil, haveria novos lances? Era o que mais almejava, mas também tinha que me preservar, proteger, fortalecer, o que já conseguia desconstruindo todo o processo, o que era fantástico em se considerando essa capacidade inaudita de superação a partir da forja dos neurônios constritivos que relutavam entre si por fenecimento, esquecimento, fuga, potestade, digladio, confronto...,  como se numa batalha, onde as informações antigas eram colocadas em xeque por novos processos de conhecimento e desconstrução. Aos poucos as novas células contendo memórias iriam se agrupando, minando as antigas que possuíam aquele gosto de sonho, emoção, melancolia, saudosismo, misericórdia e que, pouco a pouco iria se dissipando, com um novo mapa se redesenhando. Saber lidar com essas forças era como enfrentar “infernos” interiores que ocupavam a mente de muitos “Dantes”. Aliás, o próprio Darwin chegou a questionar se valeria a pena um envolvimento emocional com uma mulher para chegar ao casamento..., nesse ponto Nietszche foi outro sofredor.

Por quem as lágrimas dobrariam?

Dia 27.06.07, já passam das oito horas e eu estava vindo no meu carro escutando aquela quinta faixa (canção do vento) e nenhum sinal, um absurdo silêncio. Mais um dia no calendário da nossa existência e nenhuma manifestação de Marilisa, nem que fosse para dar um simples “oi”, como isso faria diferença.  Sim, meu resfriado já estava passando, e o que se deveria lamentar era a finitude do paraíso. Era muito triste quando tínhamos que abrir mão de algo tão grandioso, era chegada a hora de seguir com o vento, sem olhar para trás, e deixar apenas as lágrimas secarem com a brisa, ver as luzes se apagarem, sem perder o senso de ter que continuar nossa jornada. A ausência de Marilisa era dolorida, porém, revigorante, talvez essa fosse uma das contingências dessa minha falta incontida, porque sentia que era inerente, provocativa, capaz de impingir um misto de falta, sofrimento e dor, numa condição passiva e unilateral. Muitos morreram sem saber lidar com esse sentimento que sugeria rejeição, indiferença, recrudescimento...  E fiquei me perguntando: “Por quem as lágrimas de Marilisa dobrariam?” Talvez fosse  fácil a resposta: pelo filho querido e suas tagarelices “adolescentis”, ou pelos conflitos quase ainda infantis da filha com seu namorado, ou pelo ex-marido que a abandonou por outra mais nova e deixou um misto de dor, frustração, ausência, saudades, dos tempos que nunca mais voltarão, da sua juventude que se perdeu no tempo...? E quanto a mim, vencendo desafios, numa prospecção como se estivesse querendo desvendar os segredos da “pedra filosofal”. Mas a torrente da vida nos impulsionava para nosso destino através dos tempos e, assim foi, assim é, e assim para o sempre será. Simplesmente, não podíamos controlar os acontecimentos, muito menos os nossos sentimentos.  A vida nos impulsionava para um destino muitas vezes incerto, irreversível e instável. Eu, agradecido por essa experiência, por essa viagem que me permitiu me “fortificar”, gerar novas idéias, buscar novos caminhos, questionar antigos paradigmas, resquadrinhar novas metas, aferir valores existenciais, projetar uma nova dimensão para meu futuro, singar novos processos físico-químicos neurais fazendo aderir memórias, “bastiânicas”,  meus contrafortes mentais,  serenizar, meditar, espiritualizar, liberar bons fluídos...,  e como gostaria de passar essa força para que ela seguisse essa calda de cometa, sem esquecer que cada ser é uma entidade com luz própria.