Dia 11.06.07, por volta das dezoito horas, estava na Delegacia Regional de Videira quando recebi um telefonema do Delegado Hilton Vieira querendo me consultar se eu aceitava integrar uma comissão na condição de vogal no processo disciplinar do Delegado Paulo Freyslebem. Logo de início não entendi bem a proposta e brinquei:

- “Sim, queres conversar com o ‘Sergio Maus’?”

Hilton do outro lado deu uma gargalhada e eu completei:

- “Sim, Hilton, pode contar comigo...”.

À noite fomos para o Hotel Verde Vale, onde eu na companhia da Delegada Marilisa, Inspetora Daniela e Escrivã Ariane fomos jantar. A conversa girou em torno de misticismo, pois começamos a tratar de números. Marilisa revelou que o número “dezesseis” lhe acompanhava desde o sempre, pois nasceu no dia dezesseis de dezembro, seu ex-marido no dia dezesseis de novembro, e depois mais uma história dos quatro vezes quatro que somam “dezesseis”, tudo no dia “dezesseis”. Acabei argumentando que seu número na verdade era o “sete” (resultado da soma de um mais seis). Marilisa ficou surpresa e quis saber o que significava o “sete” na sua vida. Respondi que o “sete” seria um número muito poderoso, a começar pela história das “sete vidas”, “sete léguas”, “sete mares”, “pintar o sete”, “as sete pragas”... Em seguida Ariane quis saber o que seu número tinha de interessante, ou seja, o número dois. Argumentei que dois se constitui número inicial, que importava em criação, força, energia, vitalidade... Daniela quis saber o significado do número “nove” (nove de outubro – seu aniversário) respondi que - ao contrário da Ariane - significaria o fim, a experiência, a possibilidade de maior compreensão, a argumentação, a consumação...  Marilisa interpelou querendo saber mais sobre o “sete” e eu simplifiquei dizendo que significava o ponto de equilíbrio, ou seja, está quase situado entre a criação e a conclusão, mais para o final, ou seja, quem possui esse número pode contar com qualidades inerentes ao início e ao fim. Ariane ainda me questionou querendo saber qual a minha literatura e se eu poderia indicar alguns autores. Procurei apenas argumentar que meu conhecimento era resultado do acúmulo de informações, a partir de várias fontes.

Depois das despedidas formais, me dirigi para meu quarto e fui dormir, deixando as três conversando até bem mais tarde. No quarto fiquei relembrando a última vez que estive naquele mesmo local, fiquei no quarto ao lado e pela manhã Marilisa veio me visitar (antes do café), enquanto eu digitava.... Marilisa meio que desajeitada se deitou na cama, parecendo deixar transparecer toda a sua vulnerabilidade, deixando transparecer que os sinais dos anos já pesavam, eis que seu corpo revelava não mais a silhueta de outrora, firme, tudo em cima, pele saudável, mas o que importava era o seu espírito sempre tão gentil, cativo, pronto... De qualquer maneira ela era uma pessoa intensa, a começar por seu sorriso singelo, ternura, sinceridade, simplicidade... 

Dia 12.06.07, por volta das nove horas da manhã me dirigi para Delegacia Regional de Videira, onde tinha acabado de ouvir duas pessoas no processo disciplinar do Investigador Valdir Mechailo. Em seguida tínhamos que ir até o Fórum a fim de ouvir a Promotora Regina. Antes, porém, o advogado de defesa (Dr. Altair) fez uma advertência:

- “Doutor, o senhor não se atrase para a audiência com a Promotora. O senhor não se atrase. Aquela mulher não gosta de Polícia. O senhor sabe como é o apelido dela aqui? ... É ‘Jara’. O senhor sabe o que significa isso? O pessoal aqui chama ela de ‘Jara’. Bom, o senhor sabe, ‘Jara’ significa ‘Jararaca’, então por aí o senhor imagina quem ela é...”. 

A Delegada Marilisa que é vogal da comissão disciplinar se contorceu na poltrona, com um aparente friozinho na barriga ou coisa parecida. A Escrivã Ariane que estava acabando de digitar alguma coisa olhou parecendo ter ficado um pouco apreensiva e a Inspetora Daniela fez uma cara “imbróglio”. Procurei acalmar a todos dizendo que o “bicho não era tão feio como pintavam”. Argumentei que todo mundo tem o seu dia... No meu íntimo também fiquei um pouco preocupado porque a Promotora Regina talvez não soubesse exatamente o seu papel como testemunha no processo. Mas tinha certeza que ela de certa forma também deveria estar preocupada, pois não se constituía um fato normal ser convocada para prestar depoimento em procedimentos, ainda mais no âmbito da Polícia Civil. Como já tinha conhecimento que a Promotora já estava residindo na cidade de Videira a “trocentos  anos”, procurei ficar tranqüilo pois tinha certeza que deveria estar de certa forma numa situação inusitada, em especial, porque ‘Corregedoria’ é ‘Corregedoria’, coisa que não faz bem, aliás, todo aparelho opressor subjetivamente oprime, ainda mais quando somos participes da engrenagem. Mas há o outro lado, podemos fazer “justiça”, a nossa “justiça”. Estava curioso para conhecer “Regina”, diferente dos outros que estavam apreensivos. Fiquei imaginando uma “gorduchita”, “baixota”, de cabelos loiros e crespos, roupas coloridas, jóias, parecendo pedante como arte de defesa, dando a impressão de afetada por ‘egos’, talvez “ditadora”, “autoritária”... Mas tudo aquilo era coisa da minha mente fértil que se projetava a fazer cogitações apressadas. Lembrei que momento antes, logo no início da manhã estive na Delegacia da Comarca de Videira conversando com o Delegado Luiz Felipe Fuentes e o mesmo havia falado bem da Promotora Regina, o que já era suficiente para me tranqüilizar. 

Pois bem, saímos da Delegacia Regional e fomos a pé até o Fórum de Videira que ficava ao lado da Prefeitura Municipal, tudo muito próximo de onde estávamos. Eu e Marilisa caminhando juntos na frente e logo atrás Ariane e Daniela. Chegamos no Fórum e estranhei a porta giratória, parecia coisa de banco, mas se explicava em razão da possibilidade de alguém querer entrar armado e... Pensei nas Delegacias, onde também existe essa possibilidade e se a moda viesse a pegar? Mas de outra parte, desconhecia Delegacias de Polícia no mundo todo que tivessem portas giratórias. O vigilante que estava na porta prontamente nos atendeu, informando que a Promotora Regina se encontrava na parte superior do prédio, em seu gabinete. Fui liderando à frente, pelo corredor e avistei Regina de costas,  parecia que queria dar a impressão proposital de que ao chegarmos a encontrasse e percebesse ela mexendo no seu computador. Pude perceber logo que trajava um “terninho” preto (jaqueta e calça). Era realmente baixinha, cabelos loiros e lisos. Não era “gordinha” e sua pele era bem cuidada, podendo perceber o uso de produtos de rejuvenescimento de finíssima qualidade. Antes de entrar no seu gabinete fui me anunciando dando ares de espontaneidade e que estava bem à vontade. Certamente que os gestos que Dra.. Regina fez antes da minha chegada revelavam que percebeu nossa aproximação, nossos passos, razão porque acho que procurou demonstrar que estava entretida com algum trabalho (virou-se rápido, inclinou-se para frente do computador...). Sim, aquela poderia ser uma forma de procurar revelar segurança..., coisas da vida e que todos nós fazemos diante de certas circunstâncias. Da porta não economizei no sorriso, ao mesmo tempo pedi licença para invadir aquele que parecia ser o seu espaço. Logo que me viu Regina levantou-se e veio ao meu encontro,  também, retribuindo com um sorriso afável, discreto e verdadeiro. Seu andar era ligeiro e elegante, deduzindo que fazia academia. De relance pude imaginar que era uma mulher vaidosa e atenta, além de transmitir sensualidade, fineza e ternura. O outro ponto era que aparentava estar um pouco nervosa e de certa forma ainda não se sentia bem à vontade com a nossa presença, talvez em razão da “Corregedoria” ou da sua condição de “Promotora-Testemunha”, o “estar do outro lado, coisa que parecia mais ter que ser suportável, diferentemente da chegada de alguém mais importante, um artista, um intelectual, um político, empresário, jurista, Desembargador, jornalista... Sim, era eu mais os membros da nossa comissão, pessoas simples, policiais...  Apresentei as pessoas que me acompanhavam e como percebi que Regina continuava numa situação um tanto desconfortável, procurei falar um pouco sobre amenidades, em especial, porque o advogado e o acusado ainda não tinham chegado para acompanhar a audiência. Regina depois que ficou mais solta comentou que os Promotores mandavam expedientes para a Corregedoria com denúncias contra policiais, sem saber do resultado, ou, ainda, no mínimo, não recebiam uma resposta acusando o recebimento da correspondência. Achei engraçado quando Regina argumentou:

- “Pelo menos que a gente fosse informado que receberam nossa correspondência, mas o ideal é que nos dessem uma resposta sobre o resultado do que foi apurado...”.

Sim, não foi só a frase, mas a expressão que Regina fez quando soletrou a última parte da frase, com aquele seu olhar suave, sua voz com um misto de súplicas e de sutil desafio, porém, sem querer desafiar nada, mas apenas externar uma opinião institucional. Acabei desabafando que a Polícia enfrentava muitos problemas e que seria importante Promotores de Justiça trabalharem juntos com a Polícia, Delegados, pois precisávamos muito de ajuda para melhorarmos nossos serviços. Regina ouviu atentamente , mas não quis fazer qualquer comentário. Acabei lembrando de um artigo do Procurador Alberton, quando na época em que era Procurdor-Geral havia se reportado sobre as conquistas do MP na Constituição de 1988, mas que ao mesmo tempo isso exigia uma tomada de nova postura por parte dos Promotores, como ter a “humildade” necessária no trato com outras instituições, com Delegados... Regina interrompeu dizendo que recentemente Alberton escreveu outro artigo muito bom...  Aproveitei para relaxar mais ainda dizendo:

- “Sabe como é que o pessoal lhe chama por aqui?”

Regina ficou curiosa e quis saber e eu respondi:

- “Chamam a senhora de ‘Jara’, Jararaca, sabia?”

Regina olhou e quis saber quem me disse aquilo e eu respondi:

- “São advogados, mas eu não posso dizer o nome, doutora”.

Regina fez um gesto de inclinação com a cabeça, deu peso as feições do seu rosto, tudo no sentido de lamentar aquele rótulo, ao mesmo tempo deixou escapar um sorriso “classudo”.  Em seguida fiz um comentário a respeito da questão das ingerências políticas na Polícia, coisa bastante lamentável e responsável pela situação em que nos encontrávamos em termos de letargia institucional em termos de modernização dos serviços. Aproveitei para argumentar que também no Ministério Público, apesar das conquistas e avanços, estava sujeito a ingerências políticas, porém, não quis aprofundar o assunto. Chequei a pensar na questão da pensão do governador Eduardo Pinho Moreira, que recebia salário de Desembargador por ter sido governador por apenas oito meses, uma imoralidade pública e o MP, apesar de defensor da sociedade, sempre se manteve silente, distante, autista... (quantos prejuízos ao erário público, uma afronta a sociedade, uma imoralidade que perpassa os tempos...). Também, pensei em entrar no assunto das eleições para Procurador-Geral de Justiça, onde Promotores procuram eleger candidatos identificados politicamente com o governo instalado no poder, uma forma de viabilizar negociações, conversas, entendimentos... e assim vai. Mas Regina não merecia aquele tipo de energia, pois me surpreendeu positiva e agradavelmente, até porque a Polícia possui també m telhado de vidro.