Policiais também pensam e julgam:

Dia 20.07.07, por volta das nove horas, estava retornando e logo avistei  Marilisa (depois chegou José Alves) que parecia estar me aguardando no pátio de estacionamento. Fomos os três para o interior do órgão onde haveria mais duas audiências de ouvida de testemunhas. 

Já passava das onze horas, logo que terminaram as audiência comentei  um pouco com a Escrivã Margarete  o que tinha ocorrido no dia anterior no gabinete do Delegado Dirceu Silveira. Margarete disse que estava no interior do gabinete e ouviu parte da nossa conversa. Argumentei que estava tão passado que nem a vi ela acessar o interior do  gabinete do Delegado Regional. A seguir, Margarete afirmou  que percebeu a posição que fiquei  e que era lamentável o comportamento do Delegado Dirceu Silveira naquele caso, especialmente, sua afronta à Corregedoria. Depois que encerrei essa conversa fui para fora da “salinha da Corregedoria” (segundo andar do prédio) e no hall passei a conversar um pouco com nosso policial  motorista “Zico” que parecia revoltado e aproveitou para desabafar que a Polícia Civil estava muito mal e que a culpa era  principalmente dos Delegados. Na verdade “Zico” estava era nervoso com a sua situação financeira particular, cheio de empréstimos, no final do mês praticamente não sobrava nada do seu salário,  e  me fez uma sugestão:

- “Doutor, tinha que fazer uma relação dos Delegados que comandaram a Polícia Civil nos últimos tempos, essa gente é que é responsável por tudo isso que estamos passando...”.

Interrompi:

- “Sim, não só os ex-Delegados-Gerais, mas os Delegados Regionais, Diretores...”.

Acabei fazendo o resumo do que tinha ocorrido no dia anterior  no interior do gabinete do Delegado Dirceu Silveira e “Zico” me interrompeu fazendo uma “cara de repulsa”:

- “Cruzes, doutor, isso daí não vale..., não posso nem olhar para a cara dele...”. 

Café filosófico:

Depois que encerrei a conversa com “Zico”  chegou Marilisa e eu a convidei para tomarmos um cafezinho juntos. Ela topou  com empolgação, o que me surpreendeu porque achava que o negócio dela era mais gente, pessoas agrupadas, e comigo sozinha talvez não houvesse  aquela adrenalina que ela tanto procurava para se animar, relacionar-se, abraçar, beijar e se expandir... Eu já me considerava uma energia diferente e ela deveria pressentir esse meu novo comportamento.  Fomos tomar nosso cafezinho num bar próximo à DRP,  sentamos numa  mesinha e passamos a jogar com conversa fora sobre coisas abstratas (sorrisos, sentimentos...). No início ela parecia querer tratar  sobre trabalho, sob meus protestos. Sim, chegamos a conversar sobre o episódio “Dirceuzinho” mais de uma vez.  Acabei falando de “segredos” e que era importante se atrair boas energias, pessoas do bem para nossas vidas. Fiz uma crítica sobre o “Segredo” (película) e disse que lhe emprestaria o DVD, inclusive, que depois faríamos uma crítica em conjunto. Ela, com sua mente vivaz, emendou:

- “Mas tu me disseste que não era para assistir o ‘Segredo’ ainda, lembra?”

Fiquei surpreso com sua tirada, claro que antes pretendia conversar mais sobre o assunto para prepará-la, e argumentei:

- “É mesmo, tens razão, eu disse, mas agora é para ver mesmo”.

A seguir falamos sobre o cérebro humano, como vamos morrendo aos poucos. Marilisa quis saber por que seus pais brigavam tanto. Procurei argumentar primeiramente sobre a forma como envelhecemos, vamos perdendo o melhor de nossas capacidades cognitivas mentais, como nosso complexo neural vai definhando lentamente e que por isso tempos que mantê-lo vivo o máximo possível, com poesia, música,  interlocução,  gosto pelas pessoas, leitura, meditação, desafios mentais, memorização, sensações e etc. Nesse instante segurei a mão de Marilisa e a beijei dizendo:

- “Lembra? É a segunda vez que a beijo”. 

Marilisa sorriu e disse com um sorriso que não tinha problema. Ela dava a impressão que havia amadurecido na nossa “relação” o que me deixou mais motivado, talvez tenha sido mesmo o efeito da passagem pelo portal que trouxe conseqüências boas só de senti-lo, saber que existe... Falei um pouco dos meus projetos futuros, tentando explicar que o importante não era só o poder do agora, mas a esperança pelo amanhã melhor. Marilisa concordou com meus argumentos porque o amanhã seria o nosso presente, muito embora desabafasse que não conseguia planejar seu futuro.  De todo aquele nosso momento, o ponto mais alto foi quando percebi Marilisa estava mais próxima, parecia segura e confiante, motivada, entregue, participativa... Não sabia o quanto aquilo pesava  e a certa altura argumentei que para conhecê-la melhor tinha que entrar penetrar na sua mente para ver como  sentiria as coisas, o que fazia parte do processo quântico aplicada as nossas mentes. Aproveitei ainda para argumentar que ela tinha uma necessidade muito grande de pessoas bem próximas como forma de se alimentar dessas energias, fazer trocas, gerar emoções boas... Marilisa interrompeu para confessar:

- “É bem assim. Eu na verdade preciso mesmo das pessoas. Esse meu jeito de beijar, abraçar é porque na  eu é que preciso disso...”.

Concordei  que ela era uma “sugadora” de energias, precisava desesperadamente de pessoas próximas que tivessem afinidades, ligações afetivas...  Depois argumentei que ela era muito especial e que tínhamos uma forte ligação espiritual, um magnetismo que nos aproximava,  e que isso  não implicaria em nada que tivéssemos uma convivência saudável dentro de  uma relação puramente convencional tanto nos planos profissional como pessoal. Claro que, por exemplo, uma atração   no campo da amizade  tinha que ser trabalhada sempre, um relacionamento amoroso já era algo muito remota, a nossa ligação era puramente espiritual, de trocas de energia, repercutida, dedicada, por afinidade, espelhos...,  nada que pudesse envolver algum resquício de prazer sexual, até porque ela era uma pessoa muito complicada, além da forte medicação que fazia uso interferir na sua saúde mental e física. Acabei argumentando:

- “Não vai pensar que minha intenção é te ‘comer’, não é nada disso, nem penso em te ‘comer’, tu sentes isso...?”

Marilisa lembrou o DRP de Itajaí ontem (Delegado Sílvio Gomes)  tinha dito que eu era uma pessoa muito habilidosa, diplomática... Marilisa argumentou:

- “Tá vendo, que bom que tu me achou. Assim, eu sugo a energia das pessoas e tu sugas as minhas energias... (risos)”. 

Eu pensei em fazer o contraponto, porque não era bem aquilo que ela estava dizendo, mas achei mais apropriado deixar passar batido. Marilisa ainda fez um desabafo estonteante, parecia reflexo do efeito “reisinho”:

- “Eu não suporto essa Polícia, eu detesto essa profissão, não gosto da instituição, é por isso que eu falo que quero me aposentar, tu me entendes agora?” 

Fiquei paralisado e  ao mesmo tempo procurei não revelar minha decepção com esse seu comportamento, realmente Marilisa precisava de cuidados, evolução, não tinha capacidade de compreender a grandeza da Polícia, um celeiro  vivo para se pesquisar comportamentos, um lugar de experiências verdadeiras que revelavam o cotidiano das pessoas, onde nada era previsível, os desafios eram constantes, havia o tudo por fazer, um laboratório para se estudar e reestudar o crime, as condutas internas e externas, as relações humanas, uma riqueza histórica incomensurável  e diante disso tudo fiz meu comentário:

- “Tudo bem, mas só que não podes ficar fazendo esse tipo de desabafo  por aí, ainda mais na frente dos policiais. Marilisa, pensa bem, é a nossa profissão, é a nossa vida, temos que repassar para nossos policiais uma imagem positiva. Você nunca me viu falando mal da nossa instituição, viu?”

Marilisa:

- “Realmente, eu nunca te vi falando mal. Mas tu és bem diplomático, habilidoso...”.

A impressão era que Marilisa estava relembrando o que o Delegado Sílvio Gomes havia dito para ela na parte da manhã,  durante nossa visita relâmpago  à DRP de Itajaí.  Resolvi ressuscitar um ícone da história:

- “Bom, Alexandre “’ Grande’ já dizia que a ‘a calma é a arma dos grandes guerreiros...’”.

Na verdade eu nunca imaginei que Marilisa nutrisse aquele sentimento de desgosto com a Polícia Civil, ela sempre disfarçou bem, fazia seus desabafos desatinados, parecia um reflexo do próprio meio, conseqüência de respirar o  caos imanente a nossas vidas, a falta de perspectivas, ouvir o reclamo geral da “patuléia” policial e dos nossos “clientes” que buscam as repartições policiais... Marilisa ainda confessou que o seu maior defeito era ser “impulsiva”. Olhei bem fundo nos seus olhos e lembrei que muitas vezes percebi de relance que ela tinha surtos, projeções desvirtuais..., como se fosse um surto de desejos tresloucados, como se quisesse fazer coisas radicais por puro impulso..., até por desatino um abraço, um beijo, dizer coisas quentes e próximas para sentir o aconchego, depois um arrependimento que passaria como o vento...,  depois  precisaria se reabastecer ou até se distanciar..., talvez mudasse até de  humor. Conversamos sobre nosso cérebro, justamente no momento em que peguei meu “stévia”  para adoçar o café. Marilisa primeiramente revelou que desconhecia que “stévia” era uma planta já conhecida pelos índios. Procurei dar algumas informações sobre o assunto, escondendo minha perplexidade ante a sua falta de informações, conhecimento... Depois Marilisa revelou que parou de tomar alguns remédios só por conta das nossas conversas sobre saúde mental. Acabei fazendo alguns comentários sobre “degeneração do cérebro” e a importância do “cerebelo” para o funcionamento básico do corpo humano, a importância do  sistema límbico, as glândulas encefálicas (pineal, hipotálamo, hipófise...), as áreas de Broca, Wernicke... Fiquei contente e percebi (como em outros momentos)  que Marilisa dava importância a muitas coisas que eu lhe falava, muito embora parecesse distante, rasante, “relativizante” em termos argumentativos... Acabei comentando que dali a alguns séculos à frente o homem conseguiria atingir a imortalidade, mas isso seria um longo processo para se chegar ao máximo da inteligência artificial, entretanto o grande desafio eram as nossas memórias, preservar nossos sentidos e ampliá-los de forma saudável e humana, preservar nossas emoções..., porque uma coisa era manter o corpo sempre jovem, outra era manter nossas emoções, recuperar os sentidos novinhos em folha como uma criança, um jovem... Citei como exemplo uma adolescente apaixonada, como foi o seu caso, também, comentei sobre a emoção de um primeiro beijo, a capacidade de sonhar e se emocionar, nossos sentimentos... e que tudo aquilo  ficaria difícil de se restaurar porque um ser humano na sua individualidade possuía um acúmulo de experiências que não poderiam ser simplesmente deletadas, mas aperfeiçoadas... Marilisa me interrompeu:

- “Ah, será que não vai dar para a gente voltar a sentir as coisas como antes? Será que não vão dar um jeito nisso também?”

Em seguida ela me perguntou por que seria que seus pais brigavam tanto. Argumentei que na fabricação de memórias permanentes o “hipocampo” tinha  função especial. Para ilustrar citei a receita para se fazer um bolo. Quando se é jovem, cada órgão ou glândula encefálica envolvida no processo contribui com alguma substância química. O material é envidado com um padrão suficiente a produzir boa massa, considerando as condições internas e externas do evento que está sendo processado. Quando envelhecemos, diminui (ou cessa) a atividade desses mecanismos logísticos envolvidos no processamento de material químico e transmissão, o que acaba comprometendo a fabricação, o armazenamento, o resgate de memórias no córtex frontal, sem contar o processo cognitivo como um todo. Com isso, as pessoas, vão perdendo o gosto pela música, poesia, diversão, arte, a atração física esmaece, hormônios desaparecem, doenças recrudescem, corpos fenecem...., vão ficando mais amargas ou insensíveis como antes. Assim, um casal que envelhece junto acaba perdendo em muito o que tinham em comum quando eram mais jovens e apaixonados, porém, tem as memórias antigas mais disponíveis. A  capacidade de perceber o mundo se altera até porque já  não conseguem enxergar e sentir como antes, perdem a qualidade de manter e expandir seus  sentimentos e emoções. Com isso afloram os instintos mais primitivos  e prevalentes, como a raiva, o ódio, desprezo... considerando que as memórias ligadas à sobrevivência são mais antigas  e fáceis de ser acessadas via “cerebelo” que tem acesso a memórias de curta duração e via “fast track” (p.ex.: cheiros, odores...), pois o gatilho acionador dessas “pastas”  (a emoção deletéria, ruim é mais forte, instintiva, presente...) cria um vínculo bem mais rápido (como por exemplo os xingamentos, injúrias, menosprezos, discriminações...), instigando ou buscando sempre aquela informação que se torna mais  disponível em razão da química forte, resultado de padrões emocionais  difusos produzidos por meio dos órgãos sensitivos, responsáveis pelo acionamento da nosso sistema de retransmissão neural como gatilho constritivo que exige processos cognitivos especializados que já estão comprometidos e vão dando espaços para memórias instintivas que envolvem sobrevivência...  Certamente que a amígdala, hipófise, supra renal... já não são mais as mesmas se comparadas a de uma pessoa jovem, também os neurotransmissores... (hormônios tipo: endorfinas, noradrenalina, melatonina, acetilcolina, dhea, cortisol, dopamina, serotonina, insulina, glucagon, estrogênio, progesterona, testosterona, prolactina...), envolvidos em todo esse processo.    Comentei que na verdade tudo isso ocorria principalmente em razão do nosso “instinto” de sobrevivência.  Ao final de meus comentários Marilisa me olhou fixo e disse:

- “Ah, agora entendi porque eles brigam tanto...”.

Em razão disso recomendei sobre a importância de se ouvir música, de se emocionar, conversar com pessoas, falar de poesia, se interessar por coisas que tenham realmente conteúdo, aprender novas coisas que exijam raciocínio, desenvolver e manter a capacidade de memorização, cheguei a recomendar que lesse o livro “Doenças Degenerativas do Cérebro” (Dharma Kalsa...), “Assepsia Neural”, “Plasticidade Neuronal”...  Lembrei naquele momento a importância de estarmos bem, do “milagre” da vida que nos coloca frente a frente, no devido espaço e tempo (sentados em um barzinho merreca, na beira da rua, numa praia, em Blumenau, ao lado de uma DRP..., como se o mundo tivesse parado para nós...). Argumentei, ainda, sobre a importância da saúde mental e como isso era vital nas relações que formamos ao longo da vida. Lembrei que durante a nossa trajetória existencial as pessoas se perdem, o que era muito triste, em especial, quando se tratam de pessoas queridas... Marilisa reiterou que era altamente dependente das pessoas, que amava e precisava abraçar, tocar, sentir e que isso lhe fazia muito bem. Na verdade ela comentou que quando abraçava uma pessoa não estava só querendo agradar, mas, isto sim, principalmente, fazer bem a si própria, porque isso desencadeia uma reação interna muito boa no campo das conexões neurais. Deixei passar batido e não fiz comentário algum se ela entendeu ou não o assunto, mas enfim, quis dizer que quanto mais envelhecemos mais comprometemos e devemos exigir e preservar nossas redes neurais, nossos órgãos envolvidos no processo responsável pelo processamento e armazenamento de memórias, que durante as nossas vidas podemos acelerar ou segurar um pouco esse processo degenerativo. Marilisa reiterou que por minha causa estava sendo mais zelosa com sua saúde, cortando vários remédios que ingeria regularmente para moderar suas “quedas”  mentais.  Também relatou que na manhã seguinte cedo iria com sua mãe passar o final de semana com as tias na cidade de Jaraguá do Sul, já na semana próxima iria lixar a parede do quarto do seu filho, passar massa corrida, lixar novamente e, finalmente, pintar. Como suas tias são pessoas de idade, resolvi brincar:

- “Sim, então você vai ser a princesinha...”. 

Em seguida resolvi fazer um convite:

- “Puxa, então nós temos que ir novamente naquela pizzaria ‘Baggio’, não é?”

Marilisa deu riso bem rapidinho  e respondeu:

- “Não, na ‘Baggio’ não, tem que ser noutro lugar!”

Fiquei pensando: “Por que ela respondeu daquela maneira? Por que teve aquela reação? Ah, já sei, foi porque eu não gostei da pizza naquela noite. Mas que fantástico, ela lembra de tudo, não ta tão desmemoriada assim, hummm, é um mecanismo de sobrevivência, tá certo! Bom, se um dia ela ler tudo o que eu escrevi vai acabar dando boas risadas e vai pensar que eu ‘realmente não só pensava demais, mas escrevia...”. Depois fomos para o estacionamento da DRP, onde estavam nossos carros. No caminho Marilisa disse:

- “Meu Deus, eu te devo tanto...”.

Interrompi:

- “Pára, Marilisa! Um dia eu vou te dizer o que você me deve, ta bom!” 

Ela respirou fundo e comentou:

- “Nossa, assim? Que medo...!”

Interrompi percebendo que minha frase havia provocado reações de impacto:

- “Ah, não, naquele dia lá no hotel tu viesses como aquele negócio de medo e olha no que deu? Agora de novo, não vale!”

Marilisa me interrompeu:

- “Mas esse ‘medo’ também não é bom?”

Ela dava um sinal de que estava pensando no meu pedido, o que poderia ser. Como ela quis dizer que aquele “medo” gerava uma energia boa, eu procurei deixar daquele jeito, para não ter que falar sobre o assunto, até porque estava de bom tamanho o que já tinha sido dito. Depois, comentei que teria que ir para Florianópolis levar minha vizinha para consultar meu irmão (médico) e que voltaria ainda no mesmo dia para São Francisco. Marilisa reiterou que iria para Jaraguá do Sul com sua mãe passar o final de semana com as tias... Próximo do meu carro, nos despedimos e ela veio me abraçar, o que me deixou feliz. No abraço apertado eu a segurei  e disse no seu ouvido:

- “Olha que eu não vou mais te largar”.

Marilisa se entregou mais ainda ao abraço e ficamos segundos mais do que o normal, do que o esperado, acabei tomando a iniciativa da despedida... Quando estávamos para entrar cada qual no seu carro falei para ela na distância que nos separava:

- “Ta vendo, não há máquina que substitua esse nosso abraço, heim?”

Marilisa sorriu, concordando.