Ruas de fogo e ruas de prostituição:

No dia 03.10.07, às onze horas e trinta e quatro minutos tinha interrompido uma conversa com Marilisa, pois paramos primeiro para um “xixi” das mulheres próximo à cidade de Apiúna. Depois de passados uns trinta minutos chegamos para o almoço no trevo da entrada principal de Rio do Sul.  Logo que reiniciamos a viagem, continuei a conversa com Marilisa, fazendo meus desabafos sobre a situação em que se encontrava à Polícia Civil do Estado. Comecei fazendo um relato sobre a realidade de Itajaí, incluindo o nosso projeto do “Fundo de Aposentadoria”. Relatei a estratégia de Maurício Eskudlark para neutralizar o pessoal, evitar quaisquer focos de descontentamento, agitação. Relatei que depois que havia articulado o nosso “anteprojeto” na cidade de Itajaí o Delegado-Geral (Maurício) se reuniu  com todos os Delegados das regiões de Itajaí e  Balneário Camboriú. Durante a conversa foi cobrado sobre a legislação que institui o fundo para os policiais militares. Argumentei que o Delegado-Geral Maurício, diante da pressão dos Delegados,  saiu com uma desculpa esfarrapada, tratando os seus colegas com “retardados”, “burros”, “idiotas”, pois teria dito que já “havia conversado com o governador sobre a legislação da PM (LC 378/07) e que não era bem assim, que o pessoal havia entendido mal, pois os PMs somente faziam jus a cem reais por ano trabalho, e que até aquele momento  o benefício não havia sido  pago para ninguém, conforme relato que me fez pessoalmente o Delegado Regional Silvio Gomes. Lamentei que os Delegados não tivessem se rebelado durante o encontro, também,  que   resistiram e engoliram  aquelas considerações inverídicas... Marilisa aproveitou para dizer que já tinha conversado  com o Deputado Darci de Mattos sobre o nosso “anteprojeto” e que o mesmo ainda não havia arranjado  tempo na sua agenda para tratar do assunto. Percebi que aquela incursão de Marilisa foi mais para dar uma satisfação diante da minha narrativa,  e sem fugir da sua elegância e traquejo hábil na interlocução, foi dizendo que tão logo tivesse  um contato com o parlamentar para nos receber que me avisaria. Aceitei numa boa a sua propositura, até porque em momento algum estava cobrando qualquer coisa dela, já contava aquilo como “favas” passadas, assunto superado, coisa do passado, perdas e danos... Aproveitei para noticiar ao pessoal que Marilisa estava bem nas pesquisas para a Prefeitura de Joinville, conforme resultados apresentados no jornal de domingo (Diário Catarinense). Marilisa sorriu com satisfação,  dando a impressão que não estava afetada por aquilo e argumentou:

- “Eles querem é usar o meu nome. Eu já falei lá no ‘Partido’ que eles querem é ficar usando o meu nome. Eles querem é negociar uma coligação. O Darci esteve comigo e pediu pelo amor de Deus para que eu não apoiasse o Mauro Mariane...”.

Argumentei:

- “Bom, o importante é tu te cacifares, faz parte do jogo político. Política é isso mesmo, é moeda de troca. Mas o importante é tu te fortaleceres politicamente. Quem sabe nas próximas eleições tu te lanças candidata à Deputada Estadual...”.

Marilisa olhou pela janela, escondendo seus olhos nos óculos de sol que parecia novo, soltou um sorriso distante e foi avisando:

- “Ah, eles querem  é me usar. Eu tenho que pensar o que eu quero da vida. Eu não sei se quero isso para mim...”.

Fiquei pensando: “Talvez esteja aí parte do seu segredo: ‘o que realmente quer da vida para si, tantas reflexões, questionamentos...’”.

Interrompi:

- “Bom, tu sabes que política é isso, né Marilisa! Tu tens que te cercar das pessoas certas, são tipos ‘anjos da guarda’, porque do contrário não vais resistir. No início eles dizem que te apóiam, que vão te dar condições, que é bom, um oba-oba!, e nessa tu vai indo, vai, vai, vai, e quando te dares conta estais no mato sem cachorro, literalmente sozinha. Bom, eu já fui candidato e sei como é que é...”.

Marilisa concordou ao mesmo tempo que disse  que tinha que pensar o que era melhor para sua vida. Concordei, muito embora dissesse que o contato com o Deputado Darci de Mattos era muito importante na medida em eles têm interesses em apoio político na sua candidatura à Prefeitura e nós tínhamos interesse no nosso “anteprojeto”, assim...  Marilisa concordou e eu pedi que ela agendasse o encontro e que nós faríamos tudo em nome da “Reajup” (Rede de Assistência Jurídica aos Policiais Civis), entidade que presidia, muito embora estivesse  desativada. Era evidente que dentro de mim havia a convicção que Marilisa escolada como era não faria coisa nenhuma, a não ser que eu ficasse “enchendo a sua paciência”, coisa que não faria. Depois, relatei a estratégia da Delegada Sonéa de focar lutas institucionais distantes do Estado de Santa Catarina, tentando desviar a pressão sobre as questões estaduais, como era o caso dos “TCs” (Termos Circunstanciados), pois o governador chegou a assinar um Decreto favorecendo a PM em detrimento da Polícia Civil. Também, mencionei o anteprojeto do “Fundo de Aposentadoria” e outras questões de interesses dos Delegados. Argumentei que como o marido da Delegada Sonéa era o Secretário Adjunto (Delegado Neves) e poderia ter pretensões de assumir a Secretaria no lugar do Deputado Ronaldo Benedet (quando o mesmo se desincompatibilizasse para concorrer à reeleição). “Zico” interrompeu, dizendo:

- “Ah, doutor, ele quer currículo. Ele quer é currículo para mostrar para os outros. Ela e ele vão querer dizer: ‘ó eu fui Secretário da Segurança Pública’, que besteira...”.

Continuei meu relato dizendo que fui algumas vezes na DRP de Rio do Sul e conversei com Delegados, como o caso de Roberto Schulzle (DRP) e da Delegada Karla Bastos. Afirmei  que a Delegada Karla era muito amiga da Deputada Ana Paula Lima (esposa do Deputado Federal Décio Lima). Também, comentei  que a irmã da Delegada Karla era casada com um Deputado Estadual da Região de Rio do Sul, sendo que numa das minhas visitas Karla me contou que a Presidenta da Adpesc, Delegada Sonéa havia acabado de ligar para a mesma pedindo apoio político e que fizesse contatos em razão da “PEC” (inclusão dos Delegados como carreira jurídica) em Brasília. Relatei para Marilisa que tentei sensibilizar Karla e outros Delegados de que nós tínhamos que cobrar de Sonéa uma posição aqui no Estado e que a luta em Brasília era secundária, terciária, distante, o que importava concluir que se tratava de uma estratégia de empurrar com a barriga... e que só o tempo mostraria a verdade em termos de “distração” da classe. Cheguei a argumentar que aquela “PEC” nacional beirava o impossível  em termos de ser aprovada, pois era complicada, possuía muitas resistências de governos estaduais, políticos... Argumentei  que no momento em que a Delegada Karla conversava comigo e eu externava essas preocupações, ela aparentemente concordava com meu raciocínio, que era importante cobrar uma “atitude” da Presidenta  Sonéa, pois seu marido era governista e provavelmente iriam querer “calar” os Delegados durante os quatro anos de governo para mostrar competência no processo  .   Conclui meu relato dizendo que o resumo da ópera foi que alguns dias atrás abri o “site” da Adpesc e qual não foi a minha surpresa ver as fotos de Sonéa junto com os Delegados Karla e  com o Delegado Roberto e mais o Vice-Presidente da Adpesc (Delegado Artur Régis) em Brasília visitando gabinetes de deputados, aos sorriso, posando para fotos ao lado de políticos, num verdadeiro “passeio” pela Capital Federal.

A seguir, argumentei que as fotos estavam no “site” e que gostaria que “historiadores”, “especialistas em fazer leitura de faces”, espiritualistas, analistas e outros pesquisadores transcendentais, dessem uma olhada nas fotos para descrever o tamanho dos “egos” das pessoas e argumentei:

- “É claro que eles vão dizer que estavam numa cruzada indômita em Brasília. Vão dizer que a  missão era gloriosa, nobre, magnânima, mas dá licença, né Marilisa, o que a gente vê é muita distração da classe ingênua, fácil de ser iludida..., sinceramente, como as pessoas se deixam levar, alguns vendem sua consciência em troca de agrados, viagens... Imagina, Marilisa, amanhã a Sonéa sabendo que você é bem relacionada na região norte do Estado, te liga pedindo para tu ires com ela para Brasília a fim de visitar gabinetes de deputados, senadores, com tudo pago... Tudo bem, eu não vou te criticar publicamente, jamais, mas vou te dizer pessoalmente: ‘puta-vida’, Marilisa, como é que tu fosses servir para esse papel?’ Ah, sim, isso eu posso te dizer, porque tu conheces a estratégia dos dirigentes da Adpesc, sabes que estamos sendo cozinhados, então... Assim como o Maurício foi lá apagar aquele fogo em Itajaí no caso do nosso projeto do ‘Fundo de Aposentadoria’, a Sonéo atacou a região de Rio do Sul e levou os Delegados que poderiam exercer  alguma liderança para Brasília, numa atitude de ‘atrelamento”, isso é vergonhoso, e ainda publicaram as fotografias da viagem. É por essas e outras que nós estamos nessa situação...”.

Na verdade fiz um desabafo ao descrever todo aquele rio de lágrimas. Marilisa concordou com meus argumentos (não sei se mais pelo momento ou pela onda, ou porque também nutria o mesmo sentimento de frustração), dizendo que esse tipo de procedimento só mantinha a instituição no atraso. Pelo sim e pelo não tive que concordar. Aproveitei para relatar o caso do amigo Delegado Darolt em Blumenau que quando comentei era o ‘DRP’  se achava intocável e eterno, e que várias vezes procurei o mesmo pedindo que liderasse um movimento para organizar os Delegados Regionais, criando um colégio com seus pares. Argumentei que todas vezes que conversava com Darolt o mesmo concordava com tudo o que eu dizia, me elogiava, porém,  e quando eu virava às costas, era provável que não lembrava de mais nada. Citei que quando Darolt perdeu a Delegacia Regional para o iniciante Delegado Rodrigo Marchetti, o mesmo entrou em depressão e num encontro que tive com ele na Delegacia de Gaspar teria me dito que estava pensando em se aposentar, que era uma vergonha um Delegado como Rodrigo Marquetti ser nomeado Delegado Regional de uma cidade do porte de Blumenau, e que estava muito triste... Argumentei que diante daquele desabafo de Darolt, aproveitei para dar umas alfinetadas, lembrando nossas conversas nos anos de 2004 e 2005, em cuja época  ele sentava absoluto na cadeira de DRP. Também, falei das minhas súplicas, dos meus pedidos, das minhas posições em relação a administração “T.” que afrontava Delegados Especiais, também, das perdas que a Polícia Civil passou no Governo Luiz Henrique (PMDB), da necessidade de uma Emenda Constitucional... Argumentei que cheguei a perguntar para Darolt o que ele tinha feito na época que era poderoso, e que teria vaticinado  que sentenciei que ele acabou colhendo o que plantou. Argumentei que todos os DRPs agiam assim, eram omissos e que isso era uma vergonha para a instituição, pois se se conscientizassem da força que tinham unidos, poderiam evitar muita coisa, prestariam ajuda.. Bom, percebendo que estava bastante inflamado, pedi desculpas e comentei   que já tinha falado demais, mas completei:

- “Bom, todo mundo sabe que o lance do Maurício hoje é montar um ‘esquemão’ para ser candidato a Deputado Estadual. O negócio do Maurício é só política. Por isso,  Marilisa,  que eu gostaria de te ver candidata, só para ver a cúpula se virar, porque tu és carismática, tens votos e agente te ajudaria. Aproveitei para pedir que Marilisa anotasse no seu caderninho virtual uma outra máxima (Volteriana), vê se anota: ‘de barriga cheia eu penso de um jeito, de barriga vazia eu penso de outro jeito bem diferente’”.

Marilisa disse que estava anotando  e  lembrei que depois cobraria as máximas. Perguntei para ele se havia lido o meu parecer sobre “TCs”. Ela foi sincera, dizendo que não teve tempo... Imaginei: “Não teve tempo, nem vontade e muito menos saco para ler”.  Já esperava aquilo e cheguei a comentar que no dia que a vi com o material nas mãos, no gabinete do Delegado Regional Dirceu Silveira (Joinville), a minha vontade foi pegar o documento, pois sabia que ela não chegaria a ler.. Em seguida, retomei o assunto principal, e fui comentando: 

- “Mas tu não vê, Marlisa,  o caso da Delegada Magali, que estava lá na Corregedoria? Bom, eu vou aproveitar que a Ariane está dormindo e que o “Zico” está dirigindo e não escuta nada...”.

Nesse momento Ariane do banco de trás quase que deu um grito de protesto:

- “Eu não estou dormindo, estou escutando”. 

Do meu lado “Zico” fez uma manobra ousada na direção do carro, como se estivesse defendendo uma curva e ao mesmo tempo olhou para mim, mostrando que estava ‘a mil’ plugado na conversa.  Marilisa sorriu e eu avancei:

- “Bom, a Magali foi para Balneário Camboriú assumiu eu não sei se a Delegacia da Comarca ou a da Mulher, foi uma das duas, em troca de uma promoção. Eu sei que propuseram a ela ir para lá em troca de promoções sem precisar ser removida, só por meio de ‘designação’. Então, Marilisa, o que é isso? É uma vergonha, eu que trabalhei nessa lei de promoções fico muito triste. Não é a lei que está errada, são os homens que administram a instituição, não há lei que resista a homens dessa estirpe, é muito triste”.

Marilisa interrompeu:

- “Bom, então a Ruth vai dançar (estava prometido para Ruth remoção de Joinville para Balneário Camboriú, onde residia sua mãe), prometeram para ela a Delegacia da Mulher de Camboriú”.

“Zico” interrompeu para comentar  que todo mundo tinha conhecimento que a Delegada Magali só aceitou ir para Balneário Camboriú em troca da promoção. Ariane atrás foi dizendo:

- “A doutora Magali disse isso para todo mundo lá na Corregedoria. Todo mundo sabe”.

Fiquei pensando:

- “Meu Deus, como é que pode...?” 

Aproveitei para recomendar:

- “Bom, gente, isso fica aqui dentro. Mas o que eu queria chamar a atenção é para o ‘esquemão’ que o Maurício está montando. Marilisa, anota aí mais outra máxima, anota no teu caderninho, a minha mãe sempre dizia que de ‘concessão em concessão se acaba na rua da...?”

Marilisa completou:

- “Na rua da irregularidade” (risos).

Corrigi:

- “Não, ‘na rua da prostituição”.

Marilisa interrompeu:

- “Puxa, então é pior ainda, a prostituição é pior” (risos).

Continuei:

- “Pois é, mas imagina, Marilisa, foi como naquela tua remoção lá para Gaspar, lembra? Tu fosses promovida, mas não fosses. Não estou querendo te criticar, apenas dizer que sempre foi assim. Não é a lei que está errada, são as pessoas dentro da instituição. Só que com essas concessões todas, estão todos amarrados. É por isso que não há resistência. É por isso que está todo mundo acovardado. Esse governo do Luiz Henrique da Silveira foi o pior para os Delegados, o pior para a Polícia Civil. Perdemos tantas coisas, começou com a Academia, a Corregedoria, a Polícia Científica. Depois equipararam os salários dos Oficiais com os Delegados. Depois foi a equiparação dos Peritos com os Delegados, imagina, não estou querendo criticar os Oficiais, os Peritos e os Médicos Legistas, mas olha as diferenças de responsabilidades, agora os TCs, então como esse governo não há precedente na história. E onde estão os Delegados? Onde estão os Delegados Regionais? Onde estão nossas lideranças classistas? Onde está nossa cúpula? Todos acovardados, não vimos resistência. Eu não gosto de líderes, mas concordo que às vezes se constituem um mal necessário, nós hoje não temos lideranças, só serviçais na Polícia Civil, onde estão os nossos líderes? Eles não existem...!”