Conversa ao pé do ouvido:

No dia 01.10.07, por volta das quinze horas, o  Delegado Hilton Vieira veio até meu gabinete na Corregedoria da Polícia Civil e logo que se anunciou fechou a porta para me confidenciar que durante o curso das investigações que estava realizando na região de Joaçaba foi registrado uma conversa entre o Delegado Regional Gross e mais um outro interlocutor. Segundo Hilton, o Delegado Gross começou a falar mal dos Delegados Especiais quando afirmou que eram todos uns “v.”, não queriam saber de estudar, não se atualizavam, ficavam na Corregedoria e não faziam nada, e que muita coisa ruim que acontecia naqueles dias era por culpa exclusiva deles. Hilton Vieira chegou a comentar que esse Delegado Regional foi seu aluno no curso de formação realizado na Academia da Polícia Civil. Ouvi com atenção o relato e desabafo do velho amigo Hilton Vieira e em tom de brincadeira fiz uma provocação:

- “Filha da mãe, filha da mãe, o quê? Ele disse isso dos Delegados Especiais?”

Sim, nós éramos Delegados Especiais e Hilton Vieira confirmou completando:

- “Pois é, eu ouvi ele aqui na Corregedoria hoje de manhã. Ele estava todo nervoso. Lá pelas tantas eu disse para ele que era para respeitar os Delegados Especiais e que muito que hoje existe na instituição, para o mal ou para o bem, é porque os Delegados Especiais construíram essa estrutura que beneficia ele e tantos outros”.

Hilton completou com sabedoria:

- “Então, Gross, antes de sair por aí para falar mal dos Delegados Especiais pensa duas vezes’. Logo que eu disse isso ele me interrompeu dizendo: ‘Mas eu não falo mal de Delegado Especial!’ Sem chances, eu disse: ‘Que bom, Gross, que bom!’”. 

Hilton Vieira estava querendo dizer para o Delegado Gross que estava fazendo seu trabalho como Corregedor, apesar de doente (com um tumor na próstata...), mas queria continuar sua missão. Compreendi o que Hilton Vieira queria me dizer, até porque já tinha conhecimento dos fatos, e arrematei:

- “Bom, é assim mesmo, Hilton. Eu, também, vou trabalhar até o final deste governo, depois... O problema é saber a hora de parar, é complicado mesmo a gente tomar essa decisão, ninguém se prepara para parar...”.

Hilton interrompeu com fatos novos:

- “Eu estou trabalhando naquele caso lá na região de Tangará. Eu só trabalho com o Ministério Público. Hoje eu me escudo no Ministério Público. Quando chego numa cidade vou direto procurar os Promotores para fazer investigações...”.

Era óbvio que agindo assim um tapete vermelho era estendido para o “Delegado-Corregedor” e lembrei de Lipinski que também gostava desse tipo de contato, de trabalhar para o MP, parecia que inflava os “egos”...  e argumentei já mais ácido:

- “Tudo bem, os Promotores ficam satisfeitos. Imagina, um Delegado-Corregedor vai direto para uma cidade investigar policiais, mas primeiro vai beber na sua fonte, isso é o máximo...!”

Hilton não se fez de rogado e revelou que também conversou com o Juiz de Tangará e o mesmo pediu que se decidisse meio rápido sobre os pedidos de prisão temporárias, pois os envolvidos seriam candidatos nas próximas eleições e se ficasse muito em cima do pleito eleitoral poderia haver dificuldades em face da legislação. Recomendei:

- “Bom, Hilton, eu só espero que Deus ilumine essa tua mente para o bem, não é?”.

Hilton Vieira me interrompeu e retificou:

- “Para o justo, para o justo!”

Fiquei pensando nas suas palavras e acabei reinvocando os casos dos Delegados “Alcino” e “Gregório”, quando a ex-Secretária da Segurança Pública (Lúcia Stefanovich) utilizou dois pesos e duas medidas, ou seja, um deles foi execrado (demitido) e o outro premiado... Hilton argumentou que eu já tinha relatado aquele caso e insistiu na tese do “justo”, que só trabalhava com o Ministério Público, claro que aquele discurso enchia sua boca... Acabei fazendo um relato das minhas investigações sobre policiais em Blumenau no ano de 1985, quando um conhecido e contemporâneo de faculdade, investido no cargo de Promotor de Justiça, a quem eu pedi ajuda, acabou me deixando sozinho no meio da estrada, justamente porque os investigados conseguiram que o Governador viesse a intervir politicamente no caso e as “instituições” tiraram o corpo fora, e tudo foi para a “gaveta”, enquanto eu fiquei com o “mico” nas mãos. Relatei que presenciei o Promotor atendendo uma ligação do Corregedor-Geral do Ministério Público que lhe perguntou o que estava fazendo na Delegacia, no meu gabinete, e que mandaria a Corregedoria no dia seguinte verificar seus procedimentos no fórum... Não pretendia questionar a idoneidade das instituições e de muita gente boa que trabalhava tanto no MP como na SSP, mas, isto sim, queria que Hilton Vieira  refletisse um pouco mais sobre a necessidade de termos “luz própria”, de trabalharmos com independência e não subserviência institucional (claro que a união de forças com o MP, Judiciário..., sempre será salutar para defesa dos interesses da sociedade. O problema era que Hilton Vieira parecia buscar no trabalho a fonte de emoções para sua atuação profissional comprometida pelos problemas pessoais e, especialmente, em razão da sua experiência à frente de cargos de direção, já que o Ministério Público cada vez mais buscava influir na escolha dos futuros dirigentes da Polícia Civil. Sob esse aspecto, a atuação de Hilton Vieira, numa visão hiperbólica correcional, poderia ser definida como uma caricatura de “exterminador de policiais”, ou um “caçador de fantasmas policiais”, personagens de filmes futuristas à caça de seres andrógenos... Claro que no caso do Delegado “Gross” deveria haver um ingrediente político, pois esse Delegado foi uma das maiores opositores  ao Delegado “RLT”, para quem Hilton Vieira estava, digamos, vinculado. Lembrei que nessa época a esposa de Hilton Vieira era sua secretária, cujo período foi de “vacas gordas” em termos de exercício de poder, também, seus enteados estavam atuando na Corregedoria (Gerência de Orientação e Controle) da Polícia Civil. Sim, aquele “órgão” esdrúxulo, deformado e que foi instrumentalizado para servir aos propósitos da Delegacia-Geral para impingir vinditas, orquestrações, projetos políticos...  Sim, era verdade que a exemplo de Marcucci, o Delegado Gross selou seu destino e a impressão que ficou foi que Hilton Vieira havia focado essa adrenalina a partir da sua auto invocação para viajar ao oeste catarinense, especializando o seu olhar para a perscrução, como numa balada em que um inquisidor vai atrás do fogo, transita pelo inferno, depara-se com sangue, respira ambieentes de terror..., para se transformar num “anjo salvador”.  Acabei interrompendo para dizer que por exemplo na cidade de Joinville a Polícia Civil serviu aos Delegados João Pessoa, Zulmar, João Rosa, Marcucci... Também, serviu aos propósitos de Heitor Sché. Citei que o Delegado “RLT” e Maurício Eskudlark também poderiam pretender usar a instituição para alavancar projetos políticos pessoais. Hilton Vieira ouviu atentamente aquelas minhas considerações, mas o seu discurso do “justo” parecia cristalizado na sua mente, capaz de cegar, estontear...  Mesmo assim, continuei a defender minhas teses no sentido de buscarmos ter “luz própria” e Hilton resgatou novamente o caso do Delegado Paulo Freyslebem, dizendo que o MP já vinha investigando o seu envolvimento com máquinas caça-níqueis e que no caso da festa “Rave” havia sido implantado “grampos”. Argumentei que lamentava muito ele ter sido colocado à frente daquelas investigações e Hilton Vieira me interrompeu para relatar que não estava investigando nada, pois o MP já tinha feito tudo. Hilton Vieira revelou que houve uma tentativa de retirá-lo das investigações envolvendo o caso “Gross” (se é que posso chamá-lo assim), mas que o Corregedor Nilton Andrade não aceitou. Procurei não dar palpites sobre o caso envolvendo o Delegado Paulo Freyslebem (até porque participei da sua prisão), mas Hilton argumentou que ele já tinha vacilado na cidade de Balneário Camboriú e depois em Tijucas noutro caso envolvendo esse Delegado e mais o Delegado “A.T.O.”. Não quis tomar partido, porém, argumentei que vivíamos num país cheio de tantas injustiças... e citei a manchete daquele dia nos principais jornais, onde constava que o governo estava fazendo um convênio com o Serasa (leia-se: Bancos) para que os devedores da receita/fisco, caso não pagassem seus débitos tivessem seus nomes colocados no “Serasa”, passando por restrições para abrir contas bancárias, obter empréstimos e etc.  Hilton me ouviu atentamente, dando a impressão que sabia onde eu queria chegar. Mesmo assim, insisti:

- “Então, Hilton, você vê, o governo mantém essa CPMF que é uma vergonha nacional, um assalto ao povo. Agora sai com essa de que os devedores do fisco vão para o ‘Serasa’, mas eu faço agora uma pergunta: ‘E pra onde vai o governo quando não paga suas dívidas com o povo? E os precatórios que o governo empurra com a barrica com a ajuda da própria Justiça e omissão da mídia?”

Hilton balançou a cabeça, fez uma careta com a bochecha, e no final comentou com um discurso plano:

- “Ah, mas Felipe, se neste pais cada um não fizer a sua parte, ah, Felipe, se no país cada um não fizer o seu pouco, ninguém vai consertar nada...”.

Era um raciocínio simplista, fácil de ser invocado para justificar ações e sair pela porta dos fundos. Ainda mais que Hilton Vieira adorava viajar, gostava de se envolver emocionalmente com investigações de colegas, tudo em nome do discurso do “dever cumprido”, da “prática do justo”..., o que era preocupante. Aproveitei para argumentar sobre a omissão da instituição para com o controle dos policiais, a falta de um serviço de inteligência... Hilton rebateu dizendo que era uma questão de caráter, personalidade de cada um e que no caso dele e no meu caso nós não cometíamos aqueles erros. Sim, aquela afirmação tinha um fundo de verdade, mas era demais exigir do ser humano honestidade, probidade, ética, moral, virtudes eternas voltadas à prática do bem..., dentro de um universo caótico, diante do convívio com notícias bombásticas sobre violência diária... Nossa discussão chegou num nível que achei melhor parar, mas conclui que o importante naquelas nossas diferentes visões da realidade era o fato de termos opiniões divergentes sobre o melhor caminho, cada qual defendendo suas razões e fundamentos técnicos, políticos, ideológicos... Cheguei a comentar que seria uma chatice se eu concordasse com tudo que ele dissesse e Hilton Vieira me interrompeu para afirmar que se eu agisse assim seria tido como um puxa-sacos. Fiquei pensando: “Eu, puxa-sacos dele? Meu Deus, nem eu dele e nem ele de mim, mas talvez fosse uma questão de ‘ego’ ouvir Hilton Vieira falar daquele jeito? Seria algum senso de grandeza, imposição de medo, a contraposição a um possível holocausto...? “Sim, Hilton sob controle é um, mas se derem poder para ele, se exigirem respostas..., talvez seu senso de ‘justo’ pode se alterar rapidamente, e o senhor das trevas de cavalheiro iria para o absolutismo no campo das imprevisibilidades...”, pensei.