Encontros na Delegacia de Comarca de Itajaí:

Dia 14.09.07, horário: nove horas da manhã estava me dirigindo para a Delegacia Regional de Itajaí, mas como havia deixado meu carro estacionado na frente da Delegacia da Comarca, ao iniciar meu trajeto percebi ainda na frente dessa repartição que o Delegado Quilante tinha acabando de entrar para iniciar sua jornada de trabalho.  Como um estalo na mente resolvi dar uma passada no gabinete do titular da Delegacia da Comarca para lhe cumprimentar e saber como tinha sido a reunião no dia anterior com o Delegado-Geral Maurício Eskudlark, cujo evento havia ocorrido na DRP de Itajaí. Quando cheguei no gabinete constatei que o Delegado Quilante estava na companhia de um estagiário  e logo que me viu interrompeu seus afazeres para me dar atenção. Quilante foi relatando que na reunião com todos os Delegados das regiões de Balneário Camboriú e Itajaí Maurício Eskudlark havia recebido uma “prensa” com relação ao projeto do “Fundo de Aposentadoria dos Policiais Civis”, mas tentou ‘conversá-los’, chegando a se contradizer, ao afirmar que não era bem assim, que a indenização dos PMs era só de cem reais por ano trabalhado e que o governador assinou a lei, sem saber o que estava assinando, que ninguém havia ainda recebido o referido benefício... Olhei sério para Quilante e arrematei:

- “Bom, a luta continua. O que não dá é para o Maurício ficar subestimando a inteligência dos nossos policiais...”.

Quilante interrompeu:

- “Olha, já tem gente que quer ir para a imprensa botar a boca. A gente está segurando o que pode...”.

Interrompi:

- “Não dá. Temos que entender que o nosso negócio não é prejudicar a PM, é buscar o benefício também para nós. Não vamos complicar a PM. Nosso objetivo é conquistar o mesmo tratamento, mas jamais prejudicá-los”.

Quilante concordou, muito embora dissesse que estava difícil segurar o pessoal mais radical. Em seguida conversei sobre a questão dos “termos circunstanciados” e aproveitei o momento para imprimir uma cópia do meu parecer que apresentei ao presidente do Conselho Superior da Polícia civil, a fim de que Quilante tivesse conhecimento do seu conteúdo e desse ciência aos colegas.

Depois de me despedir de Quilante fui direto para o gabinete do Delegado Sílvio Gomes na DRP de Itajaí. Logo que me viu chegar Silvio Gomes  veio ao meu encontro e acabamos numa salinha dos fundos, em cujo local fomos tomar um café. Sílvio, com certo ar de entusiasmo dava a impressão que estava gostando dos embates e, a seguir, foi relatando:

- “Doutor, ontem,  na reunião aqui com o doutor Maurício, os Delegados deram uma prensa nele por causa daquela sua proposta do ‘fundo’.  Sabe o que o doutor Maurício disse?”

Permaneci em silêncio e Silvio Gomes, ostentando um misto de ar reverencial e sobriedade cênica, tudo intermediado por  frases contendo um fundo velado de ironia, continuou o seu relato:

- “Ele disse que não é verdade, que o cálculo do soldo deles é diferente, que na verdade é cem reais por ano trabalhado. Ele quis dizer que é uma terça parte do soldo e que chega a equivaler a cem reais, ninguém entendeu a explicação dele, todo mundo ficou se olhando na reunião. Doutor, ele acha que o pessoal não sabe ler. A lei é clara...”. 

Concordei com o raciocínio de Silvio Gomes e acrescentei:

- “Brincadeira, o Maurício acha que o pessoal não sabe ler. Ele subestima a inteligência dos Delegados, mas esse é o seu estilo bem marcante. Meu Deus, como nós estamos mal. O Maurício fazendo esse papel. A Sonéa vai para longe daqui, vai para Brasília, enquanto que as nossas reivindicações primárias e imediatas estão aqui no Estado, principalmente aqui... Eu não quero dizer que a gente não deva ter interesse em acompanhar o cenário nacional, mas dá licença, o governo está aqui em Santa Catarina. Eu até entendo Sílvio, o Maurício é do PSDB, o Secretário é do PMDB, o governo é do PMDB, o Vice-Governador é do PSDB, então, a força do Maurício é com o Vice, mas quem manda é o governador, quem manda é o PMDB, então é natural que ele não tenha cacife para brigar por muita coisa. Ele é bom enquanto administrar a massa falida, enquanto administrar o caos, distrair os policiais. Mas se ele se voltar contra o governo, se quiser abraçar nossas causas institucionais, bom, aí tu sabes, ele dança! E a Sonéa lá na Adpesc é a mesma coisa. É por isso que ela vai para ‘Roma’, ‘Brasília’... quer ficar bem longe do cenário estadual porque o marido dela é o Secretário Adjunto, é do PMDB, dá licença, como estamos mal nas mãos desse pessoal...”. 

O encontro com o Delegado Monza:

Relatei ao Dr. Sílvio Gomes que a nossa luta deveria continuar. Em seguida, fui colegar o depoimento do Delegado Monza numa sindicância disciplinar e no final da audiência ele  foi relatando que estava muito frustrado com a situação dos Delegados, inclusive comentou que fez uma cirurgia recentemente para tirar um tumor da cabeça, e que em razão disso teve que  um empréstimo para pagar as dívidas que contraiu, ainda mais que sua filha estava fazendo faculdade  e os seus problemas financeiros acabaram se acumulando.  Aproveitei para argumentar que um “Patrulheiro Rodoviário Federal” (carreira de segundo grau) estava percebendo um vencimento de cinco mil e poucos reais por mês, sem contar as vantagens pessoais. Também, relatei que um Escrivão da Polícia Federal estaria percebendo mais de seis mil reais por mês, sem contar as vantagens pessoais, enquanto isso, um Delegado  em Santa Catarina estaria bem abaixo disso...  “Monza” me interrompeu para dizer:

- “Pois é, e o Carlos Dirceu quando era Delegado Regional aqui fez reunião com o pessoal e veio dizer que nós Delegados estávamos ganhando muito bem, pode, acredita nisso?” 

“Monza” ainda relatou que assistiu outro dia o programa do repórter Datena e que o mesmo estava com uma notícia no ar, entrevistando um Delegado de terno e gravata, e que a todo momento o repórter  fazia a chamada, com o Delegado em cena. Segundo seu relato o repórter ao lado mudava de cenário a todo instante, criando suspense, porém, fazendo o Delegado esperar, como se ficasse a sua disposição... “Monza” lançou um desafio:

- “Imagina, o Delegado ali de terno e gravata com o repórter ao lado? O ‘Datena’ fazia a chamada e mandava o Delegado esperar, indo para outro cenário, depois voltava, dava nova chamada, e o Delegado ali de terno e gravata esperando, esperando, como se tivesse à disposição do repórter. Imagina se o 'Datena' faria isso com um Juiz de Direito ou com um Promotor de Justiça? Claro que não! Mas com os nossos Delegados...”.

Interrompi:

- “É lamentável que nossos Delegados se prestem a fazer esse papel, muitos novos não podem ver uma câmera...”. 

Os "trezentos":

Depois que encerramos nossa conversa acabei me solidarizando com o Delegado “Monza”, com sua tristeza, com toda a sua dor, indignação... Lamentei pela omissão dos Delegados, pela falta de vergonha, por aceitarem essa realidade, por não resistirem, por ficarem se lamuriando, por se encherem de razão na pretensão de justificarem o injustificável, por serem condescendentes, cumpliciarem, tolerarem, enfim... No final, quando “Monza” já estava de saída, arrematei:

- “É, Monza, o jeito é nós fazermos como aqueles ‘trezentos’, não é?”

“Monza” já estava na porta de saída e se virou dando a impressão que não havia entendido minha colocação. Em razão disso, reforcei:

- “Ué, não visse aquele filme ‘os trezentos’?”

Patrícia Angélica ao meu lado deixou escapar um riso contido carreado de  ironia sutil para fazer uma breve incursão :

- “Doutor, no filme morreram os ‘trezentos’!”

O atordolado policial "Zico": 

Dia 17.09.07, horário: dez horas da manhã o Investigador Policial “Zico” me procurou parecendo atordoado para pedir que eu lhe desse uma força. “Zico” relatou que no dia seguinte  iria  procurar o Procurador de Justiça Ancelmo, por recomendação do filho do mesmo, para ver se conseguiria uma ajuda no “agravo regimental” que seria interposto  no processo que estava decidindo o leilão do seu apartamento que já havia sido arrematado  (por falta de pagamentos de prestações de financiamento e condomínio). Fiquei com pena de “Zico”, pois sua moradia estava para ir embora e ele tinha mulher e dois filhos... E o que os outros tinham haver com isso? Nada vezes nada. “Zico” estava pagando todos os seus pecados (isso se fosse verdadeira a informação que os havia cometidos..), era uma situação desesperadora pois estava na iminência de perder seu único imóvel além de ter que pagar aluguel, contabilizando três filhos cursando faculdade , uma esposa que trabalhava com limpeza doméstica... 

A espera de um sinal de Marilisa:

Final do expediente e nada da doutora Marilisa. Imaginei que deveria estar vivendo seus dramas pessoais e profissionais, além de tentar arregimentar exércitos de culpados para justificar a sua vida profissional e o seu imaginário tão frágil, fechando-se no seu universo, a exemplo do Delegado Garcez e de tantos outros que mais pareciam fantasmas que teimavam se esconder no interior dos seus guarda-roupas e a capitalizar  estrelas  no infinito do céu. "Mas navegar era preciso, navegarei sempre e acabei pensando também no Delegado 'Alves' (Joinville), enclausurado em seu mundo, acreditando piamente na sua “Ducinéia” e que Cervantes ainda estivesse vivo, que lhe daria razões para protagonizar num novo épico. E, eu também, muito embora preferisse ser “Quixote”, com meus moinhos de vento". Retornando meus pensamentos para Marilisa me indaguei o teria lhe ocorrido para o seu novo sumiço? Por que não ligou? Fiquei imaginando nosso próximo encontro. Imaginei ela chegando com sua “meiguice”, como se nada tivesse ocorrido, como se tudo tivesse sido levado com o vento, caído no esquecimento, com as contingências do seu sorriso, seus lábios e unhas  cor de sangue, a voz doce como uma cantiga serena e cativante..., enquanto eu com meu semblante mais circunspecto, sisudo, sensato, ouvinte e atento.

O grande diferencial da constrição de nossos universos era o esgotamento a que fui levado a partir do contato com a “Marilisa G.”, e nisso agradeci minha quase libertação, meu exaurimento contido, pois se havia um fio de esperança,  essa nova Marilisa conseguiu obstar, mostrando o fio da navalha, impor limites, perceber o chão... Claro que esse contato extremo ajudou a sinalizar que os sonhos simplesmente acabavam e que a vida poderia se constituir pura ilusão quando não se conseguisse perceber o essencial das pessoas e das coisas. Sintia-me infinitamente mais leve, reinventado, humilde e tolerante pelas experiências vividas.