Trabalhos domésticos...:

Dia 19.08.07, isso já por volta das dezesseis horas, quando estava retornando de viagem para Florianópolis, próximo à entrada de Governador Celso Ramos, enfim, recebi uma chamada advinha de quem? Sim, era Marilisa naquele seu celular (47-99740836), com sua voz de “amo”.  Logo foi perguntando se eu já estava viajando. Respondi que sim. Ela perguntou se eu poderia conversar e mandou ver:

- “Acabei de chegar de São Francisco. Estava lá limpando a casa de praia, mandando roçar o mato, é muito desgastante, tenho que cuidar de tudo e é só eu, mais ninguém...”. 

Interrompi num misto de provocação e brincadeira:

- “Puxa, se eu soubesse que tu estavas em São Francisco teria ido lá te ajudar, te encontrar...”.

Tinha permanecido em Joinville de quinta para sexta-feira junto com Patrícia Angélica,  sem motorista, dirigindo a viatura (meu carro tinha permanecido na garagem da Corregedoria - Florianópolis). Marilisa, com a voz meio que sem muita emoção ou qualquer lamento por ter perdido a oportunidade da gente ter se encontrado, disse:

- “Ah, eu estava muito envolvida com a limpeza lá, sabe como é que é, tudo uma bagunça, nem daria...”. 

Procurei passar a borracha diante da sua insensibilidade aparente ou dedicada e voei para o próximo assunto:

- “Bom, na semana que vem vamos viajar, né?”

Marilisa com entusiasmo disse:

- “Sim, é por isso que eu te liguei, volto a trabalhar na segunda, vou estar de plantão lá na CPP, no outro dia eu vou dormir, tu sabes como é que é, depois de um plantão eu não presto para nada. Mas a viagem é na quinta-feira, não é?”

Respondi:

- “Não sei direito, mas eu vou verificar. Eu acho que é na quarta ou na quinta-feira da semana que vem...”.

A força não de uma  “Corregedoria”, mas dos homens que administram o “caos” nas nossas vidas:

Marilisa:

- “Eles me ligaram lá da Delegacia dizendo que tinha um expediente urgente da Corregedoria...”. 

No final da conversa, como estava ao lado de Patrícia Angélica, e dirigindo, procurei abreviar a conversa:

- “Sim, estais ligando do teu celular?”

Ela respondeu positivamente e acabamos por ali nossa ligação. A seguir, já recolhido ao meu silêncio, fiquei imaginando: “Marilisa tem que ouvir a palavra ‘Corregedoria’ para ligar, é sintomático, é incrível o efeito das palavras, o temor que causam, o efeito flagelo, o que causam nas mentes dos fracos, oprimidos e desapadrinhados policiais. Serei eternamente visto, sentido, entendido..., mas encarnando a figura do ‘Corregedor’. No caso de Marilisa ela ainda tem dificuldade de abstrair essa associação, como uma pessoa que quer ser comum, romper com esses paradigmas do universo policialesco..., o que era  muito triste e lamentável em termos de se construir amizades puras e verdadeiras. Melhor assim, porque ela precisa de “amigos fortes” e importantes, vencer desafios para caminhar aos trancos, de pessoas com substância e afinidades, emoções repercutidas... e nisso Marilisa produzia o seu melhor capaz de se compreender do micro para o macro o universo policial “haporemático”. Enquanto me ver como ‘o Corregedor’ estarei sempre alguns degraus acima em nível reverencial, sempre estará disposta, disponível, amável, sorridente, querida e interessada... E se caíssemos numa ‘vala-comum’, talvez ela faria como a mãe de “barbarella”, a vida já seria “massante”, “descarregante”, “ofegante”, “entediante”... e, ao final da linha, sobraria para alguém ter que agüentar o seu pior, as brigas de casais... Já que jamais serei seu um protótipo submisso ou qualquer coisa do gênero,  apenas um amigo viajante do tempo, um observador “haporeológico”, mestre em “haporologia”... e  um parceiro, companheiro, errante, andante convencional, certamente que haveria sempre limites nas nossas relações não afetivas, além dos filtros para manter meu foco na longa jornada do “principal”: registrar o nosso tempo.  Óbvio que a replicância providencial, o magnetismo  elevado, o périplo pelo território estadual eram permeados por miríades e quês de nostalgia, melancolia, ardência, efervescência e, sobretudo, por nossa amizade crescente e envolvente, responsável por nos abastecer de energias vitais para nos manter unidos, com direito a transitar entre o místico quântico e o convencional, o mesmo aplicado a outros tripulantes que cruzarem por nossos caminhos...  Lembrei das policiais Ivanete, Dione, Dolores,     Ivonete, Jane Picolli... cada uma dentro do seu universo, vivendo seus dramas pessoais, seus conflitos interiores, desafios constantes...  Marilisa era diferenciada porque precisava dela, porque nos fizemos importantes, éramos o centro e a esperança de salvar “Haporema” que depois acabou se reduzindo... Pensei nela daqui uns dez, vinte, trinta anos, lembrei da visão que tive da sua mãe, quando a energia passa, como a vida vai nos tirando  em silêncio o nosso melhor, apesar de nos compensar com a sabedoria, fenecemos todos nós juntos, queridos amigos.

Por volta das dezoito horas, quando já estava na Corregedoria, liguei para Marilisa a fim de dar uma satisfação, pois quando conversávamos ao celular durante a viagem acabei tendo que dar um corte na  ligação e não queria deixar aquela impressão de insensibilidade, distanciamento...  Marilisa deu a impressão inicial que ficou contente com meu retorno dizendo algumas palavras de carinho enquanto eu me desculpava. Durante nossa conversa  lembrei da música que ouvi durante a viagem de retorno, o “Grande Hotel” do Kid Abelha e citei alguns trechos...  Mas parece que não encantou, era ooutra linguagem, e acabamos nem falando em  poesia, muito pouco de música, letras, arte..., não externamos nada em abstrato que pudesse acionar uma possível sintonia fina, nem que fosse primária, apenas um contato contencioso para o lado oficioso, para não dizer tenebroso sob o ponto de vista de distanciamentos dos “espíritos elevados”. Entendia que Marilisa era uma pessoa que talvez nunca teve muitas oportunidades de pensar ou falar de poesia, daí a sua dificuldade de entender essa linguagem poderosa para se conectar ao universo interior. Na verdade ela me passava essa energia somente como  um ser frágil que buscava se expandir, em potência, tudo nela  transpirava versos, até o seu vazio mais íntimo, muito embora tivesse certeza que ela sentia nossas afinidades pessoais externas, as proximidades criadas..., porém, sem dar profundidade no campo dos sentimentos, das emoções... e, assim, evitar que caíssemos  na  vala-comum,  tipo coisa de casais, amantes, relações simples de gênero. Diante disso, estava sempre resoluto a permanecer  com meu espírito receptivo, com a mente focada e procurando nos conduzir para o cume mais alto da montanha, o lugar do “sempre”.  No curso da nossa conversa repisamos os mesmos temas já quase enfadonhos do cotidiano policial, sem muito ter o que inovar, nada que ousasse ou desafiasse nossos instintos..., como as vezes fazia, e ela “tão bem”!