Sê...!

Dia 13.11.07, por volta das vinte e uma horas, estávamos retornando para Joinville e resolvi passar um “torpedo” para Marilisa com o seguinte teor: “Oi linda, agora q. estou chegando em Jville. Amanhã Zico te acha p/ manhã... Ah, não vou te bagunçar...Bjs”.  Lembrei que no último contato Marilisa havia dito que à noite a gente se falaria quando chegássemos na sua residência, porém, optei por mandar “Zico” lá apanhar os documentos, considerando que entendi que seria melhor lhe deixar à vontade, até para não ser inconveniente, cansativo..., muito embora se houvesse um pedido em contrário, certamente que me faria presente.

Por volta das vinte e duas horas e quinze minutos tínhamos acabado de chegar no Hotel Trocadeiro (centro de Joinville), em cujo momento percebi que meu celular tocando e era Marilisa. Deixei o interior da viatura enquanto “Zico” descarregava minha bagagem, já que ele e Patrícia Angélica optaram por se hospedar no Hotel Avenida localizado na Av. Getúlio Vargas. Fiquei feliz com o seu telefonema, ainda mais que Marilisa parecia bem ao telefone e perguntei se havia recebido meu torpedo... Justifiquei que preferi mandar a mensagem porque supôs que ela poderia ainda estar dormindo. Marilisa respondeu:

- “Que nada, fui apanhar meu filho, já estou retornando para casa, vou ter que abastecer, estou sem combustível, nem tinha percebido....

Marilisa estava solta, deixando a impressão que queria conversar, queria me ouvir, que precisava de atenção e se expandir um pouco. A certa altura ela pediu para que eu contasse alguma coisa boa, então relatei um pouco da conversa que tive com os Corregedores em Curitiba, sobre os seus salários e reiterei minhas críticas à Presidente da nossa Associação (Delegada Sonêa). Pude perceber que Marilisa estava em estado de graça, bem mais tranquila que das últimas vezes. A certa altura revelei que estava no Hotel Trocadeiro e ela perguntou:

- “Mas esse Hotel não é aquele que tem problemas?”

Argumentei que não era bem assim e que não pagaria cem reais só para pernoitar. Argumentei que estava pensando suspender a viagem para Foz do Iguaçu no início do mês de dezembro e Marilisa argumentou que não tinha problema. Pensei: “Puxa vida, como ela é rápida nas respostas...”. A seguir disse:

- “Não sei, estou achando que vai ficar muito em cima, mas a Ariane e a Daniela certamente vão querer aproveitar para fazer compras de Natal...”.

Marilisa me interrompeu:

- “Ah, eu não me preocupo muito com isso, eu não ligo para essas coisas...”.

Depois dessa tirada pensei: “Essa é a Marilisa que eu conheço!” Concordei dizendo que também não ligava muito para festas natalinas, compra de presentes... Perguntei para o que ela achava (suspensão da nossa viagem), e Marilisa respondeu que por ela estava tudo bem, dando a impressão que naquele momento o importante era conversar comigo, jogar um pouco de conversa fora. Em seguida argumentei:

- “Puxa vida, Marilisa, eu fico aí te colocando nessas viagens, é muita canseira, muita estrada...”.

Marilisa me interrompeu:

- “Que nada, eu adoro viajar com vocês, por favor, não me deixa de fora, quero participar de todas, fico esperando, ainda bem que posso fazer isso, só tenho que saber antecipadamente quando a gente vai para trocar meus plantões...”. 

Fiquei contente por aquela sua consideração sincera, realmente estava diante de uma “amigaça” com quem poderia contar sempre e nesse clima nos despedimos carinhosamente, ficando acertado que na manhã seguinte “Zico” a procuraria na Delegacia da Mulher de Joinville. Marilisa comentou que esperaria por nós e fiquei pensando: “Ué, será que ela não entendeu que eu disse que o ‘Zico’ lhe procuraria? Bom, parece que ela está querendo pedir que eu vá até ela de maneira indireta, para não dar o braço a torcer...? Êta Marilisa!”

Era dia 14.11.07 e por volta das nove horas estava ainda tomando café no Hotel Trocadeiro, quando resolvi ligar para Marilisa a fim de saber se “Zico” já esteve na sua residência apanhando os documentos que ela tinha que analisar e assinar. Marilisa deu a impressão que estava feliz com a minha ligação e ficamos conversando um pouco, sendo que ela queria saber como é que estava o meu café, se tinha dormindo bem à noite...  A seguir, como o telefone fixo do seu gabinete estava tocando, resolvi dar um tempo, dizendo que em seguida eu voltaria a ligar.

Às nove horas e trinta minutos voltei a ligar para Marilisa, mas ela não atendeu. Em seguida ela me retornou a ligação, dando a impressão que tinha despachado aos “trancos e barrancos” para poder me retornar a ligação e voltar a conversar comigo. Aproveitei para comentar:

- “Eu tentei ligar para ti...”.

Marilisa interrompeu:

- “Sim, eu estava conversando, era ainda aquele telefonema...”.

Fiquei um tempão conversando com Marilisa e foi uma das conversas mais próxima que tivemos porque falamos com o coração e menos com a razão. Pela primeira vez ela disse coisas muito interessantes e que eu há muito ansiava ouvir, por exemplo:

- “...Depois que te conheci minha vida mudou muito. Eu estava tão perdida, não sei o que seria de mim do jeito que eu estava indo... Eu penso muito nas coisas que tu me dizes, como tens me ajudado...”.

Interrompi, entretanto, procurando conter um pouco a minha felicidade por saber que estava colhendo tudo o que foi plantando de devagarinho, com muita tolerância, sabendo esperar...:

- “Que bom te ver sorrindo assim, puxa Marilisa, mas que bom ouvir essas coisas de ti. Em sempre pensei que teria que ter muita paciência contigo... Sabe, existem palavras mágicas, como densidade, substância... É que na vida a gente tem que procurar crescer juntos com as pessoas que nos são importantes. Eu disse: crescer juntos, ouviu? Eu sempre esperei isso de ti, infinitamente. Afinal, nesta vida a gente conta com tão poucas pessoas. Nada tem sentido se a gente não compartilhar nossas vidas, as coisas boas com as pessoas com quem a gente tem afinidades, de quem a gente realmente gosta...”.

Marilisa deixou escapar algo que parecia refletir muito o seu íntimo, a sua visão, o seu passado:

- “...Na minha mão eu gosto de fazer os homens sofrer. Ah, na minha mão os homens têm que sofrer muito. Eu não quero nem saber, já que me fizeram sofrer, eu não perdoo, quero fazer os outros também sofrerem como eu já sofri...”.

Ouvi aquilo e argumentei:

- “Ah, eu te entendo, Marilisa. Mas olha só, isso é porque durante a tua vida você não encontrou as pessoas certas. Mas é assim mesmo, não te esqueça que as nossas vidas só têm sentido se soubermos conviver com as imperfeições. A gente passa a vida toda buscando a perfeição e ela não existe, é uma quimera. O ser humano se fez ao acaso, acho que se o mundo fosse perfeito tudo seria uma chatice para nós humanos  do jeito que fomos feito ao longo dos milênios, ou talvez se fôssemos máquinas, então não serviria para nós, entende? É preciso que tu compreendas que temos que aprender a conviver com as imperfeições por que isso faz parte do nosso mundo cheio de pessoas com problemas...  Para existir o bem é preciso que haja o mal e isso por quê? Imagina, quando você mata uma baratinha não está fazendo um mal?”

Marilisa me interrompeu:

- “Ah, se for por isso eu sou muito má, mato baratas mesmo...!”

Interrompi:

- “Então, você esquece que uma baratinha é filha de uma outra barata e assim quando você mata a filha a mãe fica... Brincadeiras à parte,  tu sabes que eu estou afirmando que o bem tem que conviver com o mal e vice-versa e que nosso cérebro é muito ‘esperto’, a gente muitas vezes precisa praticar algumas maldades, criticar, odiar... para depois poder amar. Não vê a tua mãe? Para ela se mostrar querida para os vizinhos, filhos, amigos, tem que fazer do teu pai um ‘saco de pancadas’. Então, veja como teu pai se fez importante na vida da tua mãe, certo? Só que ele paga um preço alto por isso, só para ver a tua mãe bem, um docinho...”.

Mairlisa me interrompeu:

- “É bem assim mesmo como tu falasses...”.

Continuei:

- “Pois é, eu nem conheço eles, mas é preciso se fazer uma ecologia da mente para controlar essas maldades necessárias e isso é bem possível. É preciso a gente se conscientizar de que temos essas imperfeições. Nossa mente é como uma casa, existem vários compartimentos que precisam de cuidados... Para nós a Polícia Civil é um deles, então é preciso a gente se conscientizar de que quando estamos nele temos que fazer o melhor para manter o ambiente organizado. Depois que vamos para outro lugar da nossa ‘casa’...”.

Marilisa me interrompeu:

- “Eu sei, tens razão. Existe a cozinha, a sala, o banheiro...”.

Interrompi:

- “Está vendo, todos são importantes para as nossas casas. Assim também é nosso cérebro. A mente quântica procurar mais ou menos seguir essa linha, se você entra num quarto então tem que se adaptar a ele e tratar de conhecê-lo..., ao mesmo tempo você poderá estar noutro ambiente porque conhece tudo muito bem... Ao sair, trate de desligar as luzes e feche as portas, pois você poderá já estar noutro lugar, desde que você tenha pleno domínio das coisas... A mente ‘quântica’ te ensina isso, ou seja, você consegue sorver o máximo e ao mesmo tempo separar os ambientes, as coisas... e apreende a não misturar ou até misturar, mas tendo o controle da situação ou não, desde que tenha consciência...”.

Nesse clima encerramos nossa conversa, pois Marilisa comentou que era hora de voltar ao trabalho e nos despedimos carinhosamente, como sempre. Marilisa relatou que com a minha presença começou a pensar novamente em “poesia”, confidenciando que quando era nova chegou a escrever um livro de poemas.  Argumentei que “poesias”, músicas,  livros, flores..., tudo enriquece nossas mentes, ilumina nossas almas, nos transforma em pessoas melhores, com mais densidade, substância..., com a presença imanente daquelas palavras “mágicas” que tinha mencionado anteriormente. No final, mencionei uma casa com um quintal sem jardim, assim eram nossas mentes, pois diante de um deserto ficamos muito pobres, se bem que Jorge Luiz Borges fez poesia à beira de uma das pirâmides quando apanhou um punhado de areia com a mão e a soltou ao vento, dizendo que havia mudado o “Saara”... Marilisa concordou dizendo que sua vida se resumia só a assuntos de “polícia”, sem que tivesse tempo para perceber outras belezas, coisas que já teve, porém, foram se perdendo ao longo da sua vida... e que agora estava voltando a respirar e que precisava cada vez mais retomá-las porque eram muito importantes na sua vida.

Logo que desliguei o celular mandei um último “torpedo” para Marilisa com a seguinte mensagem: “Quando abrires os olhos à noite pense nas estrelas. Qdo adormeceres, sonhe... com as coisas incríveis q. falamos. E o resto fica pqno. Bjs”. Depois de mandar o “torpedinho” fiquei pensando: “Bom, está quase na hora de desaparecer da sua, mas se ela conseguir mesmo deixar de fumar, controlar o consumo de carnes vermelhas, se passar a ler e sentir poesias, refletir ‘quanticamente’, meditar... poderá alçar um plano superior existencial e ser uma pessoa muito melhor, uma amiga verdadeira. E me indaguei: “Será que ela vai entender a frase ‘abrir os olhos’, pois na verdade queria lhe dizer que era ‘abrir a sua mente’ para a beleza das estrelas que funcionam como milhões de novas conexões neurais, ou seja, como uma cidade iluminada...”. Certamente que isso vale para todos nós que assim poderíamos curar muitos de nossos males e adquirir os antídotos contra a “infelicidade”.