Estar, ser, entender e penetrar?

No dia 07.11.2007, por volta das  quinze horas cheguei na cidade de  Rio do Sul, juntamente com Delegada Marilisa, Escrivã Ariane Guenther e com o motorista Dilson Pacheco. Paramos numa lanchonete que já era nossa conhecida localizada no   trevo principal da cidade (em frente a BR 470). Depois de aguardar uns minutos, enquanto meu pessoal  visitava  as lojas de roupas ao lado, permaneci sentado na lanchonete aguardando  um pastel especial, ao mesmo tempo que pensava: “Puxa, como essas mulheres gostam de uma lojinha de roupas, e Dilson era super companheiro nessas ocasiões. Na sequência veio o  pastel e, também, os  três amigos de viagem. Procurei comer apenas  pedacinho do pastel (apenas as beiradas), tomei um suco de laranja e, em seguida,  chamei o garçon e pedi que levasse o que restou do pastel de volta. O garçom meio que sem jeito perguntou o que tinha de errado com o salgado e eu respondi:

- “Está maravilhoso, parabéns, muito bom...”.

Marilisa me olhou sem entender bem o que estava acontecendo, externou um olhar  de censura e vaticinou:

- “Se o meu filho estivesse aqui tu ias ver o que ele iria te dizer. Ele não aceita esse tipo de desperdício...”.

Respondi:

- “Bom, isso não significa nada, foi só uma forma de matar a vontade de sentir o pastel bem próximo, só isso. Está vendo este papel aqui na minha mão (nota de controle – comanda), se eu comesse só a ponta dele eu não precisaria comer o resto para saber o sabor que ele tem, você entende?”

Marilisa fez uma cara de ironia e lançou um comentário apimentado, porém, moderado:

-  “Ah, é assim que tu és, comes só pela metade, ah é, é assim que tu comes, sei...”.

Era hilário aquele seu comentário, profundo, carreado de  malícias sutis, de volúpia e eu realmente não sabia qual seria a extensão daquela sua “tirada”, nem estava querendo aprofundá-la, isso porque Marilisa já havia demonstrado  ser uma pessoa instável, sem perder a sensibilidade e beleza interior, com um grau de complexidade decorrente de seus problemas existenciais, tipo, de quem se complica e acaba complicando as coisas simples... e eu passei a borracha sob os olhares curiosos de Ariane e Dilson.

Passado das quinze horas seguimos viagem de Rio do Sul até Curitibanos, com um calor escaldante, um silêncio propício para dormitar, quase todos, em especial Marilisa e Ariane que estavam sonolentas no banco detrás. Numa certa altura olhei para Marilisa e ela percebendo meu movimento,  debruçou seu rosto  no encosto do meu banco, esboçando um encontro intencional e ao mesmo tempo afetivo... Depois,  ouvindo o que eu estava querendo lhe dizer,  mantendo uma certa distância diante da minha discrição, me pôs a pensar  seu gesto com um quê provocativo que na verdade não foi, era o seu estilo e um momento de luz, o que me fez divagar: “Foi um gesto impulsivo,  um movimento que poderia externar  o que se passava em seu interior belo, mas como  entender um ser tão indefinido, machucado, tocado, magoado, armado com seus temores, medos,  carências, ao mesmo tempo tão expansivo, sonhador, desejoso... e simples, precisando de uma mãozinha?”

O detalhe:

Por volta das dezesseis horas e trinta minutos já estávamos na cidade de Curitibanos onde paramos para um abastecimento. Marilisa se encostou numa parede do posto e se pôs a fumar, o que era uma surpresa para o dia. Perguntei:

- “Sim, esse é o primeiro cigarro hoje?”

Ela ficou  sem jeito e replicou com certa tensão:

- “Não, é o segundo”.

Acabei relatando que a idéia de Ariane era que dormíssemos em Joaçaba no dia seguinte  porque a Inspetora Daniela Arantes, o Investigador “Zico” e o Delegado Hilton Viera estavam  naquela cidade e certamente as duas já tinham marcado  um encontro (Ariane e Daniela). Perguntei para Marilisa o que ela achava de ficar no Hotel Linck e ela respondeu que não conhecia o estabelecimento. Relatei que o local era horrível, ainda mais com aquele  calor que estava fazendo.

O 'grupo' soneka:

Durante o trajeto entre  Curitibanos e Videira, passando por Lebon Régis e Fraiburgo, lembrei de perguntar para Marilisa qual era o assunto importante que ela queria conversar comigo.  Ela respondeu que já tinha me perguntado de manhã, ou seja, qual a cidade que eu achava que ela deveria escolher para trabalhar. Fiquei encucado, será que Marilisa estaria  costurando algum esquema político para ir embora de Joinville, justamente  quando estava  chegando a “safra” dos processos eleitorais?  Aproveitei para fazer um relato sobre a  história do “grupo” delegados que tentamos  criar e do “jornalzinho” que acabou implodido porque os  Delegados Rubem Garcez e Eduardo Senna, responsáveis de administrar essa iniciativa,  simplesmente “esqueceram”,  acabaram "sonekando", deixando passam uma excelente oportunidade de construirmos nossa história, mudar o nosso futuro... Marilisa sugeriu que eu me infiltrasse junto a direção da Polícia Civil para tentar ocupar espaços e eu argumentei que uma “andorinha só não fazia verão”. Acabamos falando da Delegada Sonêa Neves e Marilisa passou a lhe chamar de  “Delegada ‘S.’”. A conversa sobre a Presidente da Associação dos Delegados se iniciou  porque Marilisa relatou  que uma Delegada de Joinville havia comprado  um carro da Renault com um desconto de sete mil reais e que isso se devia ao convênio firmado entre a Adpesc e a referida concessionária. Fiquei indignado e comentei que  essa história dos dirigentes da Adpesc estarem desviando a atenção dos Delegados para questões que fugiam do foco principal que era as nossas reivindicações junto ao governo do Estado, e que essa estratégia era  uma forma de manter os sócios distraídos,  cegos... Marilisa na hora mudou o discurso e concordou com meus argumentos, revelando que acreditava que o nosso “projeto” (do fundo de aposentadoria  que estava com o deputado Darci de Matos) tinha  tudo para ser aprovado. Fitei  Marilisa e, incréduto, perguntei:

- “Tu estais falando do nosso projeto do ‘fundo’?”

Marilisa me olhou com um certo ar de mistério e respondeu que sim. Procurei não alongar o assunto porque até então era sigiloso.  Continuamos a falar em livros e Marilisa me perguntou como era que estava o meu livro. Fiquei em dúvida  e perguntei:

- “Qual livro?”

Marilisa continuou:

- “Um livro que tu estais escrevendo, tu dissesses...”.

Procurei sair pela tangente:

- “Ah, sim, o Estatuto da Polícia Civil. Eu conversei com a Sonêia, ela  me ligou, estão interessados em lançar no ano que vem”.

Marilisa  interrompeu:

- “Ah, tá vendo, ele está assim com a tal de ‘S.’, eu sabia...”.

Interrompi:

- “Que é isso, Marilisa, ela que me ligou, quer uma aproximação. Ela deve saber que eu sou oposição, tenho argumentos, credibilidade...”.

Marilisa, com certa ironia, prolongou seu comentário:

- “Ah, não adianta falar, eu sei que tu estais assim com ela, eu nem conheço essa tal de ‘Son.’, acho que ela gosta mesmo é de dormir...”.

Levei na brincadeira a provocação e argumentei:

- “Bom, o Estatuto foi sucesso, ta esgotado, todo mundo consulta, então acho importante se fazer uma nova edição, nesse ponto ela está certa...”.

Marilisa acabou concordando que seria uma boa iniciativa da Presidente da Adepsc. Procurei retomar o relato sobre o nosso ‘grupo’ de Delegados que tentamos criar, procurando demonstrar o trabalho que era todos os meses ‘convocar’ os Delegado, cada um com seus interesses, problemas... Relatei  que cada um procurava arranjar uma desculpa para não participar dos encontros (Delegado Lauro Cesar Radke Braga, depois de mim, era o mais assíduo). Citei o caso do Delegado Rubem Garcez, que sempre que era contatado inventava um monte de desculpas para não participar, querendo exigir ‘pauta’ prévia de reunião, se desculpava dizendo que tinha que levar sua cunhada, sogro, sogra no médico, que estava de plantão...  No final da conversa, relatei que havia escrito alguma coisa  sobre o que ocorreu com o tal “grupo” e que na verdade me submeti a tudo aquilo porque era um laboratório de idéias, uma forma de conhecer a mente dos Delegados e como eles pensavam a nossa instituição. Olhei para Marilisa e ela com certo ar de malícia lançou mais uma pitada:

- “Xi, será que eu estou nesse livro?”

Aquele olhar e todo o nosso âmago:

A seguir deixou escapar um sorriso cheio de ironia malícia, com um gostinho de quero mais, quero sim, enquanto eu mirava seus olhos e devolvi:

- “Não, você não participou de ‘grupo’ algum, então você não está no livro, pode esquecer. Só foi um relato daquele pessoal que participou daquela iniciativa, não foi o teu caso”. 

Marilisa permaneceu  com aquele  brilho no olhar, quase que duvidando ou tentando adivinhar meus pensamentos, enquanto emendei:

- “Olha, vou tirar uma foto tua para registrar este momento, heim”.

Marilisa, continuou segurando as palavras e os sorrisos que delatavam de certa forma seu âmago, enquanto  reiterei:

“Ah, vou tirar uma foto tua, não posso perder este momento não!”

Dílson, ao meu lado, deu uma risada e Ariane fez o mesmo. Comecei a acreditar que o instinto ‘Marilisiano’ estava falando mais alto e ela deveria estar imaginando que também estava se constituindo um laboratório de idéias e histórias nossas...