O tempo, a proximidade, a abertura e o afeto redentor:

No dia 07.11.07, no horário das nove horas e quarenta e cinco minutos (aproximadamente) já estava em frente a casa de Marilisa (Joinville) e resolvi telefonar para avisar a minha chegada. Depois de esperar poucos instantes Marilisa apareceu com sua sacola e acessou o interior do meu carro, pronta para mais uma viagem. Logo que se acomodou no banco    percebeu que o  pára brisa estava apresentando uma rachadura causada por uma pedra projetada por outro veículo dias antes. Argumentei que já tinha encomendado o vidro e ela lembrou que existiam lojas que realizavam aquele tipo de reparo em Joinville, entretanto, comentei  que  naquele caso não seria mais possível por já havia passado algum tempo. Logo em seguida chegamos na Delegacia Regional de Joinville e estacionei meu carro embaixo de uma cobertura (meio que improvisada), numa única vaga existente. Marilisa lembrou que precisava ir até o interior da Delegacia Regional  porque tinham lhe avisado que seu cheque de diárias estava com a Escrivã Ana Balestrim. Naquele instante estava ouvindo “Couldplay” e comentei  que era para Marilisa ir até o prédio que eu ficaria aguardando seu retorno dentro do carro. De repente a chuva desabou e eu pensei: “Bom, agora é que ela não volta e o jeito era mesmo ficar sossegado na espera, mesmo porque a Escrivã Ariane Guenther e o motorista Dilson Pacheco (ocupante de cargo “Administrativo” da Secretaria de Estado da Administração, mas há décadas à disposição da Secretaria de Segurança Pública, naqueles tempos designado para atuar como “motorista” do órgão correcional)  ainda não haviam chegado na “DRP”, já que estavam vindo da Capital. Passados uns dez a quinze minutos surgiu Marilisa embaixo de uma sombrinha, de carona com um policial que estava lhe abraçando para que não se molhasse. Logo que se aproximaram cumprimentei o policial e eles ficaram conversando um pouco do lado de fora.  Enquanto isso pensei: “Bom, acho que Marilisa nunca vai saber quem é que eu estava ouvindo...”.  Logo em seguida chegaram Ariane e Dilson no Renault Cénic cinza (o branco, em melhores condições, estava com o Delegado Hilton Vieira e Zico na cidade de Joaçaba tratando do caso do Delegado “Gross”). Colocamos a nossa bagagem no porta-malas do carro, mesmo que abaixo do aguaceiro e iniciamos a nossa viagem, cuja viatura não tinha som e o jeito era curtir o silêncio, além  de sermos criativos para mantermos uma conversação básica. Seguimos pela rodovia do arroz (Joinville – Guaramirim). Dilson, contaminado pela energia das nossas presenças, era bom de piadas e sempre se revelou uma  pessoa alto-astral, bem diferente de “Zico” que tinha um humor negro. Marilisa estava feliz e algumas vezes puxou conversa comigo, me apertando com as duas mãos pelos lados do banco (estava sentada atrás de mim) e parecia muito revigorada por nosso convívio  naqueles próximos dias e pela possibilidade de quebrar a sua mesmice. Seu aperto de mão era como se fosse uma espécie de código, uma mensagem que trazia um estado de graça, carinho e proximidade. Como já a conhecia o suficiente, pude perceber nas nossas conversas do dia anterior  que ela estava bem próxima, mais chegada, com jeito de quem estava sentindo saudades minhas e do convívio com  o nosso o que lhe fazia muito bem. Marilisa me perguntou em que local  eu achava que ela deveria trabalhar, ou seja, queria que eu indicasse uma cidade pequena, porque no próximo ano teria que    ir embora  de Joinville, pretendia  mudar o rumo da sua vida, respirar novos ares de cidadezinha pequena do interior. Fiquei meio sem saber o que responder, citei, Piçarras, Balneário Camboriú, Barra Velha... Marilisa mencionou que tinha pensado em Garuva e eu ponderei:

- “Mas tu não és de quarta entrância? Como é que uma Delegada de ‘quarta’ quer ir para uma cidadezinha pequena de ‘primeira’, heim?”

Marilisa ficou meio que sem saber o que responder. Acabamos mudando o curso da conversa e falamos sobre aposentadoria. Ariane comentou que estava para ser aprovada uma nova reforma da previdência que iria mudar os critérios, passando o homem para sessenta e cinco anos e a mulher para sessenta. Em seguida Ariane disse:

- “Que tal nós termos que trabalhar mais vinte ou quinze anos?”

Marilisa arrematou:

- “Eu não trabalho, juro que não. Se mudarem as regras eu saio da Polícia, não fico mais, nem que eu tenha que vender ‘cachorro quente’...”.

Olhei para Marilisa e pensei lhe chamar a atenção, dar uma injeção de ânimo, mas optei por ficar calado e ela me deu  uma cutucada:

- “Esse aí quer trabalhar até os cento e três anos...”.

Dílson lançou uma indagação:

- “Doutor, o senhor ainda não fechou o seu tempo?”

Respondi afirmativamente, que já tinha esquematizado trabalhar no máximo até dois mil e nove ou dois mil e dez. Acabamos adotando um trajeto diferente para o oeste do Estado, isto é, pedi que Dilson entrasse em Jaraguá do Sul e de lá fosse pela rodovia em direção a cidade de Pomerode, depois Timbó (por meio da Rodovia Ralf Knaesel). Por volta de meio dia  almoçamos no restaurante “Paranhos”, no centro de Timbó, cujo local já era bastante conhecido.

Retomamos nossa viagem por volta das treze horas e trinta minutos e chegamos em Rio do Sul (via Rodeio), retomando a BR 470. Nossa  conversa até então fluía naturalmente, os assuntos vinham ao acaso, especialmente, porque não havia música e tínhamos a oportunidade de conversar de forma integral e animada, ou seja,  amenidades, o cotidiano nosso de cada dia, nossas vidas... Dilson aproveitou para relatar os lugares  que já havia trabalhado desde a época da antiga Consultoria Jurídica do Estado, também, fez alguns relatos sobre os lugares onde  residiu. Outra temática foram os relatos de   Marilisa como estava fazendo para tentar  parar de fumar e que para tanto  o seu negócio era fazer a ingestão de  garrafinhas  de água que apanhava nos “bebedouros” das repartições policiais, em casa..., seguindo a receita de Dílson que noutra viagem tinha comentado  como conseguiu largar esse mesmo vício. Ariane sempre teve uma postura reservada, mais clássica, uma mãe realizada e dedicada ao seu único filho pequeno que tinha que deixar em casa para ganhar uns trocados a mais com as “diárias”, também, fez comentários discretos sobre sua relação conjugal conturbada e o lado possessivo do seu marido. Durante o curso das conversas cruzadas festejei o fato de Marilisa ter, finalmente, largado o cigarro, um comportamento “feio”, nocivo..., com conseqüências graves para a  saúde ao longo da vida. Também, lembrei da importância de estarmos ali reunidos para fazer de nós, sem qualquer interferência externa, distante da civilização departamental, ao sabor do vento e do porvir, dispondo de tempo para falar sobre nossas vidas, distantes de tudo, do “poder administrativo”...