A viagem à Brasília com a Delegada Sonêa (Presidente da Adpesc):

No dia 05.11.07, por volta das nove horas da manhã, quando estava para uma saída rápida da Corregedoria da Polícia Civil para um café, acabei tendo que obstar meu desiderato para cumprimentar os Delegados  Ademar Rezende (aposentado) e  Eduardo Hahn que me aguardavam na  recepção para uma audiência prevista para logo em seguida.  O Delegado Eduardo estava sendo sindicado e se fazia acompanhar por seu advogado Ademar Rezende. Depois de passados não mais do que  trinta minutos retornei e fui direto para a audiência no cartório da Escrivã Ariane. Antes de iniciar os trabalhos  procedimentais, resolvi perguntar para Eduardo Hahn como tinha sido a viagem para Brasília a convite da Delegada Sonêa (Presidente da Adpesc). Eduardo respondeu:

- “Aquilo mais parece coisa de louco. Os olhos vermelhos, a pele ressecada, quarenta graus de temperatura...”.

Logo percebi que ele estava falando do clima, enquanto eu queria saber do contato com os parlamentares. Eduardo completou:

- “Bom, aquilo lá é uma loucura, aqueles Deputados são uma vergonha. Nós conversamos com o Deputado Michel Temer, ele é uma sumidade, professor de Direito Constitucional, o homem sabe das coisas. Ele comentou conosco que realmente o certo no Brasil é acabar com as duas policiais e criar uma polícia nova, bem paga... Do jeito que as coisas vão eu não sei qual vai ser o nosso futuro, eu não sei se a nossa polícia não vai se acabar...”.

Interrompi:

- “Sinceramente, Eduardo, eu acho muito perigoso se pensar assim.  Eu, particularmente, acho que nós temos que ser guerreiros. Temos que fazer como a Polícia Federal. Os Delegados Federais estão aí dando exemplo. Os Delegados Estaduais têm que fazer a mesma coisa, mostrar competência, trabalho, bom é o que eu penso. Defendo este nosso atual modelo de duas polícias, com reformas. Nós herdamos esse modelo da França, foi com Joseph Fouché que foi Ministro da Polícia no período inicial napoleônico. Lá se implantou o sistema de duas polícias, uma judiciária e outra administrativa. Já que D. João VI trouxe esse modelo aqui para o Brasil, então, temos que valorizar nossa história. A gente sabe que agora querem copiar o modelo americano, mas a questão é que nós temos a nossa história, temos que respeitar, honrar isso.  Naquela época a França era o centro das idéias, hoje é ainda os Estados Unidos...”.

Ademar que ouvia atentamente meus argumentos interveio:

- “A nossa polícia tem que priorizar as investigações. Não adianta a gente ficar expedindo alvarás, licenças para funcionamento de bares, daqui a pouco eles passam isso para um outro funcionário fazer. Também, expedir esse documentos qualquer um pode fazer, agora investigação é conosco.  Então eu não entendo, há um erro de política de administração, porque o importante para nós é realmente a investigação. Não vê, agora o Ministério Público está fazendo concurso para preencher cargos de investigadores, vocês sabiam? É, eles estão criando uma estrutura de investigação...”.

Interrompi:

- “Então, Ademar, vê como é importante a investigação. Essa iniciativa do Ministério Público só mostra como isso é estratégico para nós, a invetigaçào criminal, tanto que eles estão procurando se estruturar”. 

Ademar concordou com meus argumentos, muito embora a tônica fosse outra, ou seja, a necessidade urgente de nós criarmos políticas institucionais para fortalecer a investigação criminal. A seguir, argumentei:

- “Eu não sei se vocês conhecem o ‘Heitor Cony’, ele escreve na ‘Folha’, outro dia eu li um artigo que  questionava que o que falta à Polícia Civil é uma única coisa: ‘ciência’. Só isto: ‘ciência’!”

Ademar interrompeu:

- “Sim, a Polícia Técnica é que está bem nessa questão, eles possuem um campo aberto. Na investigação criminal a polícia técnica é quem está tranqüila porque a parte científica é fundamental na investigação criminal. Não estou dizendo que a ‘abordagem’ não seja importante, mas o que mais nos falta é o conhecimento científico”.

Olhei para o Delegado Eduardo e percebi que talvez ele tivesse ficado numa situação um pouco desconfortável, porque na Academia da Polícia Civil ele era professor de “abordagem” ou ensina alguma matéria correlata. Diante disse, argumentei:

- “Tudo bem, não quer dizer que a abordagem não seja importante, claro que é, mas nos falta ciência!”

Ademar incursionou:

- “A Polícia Militar vive uma crise, eles estão meio que perdidos, o pessoal não sabe qual realmente é a missão deles na segurança pública. É por isso que eles começam a atropelar outras instituições, como a nossa. A Polícia Militar tem o ‘Corpo de Bombeiros’, tem a ‘Polícia Ambiental’, então é isso que eles têm que fazer!”

Pensei: “Sim, eles vivem uma crise de identidade, por isso que passam pressionar a Polícia Civil”, mas não externei, optei em continuar ouvindo  mais um pouco Ademar fazer suas considerações. Logo em seguida, resolvi me reintroduzir para argumentar:

- “Pontes de Miranda que comentou Constituição de sessenta e sete, é claro que houve a  de sessenta e nove, mas essa, escrevem os autores, foi apenas uma ‘emenda’ de grande abrangência, escreveu que o constituinte teve ali a grande oportunidade de extinguir a Polícia Militar e não o fez cometendo um erro histórico...”.

Ademar interrompeu:

- “A Polícia Militar esteve sempre ligada à repressão política, como força auxiliar dos governos principalmente militares para servir a interesses políticos”.

Interrompi:

- “Sim, assim foi na época da ‘ditadura’ militar, no governo Getúlio Vargas, como a ‘Força Pública em São Paulo, a PM de Minas, a Brigada no Rio Grande do Sul.  O Élio Gaspari que é outro grande articulista da ‘Folha’ escreveu, acho que no ano passado, que os constituintes de noventa e oito perderam uma ótima oportunidade para extinguir a Polícia Militar em 1988. Na verdade ele reprisou o que já havia dito Pontes de Miranda, que a instituição era uma organização que tinha sérios problemas estruturais e de identidade, concorria com o Exército, confrontava-se com o próprio regime democrático de direito...”.

A conversa se encerrou por ali porque já estávamos indo longe demais e era hora de começar o interrogatório. No final dos trabalhos, Ademar Rezende me fez uma consulta sobre a possibilidade de um estagiário atuar como advogado em sindicâncias instrutórias, querendo saber se foi eu que havia passado essa orientação. Ademar argumentou que um Delegado do Interior do Estado que atua como Corregedor estaria presidindo uma sindicância e aceitou que um ‘bacharel’ em Direito atuasse como advogado de defesa.  Argumentei que não era possível, a não ser em se tratando de sindicância preliminar.  Ademar confirmou o caso e pediu reserva aos presentes, ressaltando que o caso tinha ocorrido recentemente.  Imediatamente voltei meus pensamentos para o Delegado Nilton Andrade e imaginei que talvez tivesse agido por pressão política ou até para facilitar a apuração dos fatos, considerando as dificuldades dos policiais arcarem com despesas com causídicos.

Marilisa e as dimensões tridimensionais:

Por volta das dezessete horas e quarenta minutos, tinha saído para tomar um café próximo da Corregedoria, e olhei no meu celular e percebi que havia uma mensagem de Marilisa, com o seguinte recado: “Estou de plantão, amanhã te ligo. Bjs”. Logo que terminei de ler a mensagem pensei: “Puxa vida, não é que ela lembrou de me mandar um recado. Bom, melhor tarde do que nunca. Provavelmente esse sinal de vida seria porque na próxima quarta-feira deveríamos estar viajando juntos. Era nessas circunstâncias que Marilisa lembrava de me ligar, ou seja, quando a gente estava prestes realizar mais uma viagem com o pessoal da Corregedoria e se entrava naquele “clima tribal”. Imediatamente me pus a responder o seu torpedo, com o seguinte recado: “Estarei em SF à noite. Durante o dia em Jaraguá. Bjs”. Logo que terminei de “responder” o recado fui olhar  minhas mensagens e descobri que aquele torpedo remetido por Marilisa era coisa antigo, isto é, do dia 25.10.07 e eu cometi a gafe de tratar o assunto como se tivesse acabado de chegar, santa inocência e cabeça nas nuvens com tantos afazeres.  O mais incrível foi a forma como lidei com aquela situação, parecia estar bastante maduro, com os pés no chão, sem sentir um fio de esperança, frustração, expectação, sonhos..., apesar da saudade de tê-la próxima, restabelecer nossas relações, enfim, nada, absolutamente nada, puro equívoco. Procurei com o passar de nosso convívio a respirar todos os matizes possíveis dos nossos contatos, a sorver o lado bom resultado da constrição de todos elementos vindos de minha imaginação e, assim poder, devagarzinho, para montar um quebra-cabeça, onde nossas vidas se cruzavam e recruzavam para uma espécie de “para o todo  sempre”, de maneira a se transpor – quando juntos –  a  dimensões tridimensionais,  com direito ostentar a matizes de cores  capazes de enlevar  nossas mentes como se fossem únicas. A questão era que talvez Marilisa não estivesse preparada para entender sua participação  nesse enredo, quer como “dama das camélias” quer como “Barbarella” no Jardim de Éden ou, talvez qualquer outro ser..., nem eu!