Matizes Encapsulantes:

Data: 07.10.08. Horário 10:20h. Estava na Delegacia Regional de Itajaí para ouvir o Delegado José Celso Corrêa em um procedimento disciplinar e, já de início, fiquei impressionado porque ele estava visivelmente envelhecido depois da morte da sua esposa. A impressão era de que o trabalho se transformou na sua fuga. Também, chamou minha atenção o fato de Celso estar com um problema no pescoço já que sua cabeça se apresentava  pensa para o lado esquerdo, denotando resquícios de uma dor que ainda deveria estar latejando não só na alma, então o jeito era mergulhar  profundo no universo policial e todos os seus matizes encapsulantes”, refúgio para muitos, especialmente, para aqueles mais entrados. Em razão disso fiquei pensando: “Puxa, seria justo esse se deixar seduzir por essas miríades de emoções impactantes ou fustigantes? Seria justo já se ter tempo para ir embora  para se permitir o oxigenamento  de uma instituição, entretanto, ao revés, opta-se por  permanecer  refém..., mitigando dos mais jovens os ventos das mudanças tão necessárias na área de segurança pública?” 

Já quase no final do depoimento, fizemos uma interrupção nos trabalhos para um café e  aproveitamos para conversar  sobre o encontro dos Delegados no final do mês de outubro daquele ano (Balneário Camboriú), o Delegado Celso sugeriu que eu não me aposentasse, mas que permanecesse vivo  e me candidatasse à presidência da Associação dos Delegados. Agradeci a sua consideração, porém, respondi que no meu caso seria muito difícil assumir uma desafio dessa ordem porque já estava me preparando para minha passagem. Celso lamentou e reiterou que era para eu reconsiderar...

O banquinho:

Por volta das onze horas e trinta e cinco minutos encerrei  a ouvida do Delegado Celso e  resolvi ir até o gabinete do Delegado Regional Silvio Gomes Filho para  saber das novidades. Como sempre, adentrei o  gabinete do DRP  e lá estava ele sentado atrás da sua mesa como das outras vezes. Tomei a liberdade e me aproximei pensando: “Bom, ninguém pode reclamar que o Silvio não seja encontrado, está sempre ali naquele mesmo lugar...”. Logo que percebeu minha aproximação  Silvio ergueu-se da cadeira  e projetou-se  ao meu encontro com aquela sua saudação conhecida:

- “Ôôôh, doutor Genovez, mas que prazer rever o amigo, cafezinho?”

Depois do aperto de mão fomos até  a salinha do fundo para sorver  nosso café na salinha anexa aos fundos. Sílvio sempre com  habilidade acima do normal foi me questionando  sobre as novidades. Conversamos sobre o encontro dos Delegados no final do mês e Silvio quis saber se realmente havia uma grande notícia para a classe. Relatei a conversa que tive no dia anterior com o Delegado Regional de Balneário Camboriú (Ademir Serafim) que havia dito  que provavelmente o Delegado-Geral (Maurício Eskudlark) deveria anunciar o aumento do teto do Chefe do Executivo para quinze ou dezoito mil reais, também, seria anunciada a implementação da lei complementar dois, cinco, quatro e mais um abono de dois ou dois mil e quinhentos reais para os Delegados. Era provável que Silvio já soubesse de tudo, mas fiz questão de fazer o meu relato ignorando essa possibilidade sem baixar minha convicção. Depois, retornamos para o  gabinete e  Silvio ao invés de sentar na sua cadeira  foi se acomodar numa espécie de banquinho  bem ao meu lado.  Com aquela proximidade me pus a pensar: “Quantos já sentaram neste banquinho? Ou, prá quem está nas alturas seria uma forma de calçar as sandálias da humildade,  passar  senso de intimidade, proximidade... e visibilidade?” Aproveitei para fazer algumas considerações sobre nosso  projeto da “indenização aposentatória”, inclusive, que teríamos que esperar o final do segundo turno e, também, o retorno das atividades da Assembléia Legislativa.  Reiterei  o que já havia dito noutros encontros naquele mesmo local, ou seja, de que logo iríamos  ter uma importante oportunidade para plantar emplacar um projeto importante para a Polícia Civil... Sílvio se mostrou curioso com minha afirmação, agindo como se eu nunca tivesse tratado do assunto, o que me trouxe preocupação, porque várias vezes estive ali no mesmo local e tratei desse mesmo assunto e ele parecia no “start“. Ignorei esse fato e procurei novamente manter firme a minha convicção nos meus relatos fazendo de conta que era a primeira vez que estava tratando do assunto com meu interlocutor. Também, não poderia deixar de invocar o nome da Delegada Marilisa como uma das principais figuras na condução desse projeto...  

Seria um paráclito e pandorgueiro?

Durante meu quase monólogo era interrompido pelo DRP que com reverencialismo cortês e voz empostada deixava escapar palavras de exaltação que externavam  surpresa, espanto, admiração, encanto... Relatei que quando o Vice-Governador “Pavã” viesse assumir o governo do Estado (2010) deveríamos nos preparar para ter em mãos  algo importante para aprovar já que era público e notório que membros da  cúpula da Polícia Civil gozavam de ótimo trânsito com esse político, ainda mais  que o Delegado Renato Ribas havia sido  eleito vereador pelo partido do PSDB em Itajaí (o mesmo de Pavã). O DRP Silvio Gomes me interrompeu para dizer que o Vice-Governador “Pavã”  era uma pessoa prepotente e que ninguém suportava  ele... Fiquei estarrecido porque as fotos, o fatos, tudo dizia o contrário, ou seja,  “Pavã”  poderia ser bonachão..., mas todos na região de Itajaí sabiam que mantinha uma excelente amizade com os Delegados Maurício Eskudlark, Ademir Serafim, Magali Nunes Ignácio... e tantos outros policiais. Sílvio Gomes ao perceber  meu posicionamento acabou demonstrando habilidade, pareceu ceder aos meus argumentos, passando a se revelar  esperançoso, concordando que realmente tínhamos que ter alguma coisa pronta em mãos... Argumentei que o projeto mais importante seria uma “Pec”  em nível estadual... Fiz um relato sobre a nova legislação que aumentou efetivo da PM em mais de cinqüenta por cento e que a única saída que tínhamos seria propor nossa saída da Pasta da Segurança Pública...  Acabei fazendo um relato da minha conversa com o DRP Ademir Serafim no dia anterior, quando conversamos sobre a temática que envolvia a proposta de criação da “Procuradoria-Geral de Polícia”.  Depois de reprisar alguns pontos da proposta da “Pec”, incluída a doutrina e estratégia envolvida nesse projeto, Sílvio
Gomes me interrompeu como um paráclito externando  ares de consolo de desassombro:

- “Ah, doutor, agora eu entendi a sua proposta, mas ela é visionária, puxa, quando o senhor tinha explicado eu não tinha entendido, não tinha caído as minhas fichas, mas agora comecei a perceber a profundidade da sua proposta, ele é excelente...”. 

Procurei manter firme a minha convicção nas tratativas desse projeto, apesar que a minha vontade era gritar, gritar e gritar... porque não há muito tempo atrás  já tinha falado sobre aqueles mesmos assuntos  e a impressão era que não só Sílvio Gomes, mas todos  os Delegados daquela região estavam perdidos... Aproveitei para argumentar:

- “Bom, Sílvio, eu sei que você é muito habilidoso, acho que todo mundo procura ser assim até para sobreviver, mas a questão é que esse jogo de habilidades acaba sufocando a instituição. Que inventem uma proposta melhor, mas eu defendo a minha porque acho que temos que ter alguma coisa concreta para apresentar ao ‘Pavã’,  do contrário vamos ter que esperar um novo alinhamento dos astros, enquanto isso ficaremos sofrendo sem projeto algum  num próximo governo, e aí serão mais quatro ou oito anos perdidos...”.

Sílvio Gomes parece que sentiu o peso de minhas palavras e passou a me observar com uma feição mais séria e grave, dando a impressão que pretendia  passar uma mensagem de que realmente estaria interessado em ouvir o que eu tinha para falar  enquanto  pensava: “Bom, das duas uma, ou ele é um grande ator atabalhoado ou seria realmente  habilidoso aos extremos, porque com a sua experiência era difícil acreditar que fosse  um sonhador..., até um ingênuo soltador de pandorgas que acreditava em  contos de sereias...”. E nesse momento acabei relembrando nosso último encontro, quando o Delegado Gentil João Ramos - ali naquele mesmo local  - se mostrou cético quanto ao nosso projeto da “indenização aposentatória”. Relembrei que nessa ocasião  tinha argumentado  que “tão importante quando nossos sonhos eram as nossas ações”.

Em clima quase de despedida, Sílvio Gomes apenas sorriu concordando que realmente eu estava certo o que me fez pensar  mais uma vez: “Bom, naquele dia ele foi habilidoso, procurando não bater de frente com o Delegado Gentil, ficou encima do muro  e, também, não me desacreditou, tampouco censurou...”. 

Já no final da conversa se juntou a nós o  Delegado Ivo Otto Kleine que estava pronto para almoçar com o seu DRP  na cidade de Navegantes. Fui convidado para acompanhá-los, porém, agradeci enquanto Sílvio Gomes aproveitou para me enaltecer na presença do Delegado Ivo Otto afirmando  que não entendia como eu não estava sendo aproveitado pela administração da Polícia Civil, o que me fez lembrar  das mesmas “sobremesas” do dia anterior  proporcionadas pelo DRP  Ademir Serafim. Estaria ali mais uma fatiota caramelada  reservada para mim?” pensei.

O espírito do Capitão Zelindro:

Já descendo às escadas da DRP aproveitei  para fazer um breve histórico sobre as origens da Polícia Civil e da Polícia Militar, argumentei sobre a importância de nos aproximarmos  dos Oficiais da Polícia Militar com vistas a um projeto único de unificação dos comandos das duas Polícias, antes que outros a fizessem, dando ênfase sobre a importância da criação da “Procuradoria-Geral de Polícia”  e da criação dos cargos de “Procuradores”  (segundo grau nas carreiras de Oficiais e Delegados). Acabei lembrando do Capitão Zelindro, e pensei: “Bom, quando eu passar por São Bento do Sul vou procurar Zelindro, acho que se todos os Delegados procurarem uma aproximação com os Oficiais da sua região é meio caminho andado para se plantar uma nova ordem, novas idéias... e que possam nos fortalecer como instituições.