DELEGADA MARIA ELISA  (PARTE CXCI): “REGRAL TRÊS: O BOA PRAÇA E CARICATO DILSON PACHECO (HABILIDADES E AMENIDADES).  A GRAÇA MEIEIRA (VIAJANTE E MEIA) E O TERCEIRO ELEMENTO (NA RAÇA DO CESTANTE AO QUADRANTE)”.

Por Felipe Genovez | 10/09/2019 | História

Hotel Windsor:

Data: 17.09.08. Horário: 09:00h. Fui tomar meu café da manhã no Hotel Windsor (São Paulo) e na recepção perguntei por meus dois companheiros de viagem, quando fui avisado que eles já tinham saído cerca de uma hora antes para bater perna pela cidade, o que me levou a pensar: “Marilisa e Dilson devem ter acertado isso ontem durante o jantar, portanto, levantaram cedo, trataram de tomar café juntos e, sem avisar, adotaram uma saída estratégica, e o ‘doutor’ sequer foi consultado, lembrado, coisa bem típica de Marilisa  para essas circunstâncias. Bom, ela deve ter pensado: ‘deixa ele dormir, deixa ele quieto, vamos ficar numa boa... Já Dilson deveria estar deslumbrado com a simpatia de Marilisa e pronto para ir até a China, ainda mais que era uma pessoa extremamente devota, providencial, sempre disposta... Ele também deveria ter pensado: ‘Ah, deixa o ‘doutor’ dormir à vontade, enquanto isso nós vamos às compras já que é sábado.  Ela deve estar extasiada com ele a ‘tiracolo’, sem nada de se cogitar de uma visita à Associação dos Delegados de São Paulo? Nada mesmo, nem uma visita à uma unidade policial, Nada!” 

Sem ressentimentos:

Ressentimentos à parte, era sábado. Também, lembrei que durante a viagem dava  concertos em defesa da Polícia Civil, sobre a necessidade de fomentar nossas aspirações, melhorarmos nossas vidas a partir de uma instituição mais sólida e crível, mas tudo isso mais parecia coisa de babaca e acabei lembrando que num outro momento Marilisa teve um surto de acesso de raiva e vaticinou que “odiava a Polícia Civil e que só pensava em se aposentar”.  As coisas ficavam  mais evidentes pois vendo como Marilisa se dava tão bem quando se tratava de passear, ver coisas bonitas, estar com pessoas radiando simpatia..., como na companhia de Dílson, dava para intuir outros pensamentos cartesianos: “Dílson não era policial  civil (era servidor administrativo à disposição), assim, não estaria obrigado a defender projetos ou contaminado por ideais, princípios, valores, compromissos, sonhos, utopias tão propaladas nas nossas viagens. Dilson, além de ser uma excelente  companheiro de viagem e para compras, nas visitas às lojas, restaurantes... também se revelava bastante falante, um verdadeiro boa praça, sempre disposto a interagir quando se tratava de assuntos aleatórios, de entretenimento...  Enfim, sua presença era relaxante e em nada (ou quase nada) lembrava a figura de um policial. Já no meu caso a coisa era bem diferente, ainda mais que acreditava que eles estariam interessados em ocupar o tempo fazendo visitas a órgãos oficiais ou relacionados à ciência, à cultura...

Santa Efigênia:

Fiquei rememorando as conversas sobre compras e voltei meus pensamentos para a alegria de Marilisa quando comentou que noutra viagem que fizemos à São Paulo havia adquirido um radinho de pilha na “Santa Efigênia”. Dilson reverberava esse acontecimento e passou a narrar as caminhadas, repisou as conversas com os comerciantes, desenhou o mundo encantado e os mistérios daquela rua histórica da cidade (a Santa Efigênia), onde tudo parecia mágico e contagiante.... Lembrei também de Dirceu Silveira e dos seus trejeitos ao confidenciar que Marilisa na época da Delegacia Regional era uma pessoa, porém, depois que foi exonerada passou a agir diferente, se apresentava amarga, deprimida, fazendo uso de muitos remédios... O engraçado nisso era que Dirceu Silveira quando falava de Marilisa parecia se encolher na sua cadeira, reduzia a sua voz com certo ar místico... e no seu semblante parecia haver resquícios de sinais de quem possivelmente já havia sentido bem de perto essa energia, o passar dos bons tempos quando se respirava poder, em cujo momento tudo se magnetizava e se colorizava diante de um  simples olhar para quem estivesse na raia.

Por volta das nove horas e trinta minutos decidi abortar visitas às repartições policiais paulistanas, aliás, qualquer projeto envolvendo a “equipe” e foi a minha vez de dar uma desparecida pela Rua “Santa Efigênia” localizada nas proximidades do nosso hotel, onde havia a venda de produtos eletrônicos. 

Por volta das dez horas e trinta minutos estava numa loja vendo “home theaters”  e eis que aparece Dílson acompanhado de Marilisa e de chofre veio o seu comentário :

- “Não acredito, olha só, como é que pode a gente se encontrar no centro de São Paulo...”.

Marilisa se aproximou com aquela sua habilidade, graça, sorriso meigo e voz terna para dizer que estava a procura de um rádio e como naquele instante estava conversando com um vendedor que me repassava informações técnicas (Onkio), procurei manter meu foco, e logo em seguida de partida, brincando com o vendedor, articulei que tinha acabado de chegar na loja um casal de empresários muito ricos... Meu recurso era me afastar o mais breve possível para que pudesse manter minha aura íntegra, sem externar desapontamentos. A bem da verdade não conseguia mais encarar Marilisa porque ela simplesmente havia me ignorado ou relativizado os seus petardos velados, o que me trouxe os seguintes pensamentos: “O que estou fazendo aqui? Bem que eu estava imaginando que aquela viagem seria uma barra porque a época exploratória ou como de inspiração histórica já havia se esgotado há muito e ela talvez nunca iria sentir realmente o que era uma poesia ou pensar em créditos de carbono, também, não iria se inteirar sobre a  pineal imaginária, do vórtice feito em "warps" das emoções, dos sentimentos...”.

Regral três:

Por volta das vinte e duas horas, chegamos na cidade do Rio de Janeiro. Durante a viagem pedi que Marilisa fizesse vários contatos com policial Patrícia Angélica na Corregedoria da Polícia Civil (Florianópolis), pois precisava da presença de um advogado na audiência de ouvida de testemunha que seria ouvida ainda durante aquela noite... Marilisa se saiu bem e eu cheguei a brincar que ela daria uma “secretária muito boa”.  Mas, também, lamentei que Patrícia Angélica tivesse falhado na notificação da defesa (processo disciplinar), além de não ter conseguido conversar com a testemunha previamente avisando que nós já estávamos a caminho. Ao chegar na Capital fluminense fomos recepcionados por uma chuva torrencial que inundou algumas ruas do centro da cidade (zona sul), porém, conseguimos ir até a Rua Epitácio Pessoa, n. 2566, apto 304 (dispensamos a Corregedoria da Polícia Civil), em cujo imóvel logramos ouvir o advogado Paulo Balsini (filho da psicóloga policial Gilda que trabalhou com Marilisa na Delegacia da Mulher de Joinville). De resto, fiquei relembrando nossas últimas horas no interior da viatura descaracterizada, em especial, que o clima entre nós foi suportável, apesar da irreverência de Dilson no volante, isso porque em algumas situações tive que chamar sua atenção em razão do excesso de velocidade. Também, lembrei que estando em confinamento a três Marilisa parecia mais “light”, acesa, companheira, pois a coisa fluía melhor e assim foi durante esse  nosso trajeto (SP – RJ). Lembrei que isso tambem se aplicava a seus plantões, quando ao término estava destroçada por se entregar às pessoas de forma tão intensa e exaurida.

Um hotel, por favor:

Já estávamos no dia 18.09.08 e passava da meia-noite, após ter finalizado a ouvida da testemunha o próximo desafio sera encontrar um hotel para pernoitarmos já que estava destroçado nas minhas forças e precisava urgentemente repousar, relaxar, me esticar, flexibilizar... A testemunha, muito educadamente, tentou pesquisar na Internet um hotel, mas na Zona Sul estavam todos lotados, quando descobrimos que havia um  “Congresso da Petrobrás no Rio de Janeiro”.  Como já estávamos entrando madrugada a dentro sem uma boa notícia, pedi que o advogado cedido pela OAB (Secretário-Geral) nos guiasse até alguns hotéis da “Zona Norte” onde a esperança era ainda encontrarmos quartos disponíveis, porém, tinha que ser adequado a nossa realidade em termos de diária. Depois de corrermos várias opções sem sucesso pedi que Marilisa fosse com o Secretário-Geral da OAB até o interior do Hotel Florida para mais uma tentativa... Dílson teve um acesso de “mandonismo” e foi advertindo:

- “Não, não, eu não vou ficar em hotel nenhum, vamos embora, vamos pegar a estrada, eu não vou pagar essa diária aí que querem cobrar...”.

Tive que engolir em seco, uma diária de mais de trezentos para um motorista que percebia cento e dez reais e, também, nós Delegados com cento e cinquenta... Em razão do meu cansaço argumentei que estava disposto a voltar até a “Zona Sul” para nos hospedar num outro hotel, mesmo tendo que ajudar Dilson a cobrir sua despesa. Nisso Marilisa e o advogado retornaram até o local onde nós aguardávamos avisando que esse último hotel também estava lotado, mas que tinha um outro em Niterói com quartos disponíveis, entretanto, a diária era de quatrocentos reais.  Dílson teve outro ataque e vaticinou tenso que dormiria no carro. Conversei com o causídico e agradeci todo o seu empenho, avisando inicialmente que pegaríamos a Rio-Santos e, talvez, fosse mais fácil achar um hotel pelo caminho. Fizemos um lanche num “Bob’s” da vida, anexo a um posto de gasolina da “Zona Sul”, e quando estávamos prestes a  sair decidi que voltaríamos para “São Paulo” pela “Dutra” (por onde viemos), já que o próprio advogado tinha recomendado que a estrada era bem melhor, mais segura, sinalizada..., inclusive, o trajeto era menor. Marilisa, diante da situação procurou ser parceira e concordou com o nosso retorno imediato.

Logo que iniciamos nosso retorno paramos num hotel na saída do Rio de Janeiro, mas também estava lotado. Parecia o fim, no meu caso estava péssimo e não havia outra alternativa a não ser reiniciamos nossa viagem, isso já próximo da uma hora da madrugada, ainda chovendo, pista molhada, razão porque resolvi advertir Dílson que não corresse e que andasse no máximo a cento e dez quilômetros por hora. A resposta parecia já ensaiada,  como das outras vezes que fiz o mesmo pedido:

- “Sim, doutor, não vou correr”.

Logo em seguida Dílson já estava andando a cento e quarenta... e eu resolvi me calar diante do silêncio de Marilisa, como das outras vezes. Pedi que Dílson parasse na primeira cidade (Nova Iguaçu), onde havia um hotel e provavelmente encontraríamos quartos vagos, entretanto, naquela velocidade ele simplesmente passou direto. Marilisa a essa hora já estava dormindo deitada no banco de trás. A próxima parada seria a cidade de Rezende, mas acabamos num congestionamento no trânsito e tivemos que andar lento por mais de uma hora. Nesse intervalo Marilisa já tinha acordado e numa das oportunidades conversou com Dílson que lhe disse que chegaríamos em São Paulo por volta das seis horas da manhã. Chegamos em Rezende por volta das três horas da madrugada e eu lembrei da conversa de Dílson com Marilisa... Passamos pela cidade a cento e quarenta por hora, e Marilsa continuou deitada no banco de trás, de boca fechada, curtindo o seu silêncio o que me fez pensar: “Bom, vamos chegar às seis horas da manhã em São Paulo, então se é para sofrer o jeito é esticar e ir direto para Florianópolis (eu e Marilisa ficaríamos em Joinville), pois, segundo meus cálculos, naquela velocidade por volta do meio da tarde chegaríamos  em Santa Catarina. Em razão disso, argumentei:

- “É, desse jeito, nós vamos chegar às seis em São Paulo e depois do  meio dia estaremos chegando em Joinville...”..

Dílson acabava me reportando a desenhos tipo “Kid Vigarista” e fez o seguinte comentário:

- “Ah, sim, pegamos duas notas fiscais, e deu. Claro, é uma boa, tocamos direto e pegamos nota fiscal para justificar as diárias...”.

Interrompi:

- “Ah, não, Dílson, eu não vou forjar notas fiscais, tu me conheces, não sou disso. A gente devolve duas diárias cada um, e pronto”.

Dílson, imediatamente fez outra proposta:

- “Duas diárias, não! Se tivermos que devolver é uma diária só”.

Interrompi:

- “Mas a gente não dormiu no Rio de Janeiro, não temos como comprovar o pernoite, então eles vão querer glosar no mínimo uma diária e meia de cada um, mas a gente devolve!”

Dílson, imediatamente rebateu como se estivesse conversando com outro motorista:

- “Não, a gente tem como comprovar que viajou, tem a nota do abastecimento no Rio de Janeiro, a gente pega mais umas notas de refeição...”.

Interrompi:

- “É, mas mesmo assim eles vão querer que comprove o pernoite e não temos. Então, o melhor é a gente devolver, fazer a coisa certa”.

A discussão ficou meio que acalorada e era impossível que Marilisa não estivesse ouvindo a nossa conversa. Dílson fez nova investida: 

- “A gente chega as seis e vai lá para o hotel (Hotel Windsor), toma café, fica lá, paga a diária. A doutora (Marilisa)  quer ir na Vinte e Cinco de Março fazer umas compras...”.

Aproveitei para sugerir:

- “Bom, faz o seguinte, quando a Marilisa ‘acordar’ tu conversas com ela e vê o que ela quer. Pergunta se ela quer ficar até sexta em São Paulo para fazer compras, passear... ou se quer ir direto embora”. 

Na verdade estava fazendo um teste e a resposta foi muito fácil, certamente que Marilisa iria concordar já  que naquela altura pareciam bastante parceiros, pensei.  "Passamos São Bernardo do Campo e Dílson a cento e quarenta por hora...". Marilisa acordou e Dílson fez a proposta:

- “Então, doutora Marilisa, a gente vai direto para o hotel em São Paulo, toma café, fica instalado lá até sexta ou então a gente toca direto, só que aí vai ter que devolver diárias, o que a senhora acha?”

Marilisa, com a voz macia e cheia de graça respondeu:

- “Estais muito cansado, tens que descansar. Tens que descansar. Imagina, uma estrada perigosa dessas,  viajando a noite toda, coitado, e nem tinha hotel no Rio, a gente procurou por tudo, tem que descansar, tem que parar em São Paulo”. 

Dilson meio sem saber o que dizer (tinha me dito antes que estava pronto para continuar a viagem, mas poderia ser encenação...), tremulou a voz pra cá e prá lá, querendo concordar com a estratégia de Marilisa, e ao mesmo tempo se justificar porque tinha me dito algo diferente antes da Marilisa ‘acordar’. Quando ouvi aquilo pensei: “Pronto, quando estávamos em São Paulo, na ‘Famiglia Mancini’,  propus quase de maneira idiota, que se desse tempo aproveitaríamos o horário de folga para juntos ir à Associação dos Delegados de Polícia de, depois à Corregedoria-Geral de Polícia de São Paulo e, já no sábado, antes do nosso retorno, ao Anhembi (comentei que ouvi que havia uma exposição de máquinas...) e, por último, ao Museu Ipiranga. Lembrei que Marilisa com a sua habilidade fez de conta que concordava e eu fazia de conta que acreditava, muito embora o que disse era verdadeiro. Como Dílson relatou que Marilisa queria ir às compras na quinta-feira eu imaginei que todas aquelas minhas propostas deveriam parecer piada, ir atrás de assuntos institucionais e no sábado ir a... Aliás, a cabeça de Marilisa e Dílson eram muito parecidas e os dois formavam um belo casal, bem diferente do terceiro elemento que media os acontecimentos, porém, no seu devido espaço e tempo, dentro dos quais era imperativo sorver e sobreviver.