O reencontro com a Escrivã Ivone Francio: 

Data: 10.07.08. Horário: 10:00h. Havia retornado para a Delegacia da Comarca de Videira e conversava com a Escrivã Ivone Francio que me avisou a respeito da chegada do Delegado Regional Flares do Rosar, isso após ouvir sua voz ecoando pelo corredor daquela repartição, o que me fez ir ao seu encontro porque logo intui que o mesmo pretendia conversar comigo.

Seria o último adeus?

Após os cumprimentamos Flares me convidou para irmos até o seu gabinete na DRP. Ao passarmos pela Delegada Sandra Andreatta que estava nos observando junto a porta da entrada do prédio resolvir me deter um pouco para apresenta-la, dizendo:

- “Flares, essa é a doutora Sandra, muito querida, conhecia?”

Flares a cumprimentou com aquele seu sorriso fidalgo, demonstrando bastante receptividade, na mesma medida também cumprimentou Dílson Pacheco que estava no local, comportando-se mais como político do que policial. Na sequência nos dirigimos ao seu gabinete e sentamos lado a lado num sofá. Flares passou a me confidenciar que estava com um tumor  no intestino e teve que se submeter a uma cirurgia delicada, passando por quimioterapia... Dava para perceber na sua face que algo não andava bem com sua saúde e lembrei que no nosso último encontro havia me chamado muito a atenção a sua demasiada palidez. Enquanto Flares aproveitava para desabafar um pouco o seu momento de solidão e ao mesmo tempo de sofrimento, mais uma vez passei a observar a cor da sua pele visível que apresentava num tom “amarelado”, típico de algum problema no fígado ou intestino. Também pude constatar que seu corpo já denotava certo grau de decadência (apesar de isso ser um pouco perceptível), o que me fez pensar: “É, uma cirurgia invasiva, um tratamento intensivo..., não sei se vai suportar por muito tempo”. Em um momento passado Flares ainda apresentava porte atlético, agilidade, fala vibrante..., ao mesmo tempo ternura, convicção, habilidade ao concatenar ideias, vibração..., só que mais recentemente parecia distante, sem norte, o que consumiu novamente meus pensamentos enquanto ele se lamentava. Talvez estivesse ali a necessidade de presença o universo da política, o segredo da sua energia vital, e daí a importância de enfatizar a sua força empática, fidalguia no trato.... Depois que encerramos aquela conversa, ainda bem próximos, Flares relatou que havia adquirido para seus filhos a “Pizzaria Domini”, já que eles estudavam na Capital, cujo estabelecimento estava localizado quase em frente ao prédio da Central de Polícia (Av. Osmar Cunha). A partir daí Flares passou a se queixar do seu salário, muito aquém das suas necessidades, comentando que deu sorte, pois conseguiu vender uma casa na cidade de Campos Novos... Na sequência aproveitei para fazer um relato sobre o nosso projeto da “indenização aposentatória”, entregando uma cópia do material, quando fomos interrompidos pelo Delegado Victor, natural de Minas Gerais que estava com casamento marcado para o próximo dia vinte e seis. Flares já tinha rasgado elogios a esse profissional fazendo até um comparativo com o Delegado Luiz Felipe (antecessor), cujos novos tempos denotavam motivação, diferentemente do período anterior quando a coisa era mais complicada, havia muitas desconfianças, críticas..., especialmente, dirigidas ao governo, à administração... Na verdade Luiz Felipe e sua esposa (Delegada Priscila) pareciam deslocados naquela região e deveriam aspirar o retorno para Joinville, onde anteriormente atuaram (até antes de suas promoções na carreira). Passei a observar que o Delegado Victor estava trajando terno, bem a caráter, chegando a pensar: “Bom, é possível que quando foi avisado que o ‘Corregedor’ viria até Videira que provavelmente tenha se preparado para se apresentar, porém, talvez sim, talvez não...”. Após uma breve conversa, quando o Delegado Victor se preparava para nos deixar porque iria participar de uma operação, demonstrando estar muito motivado porque iria participar de uma “missão operacional”, fez o seguinte comentário:

- “Eu adoro o que eu faço, fiz concurso para analista da Justiça Federal e passei, lá o salário era de nove mil reais, mas eu optei por ser Delegado. O nosso problema é o salário, hoje me arrependo de não ter assumido o cargo de Analista...”.

Flares ainda teceu alguns comentários a respeito  da “Indenização aposentatória para policiais” enquanto fiz um breve relato sobre a história desse projeto que teve também a participação da Delegada Marilisa Bohem. Perguntei se Victor conhecia a Delegada Marilisa e ele deu de ombros querendo dizer que nunca ouviu falar desse nome, o que me fez fazer um comentário detido, sob o olhar atento e curioso de Flares:

- “Bom, ela é uma pessoa maravilhosa, bem por isso que estando ausente faço questão de homenageá-la dizendo: ‘esse projeto tem também a da doutora Marilisa, não esqueça nunca do nome dela, ‘doutora Marilisa’...”.

Comentários indigestos a respeito da “assembleia geral itinerante – ‘Adpesc’:

Depois que Victor deixou o recinto Flares comentou que aquele Delegado se revelava um profissional de futuro e que valeria a pena investir no mesmo o que me deixou uma boa impressão, a seguir, retomei a nossa conversa sobre a “Assembleia Geral Itinerante” convocada pela Delegada Sonêa (Presidente da Adpesc  - Associação dos Delegados – SC). Flares me surpreendeu ao dizer que já tinha conhecimento desse fato e que entendia que aquilo era mais uma “jogada” da direção da Adpesc, pois a fragmentação dos encontros só tiraria a força da classe, o que me fez lançar  um questionamento:

- “Mas Flares, enfraquecer a pretexto do quê?  Afinal, a quem interessa esse nosso enfraquecimento? Olha só como estão nossos salários...”.

Flares concordou e ao mesmo tempo chegou a lembrar que na época que lançamos seu nome para formar chapa para concorrer à direção da Adpesc para substituir o Delegado Maurício Noronha poderíamos ter mudado o curso da história, fazendo o seguinte desabafo:

- “Veja, não adianta ela ficar lá em Brasília tratando da ‘PECs’, não adianta nada, é tudo jogada. Tudo bem que essa  ‘PEC’ aí é importante, a gente sabe disso,  mas ela deveria ficar mais aqui no Estado defendendo nossos interesses mais imediatos”.

Interrompi:

- “Claro que sim, que passe dez por cento lá em Brasília que já estaria de bom tamanho, mas os outros noventa por cento deveria ser aqui no Estado. Mas Flares, o pessoal parece que está contente com ela, tem acreditado nesses sonhos, no que está sendo difundido aos quatro cantos do Estado”.

Flares emendou:

- “Sim, mas é aqui que as coisas acontecem. É aqui que tem que se travar as grandes batalhas que nos interessam de perto...”.

Interrompi:

- “É verdade, a gente sabe disso, mas o negócio é que com seu esposo lá encima ela optou por ter que blindar o próprio governo do Estado, talvez para esperar um momento certo para negociar, esperar um milagre...”.

Flares me interrompeu:

- “A gente sabe que o Neves é importante lá como Secretário de Segurança Adjunto, também sabemos que ela como presidente da nossa Adpesc teria mais força lá encima, mas não é o que estamos vendo, o problema é que quem manda naquilo lá é o marido dela...”.

Interrompi:

- “Ela é apenas uma, uma ‘l.’ do governo, não tem projeto algum aqui no Estado, e tudo acaba sendo direcionado para Brasília, aí não dá, não temos projetos aqui!”

Flares me interrompeu, dessa vez olhando ao longe através da janela do seu gabinete e ao mesmo tempo fazendo a seguinte afirmação:

- “Uma ‘l.’, não há dúvida, ela é...”.

A classe teria moral para exigir (não reivindicar) algo do futuro governante do Estado? 

Na sequência conversamos sobre o futuro e Flares comentou:

- “Bom, eu acho que a grande oportunidade que nós vamos ter será quando o ‘Pavan’ assumir o governo do Estado, aí sim...”.

Interrompi:

- “É, eu também acho que sim porque se nesses oito anos de governo do PMDB nós não conseguirmos nada, então o próximo governador quem sabe, seja o Esperidião, seja a Ângela, talvez nós tenhamos uma oportunidade de mudarmos esses anos de estagnação. Tu sabes que se nós não nos prepararmos para esse momento os futuros governantes terão todo o direito de mandar os Delegados tomar naquele lugar, ficaram oito anos amordaçados por suas lideranças que depois que mudar o governo vão querer levantar a classe... Imagina, foram anos de silêncio, submissão e aí depois vem esse mesmo pessoal querer pressionar, agitar... para cobrar do futuro governante, assim não dá!”

Flares me interrompeu:

- “Ah, sim, aí tem que se mandar os Delegados esperar mais oito anos, até o final do próximo governo, tem que mandar os Delegados trabalhar e, talvez, depois, lá no final de mais oito anos, pode ser que se dê um aumento”.

Interrompi:

- “Imagina, vão ser dezesseis anos de penúria...”.

Novamente interrompi:

- “É, Flares, veja bem como teria sido importante se nós tivéssemos chegado à presidência da Adpesc? Quanta coisa a gente poderia ter mudado com você lá na Capital liderando a classe e nós te ajudando...”.

O fator Júlio Garcia:

Flares mirou o piso do seu gabinete, com suas olheiras profundas e parecendo exaurido, fez um sinal discreto de anuência e eu aproveitei para retomar o assunto relativo à “indenização aposentatória”. Flares  comentou que já tinha conhecimento da lei que beneficiava os policiais militares e, em razão disso, pensei: “Acho que já tinha falado do projeto para ele no ano passado quando estive aqui e tratei do mesmo assunto, muito embora a impressão era que ele não lembrasse desse detalhe, mas tudo bem, diante do seu quadro de saúde isso seria tolerável...”. A seguir, repassei mais uma vez a cópia do projeto e pedi que Flares ajudasse na luta pela aprovação da matéria, considerando que apresentava vício de origem. A exemplo do que tinha dito anteriormente para a Escrivã Ivone, tínhamos que gerar uma “onda”, uma grande expectação, difundir a matéria, transformar o projeto em uma aspiração histórica e essa seria a nossa missão. Flares fez uma revelação:

- “Eu me dou muito bem com o Julio Garcia, Presidente da Assembleia Legislativa, estou direto lá com ele, o Júlio tinha uma namorada lá em Tubarão que era dona de uma empresa de ônibus, isso na época que eu era Diretor do Deter e a gente possuía um ótimo relacionamento, somos muito amigos, deixa que eu vou falar com ele...”.

Fiquei entusiasmado e comentei:

- “Puxa, tá aí uma boa oportunidade, a gente sabe que o governador respeita muito o Júlio Garcia, o que ele decidir lá na Assembleia o governador acata. O Júlio não é presidente de graça...”.

Flares aparentando buscar energias para manter nossa conversação e, assim, demonstrar que estava vivo, que detinha habilidade política – ao mesmo tempo que se servia de mais uma cuia de chimarrão – arrematou:

- “Deixa que eu falo com ele...”.

Ao final, já mais à vontade e em clima de quase despedida, conversamos também sobre história policial no Estado, desde tempos não tão distantes, do Delegado Antônio Abelardo Bado (ex-Superintendente da Polícia Civil – 1987/1989), a respeito dos projetos que defendíamos já naquela época, a forma como conquistamos a isonomia salarial com o Ministério Público (1989), desde a inclusão do artigo cento e noventa e seis na Constituição do Estado, sobre a importância da nossa luta e do intensivo trabalho do Delegado Alberto Freitas (Presidente da Adpesc), do próprio Chefe da Polícia Civil, do Secretário da Segurança Pública (Rivaldo Macari, Deputado Federal e Promotor de Justiça). Flares revelou que só fez concurso para Delegado em razão dessa isonomia na época, comentando que seu filho era apaixonado pela carreira policial, no entanto, foi desestimulado em razão dos baixos salários. Acabei encerrando nossa conversa e nos despedimos como bons e eternos amigos, talvez, nosso último encontro.