Um certo Capitão Zelindro:

Data: 01.07.2008. Horário: dezessete horas e trinta minutos. Estava transitando ao lado da Delegacia da Mulher, em Joinville e percebi que a janela da Marilisa estava aberta, além de observar seu carro na garagem e logo intui que ela poderia ainda estar no prédio. Porém,  achei melhor não  parar no local, até porque naquele momento a Investigadora Patrícia Angélica já deveria ter telefonado para dar um retorno sobre a diligência que realizou anteriormente naquela repartição... Mas nada disso me me incomodou porque já a conhecia muito bem Marilisa, apesar de ter vontade de lhe relatar todos os  contatos que fiz e o que nós poderíamos fazer para que nosso projeto continuasse a sua tramitação (Alesc).                                                                                      

Por volta das  vinte e três horas estava em São Francisco do Sul e nada ainda de Marilisa dar um sinal de vida o que me levou a pensar: “Bom, a vida continua, amanhã vou estar em São Bento e farei contato com o Delegado Regional Leonísio”.

Dia 02.07.08, horário: quinze horas e trinta minutos, cheguei no Batalhão da Polícia Militar de São Bento do Sul e rapidamente fui encaminhado até a presença do Capitão Zelindro comandante da corporação. De início estranhei que um Oficial com aquela patente estivesse no comando daquele Batalhão, pois segundo meu entendimento essa função deveria ser no mínimo exercida por um Tenente-Coronel. Ao entrar no Gabinete do Capitão Zelindro fiquei surpreso porque o mesmo estava usando trajes civis. O Capitão era “corpulento”, com destaque para sua cintura expandida, em resumo: era meio  “gorducho” dos pés à cabeça, além disso apresentava uma calvície acentuada. O comandante relatou  que já havia trabalhado  na Corregedoria da Polícia Militar, isso quando atuou no Batalhão de Joinville. Sempre muito atencioso meu anfitrião quis saber qual era o meu tempo de serviço e eu que eram trinta e um anos o que  causou espanto porque o Capitão Zelindro me achou muito “jovem”  e comentou  que já contabilizava  vinte e quatro dedicados à PM. Nisso a policial Patrícia Angélica que estava do meu lado acabou achando graça em razão do comentário sobre minha “jovialidade”. Procurei me apresentar de maneira simples e respeitosa, como se estivesse conversando com um Tenente-Coronel. Não sei por quê, mas Zelindro passava confiança e um bom astral. Procurei retribuir com minha  sinceridade e confiança e, a seguir, o comandante quis saber o porquê da minha presença naquele local. Expliquei que estava ali para ouvir um advogado que estava preso por envolvimento  com “caixeiros viajantes” e pagamento de propinas a policiais. Zelindro ouviu atentamente meu relato e disse que quando estava atuando em Joinville participou do episódio da prisão do Delegado Marcucci e que auxiliou o Corregedor Hilton Vieira. Zelindro se revelou em dúvida sobre a operação do Delegado Hilton Vieira e chegou a me perguntar se aquilo não teria sido um confronto político entre facções de Delegados. Acabei concordando com sua tese, até porque Marcucci  havia sido  absolvido num dos recursos no Tribunal de Justiça de Santa Catarina... Aproveitei para comentar  um episódio que me ocorreu no ano de 1984, em cuja ocasião atuei na cidade de Chapecó, em razão de um auto de prisão em flagrante que deixei de lavrar... Antes de deixar o gabinete do comandante Zelindro  me acompanhou até a porta e disse que não me conhecia. Aproveitei  para dizer que era “invisível” e o Oficial acabou rindo espontaneamente, talvez, surpreso com aquela minha expressão.

As benesses do poder e os rigores da lei:

Horário: dezesseis horas, após  a ouvida  da testemunha, isso já passando das dezessete horas, como ainda estava ocupando o gabinete de um outro Oficial , resolvi ir  até um armário e verifiquei que havia alguns exemplares da revista “Patrulheiro Policial”. Ao me defrontar com um dos exemplares que tinha na capa as fotos do ex-Delegado-Geral “Ricardo Thomé e do “sub” Delegado Wanderlei Sala” não tive dúvidas, coloquei o material  na bolsa da Investigadora Patrícia Angélica já que até então desconhecia que havia circulado no âmbito da  Polícia Civil e, também, porque registrava uma fase  em que vicejou o “poder absoluto” no comando da instituição, com aplicação do princípio de que “...as benesses do poder e para os inimigos os rigores da lei...”, num dos governos  que causou muitos retrocessos à instituição.

A Polícia Estadual e os desafios do Governador Amin e do Coronel Walmor Backes:

Horário: dezessete horas e trinta minutos, já estava me preparando para deixar o Batalhão da PM de São Bento, quando resolvi me despedir do Capitão Zelindro que me atendeu mais uma vez pronta e educadamente.  Ele havia me relatado  que na sexta-feira  próxima  haveria uma solenidade no Batalhão onde pretendia entregar uma condecoração para o Delegado Renato Hendges, e comentou:

- “É uma pena que vocês não prepararam uma pessoa para substituí-lo. Ele tem quarenta anos de serviço e vai se aposentar, vai fazer muita falta, eu vou condecorá-lo”.

O Capitão Zelindro fez um comentário que achei instigante quando disse:

- “Eu acho que nós temos que ser unidos. Trabalhamos todos por uma causa e não justifica qualquer desunião entre nós...Vocês Delegados levam uma vantagem muito importante que é o lado político. Vocês têm mobilidade, já nós ainda não acordamos para isso...”.

Em consideração ao seu comentário e por se revelar uma pessoa dotada de visão vanguardista aproveitei para fazer uma provocação:

- “Pois é, a ‘PEC 549’ tem tudo para ser aprovada, se bem que os Oficiais da PM tentaram boicotá-la, mas depois resolveram apoiá-la. Acho que isso foi importante e depois a mesma bancada que apoiou os Delegados têm que apoiar alguma coisa importante para vocês, eu acho que nós todos temos que ficar bem...”.

Zelindro ouviu minhas considerações e pareceu concordar em gênero e número. Aproveitei para ir mais além:

- “... No ano de 1997 eu e mais um grupo de Delegados trabalhamos num projeto na área da segurança pública para o Esperidião Amin. O nosso objetivo foi fazer uma revolução nas ‘Polícias’ a partir de Santa Catarina. Lamentavelmente, procuramos o Coronel, como é mesmo o nome dele, deixa em lembrar..., na época ele estava à frente de uma Diretoria no Comando-Geral da PM, ah, sim, agora lembro, era o Coronel Backs. Depois que o Amin se elegeu governador ele foi nomeado Comandante-Geral da PM. Bom, nós tentamos chamar o Backs para participar do nosso projeto, mas ele tirou o corpo fora, não quis, foi  fraco, deixou de fazer história. O governador Amin também poderia ter feito história...”.

Zelindro ouviu atentamente meu relato, parecia não querer piscar os olhos, não disse uma palavra e eu já não poderia dizer àquela altura se ele reprovava, concordava, entendia... Sem me preocupar com esse fato continuei meu relato:

- “...Então, a ideia era acabar com a Secretaria da Segurança Pública e no seu lugar criar a ‘Procuradoria-Geral de Polícia’. Com isso, as Polícias Civil e Militar continuariam a existir normalmente, porém, vinculadas a essa ‘Procuradoria-Geral, subordinada diretamente ao Governador, mas com autonomia... Vocês não têm a patente de General, ou seja, a carreira policial militar acaba no Coronel. No nosso caso o Delegado também acaba no Delegado Especial. Então, a ideia é criar um segundo grau para o oficialato e para os Delegados. Seriam os ‘Procuradores de Polícia’. Assim, metade das vagas dos cargos de ‘Procuradores’ seria destinada aos Coronéis e a outra metade para os Delegados finais de carreira. Para ser ‘Procurador’ obrigatoriamente teria que haver formação jurídica superior. Seria mantida a Polícia Militar incólume e a Polícia Civil também...”.

Zelindro me interrompeu, parecendo demonstrar que estaria muitíssimo interessado no meu relato:

0 “Sim, seria respeitada a história tanto da Polícia Militar como da Polícia Civil”.

Continuei:

- “Exatamente. Nós temos história, não podemos apagar isso, então os Coronéis continuariam a comandar a Polícia Militar e os Delegados à Polícia Civil, no entanto, os Procuradores é quem controlariam a ‘Procuradoria-Geral’, todos os órgãos superiores. Além disso, seriam criadas as ‘Procuradorias Regionais de Polícia”...”.

Zelindro novamente me interrompeu:

- “Sim, entendi, entendi! Estou gostando dessa ideia, olha, muito boa...”.

Já mais tranquilo porque vi, enfim, uma manifestação de aprovação por parte do comandante, continuei:

- “Então, veja, Zelindro, a partir de um projeto vitorioso desses em Santa Catarina, nós partiríamos para levar esses ventos das mudanças para outras unidades da federação e depois lutaríamos juntos por uma ‘PEC’ para alterar a Constituição Federal com o objetivo de garantirmos nosso ‘quinto constitucional’ nos Tribunais de Justiça dos Estados. Os Procuradores de Justiça e os Advogados não podem ser nomeados ‘Desembargadores’? Então, por que os ‘Procuradores de Polícia’ que também possuiriam formação jurídica e comandariam atividades essenciais à Justiça não poderiam também participar desse bolo?”

Novamente Zelindro externou uma manifestação de aprovação à ideia, mostrando fluidez, humildade, inteligência e visão enquanto aproveitei para completar:

- “Com isso nós unificaríamos os comandos das duas forças policiais, acabaríamos com essa história de unificar as Polícias, pois já unificaríamos os comandos. Haveria união e, assim, acabariam as disputas entre Delegados e Oficiais porque o comando passaria a ser único e os ‘Procuradores’ seriam egressos das duas corporações. Esse negócio de se querer uma Polícia trabalhando para os Promotores, seguindo a orientação dos Estados Unidos não tem nada  a ver com a nossa história. O sistema policial brasileiro foi todo baseado no sistema francês. Na época do Brasil colônia o centro das ideias no mundo era a França, o centro financeiro era a Inglaterra... Foi após a Revolução Francesa que surgiu esse nosso modelo de Polícia com  Josephy Fuché que foi o primeiro Ministro da Polícia na época ‘Bonapartista’. Foi ele que propôs esse nosso modelo de Polícia Administrativa e Judiciária. Eu acho que nós temos que respeitar essa história, nosso passado. Essa ideia de unificar as ‘Polícias’ é um perigo para nós, temos que tomar cuidados. Com esse discurso de unificar as ‘Polícias’ o que se pretende é enfraquecer principalmente a Polícia Militar. Nós somos plenamente favoráveis a modernização da Polícia Militar... Eu defendo com unhas e dentes esse projeto porque as ideias de unificação na verdade irão desaguar no fim de prerrogativas que vocês, como no caso da Justiça Castrense. Fazendo isso, vão querer também acabar com o nosso inquérito policial, com nossa autoridade... Bom, todos nós só temos a perder. Temos que manter o nosso sistema policial belga-francês...”.

Zelindro chegou a se levantar, tal o impacto de minhas manifestações e foi dizendo:

- “Gostei muito disso. Nós temos que nos unir. Eu queria lhe pedir para me mandar por e-mail esse projeto da ‘Procuradoria-Geral’, precisamos difundir isso...”.

Argumentei que não teria problema e que lhe mandaria o ‘projeto’ que entregamos na época para o candidato ao governo Esperidião Amin e lamentei:

- “Foi uma pena que ‘Backes’ tenha sido fraco para liderar um projeto dessa magnitude, foi uma pena que ele não tenha assimilado a ideia e optou pela mesmice, por cargos... Foi uma pena também que o Amin tenha sido insensível, sem se preocupar em fazer história, em contribuir para um projeto importante e grandioso no seu futuro governo que trouxesse melhorias na qualidade dos serviços policiais a partir da unificação dos comandos das forças policiais no Estado...”.

Zelindro me interrompeu:

- “Por favor, me mande esse projeto, vamos pensar sobre isso, gostei. Eu gostaria de lhe convidar, de repente, para a gente reunir Oficiais e lhe chamar para dar uma palestra sobre o assunto...”.

Interrompi:

- “Zelindro, mas eu te disse que sou ‘invisível’, lembra?”

Zelindro deu uma gargalhada e comentou:

- “Entendi, tipo ‘Marco Maciel’?”

Argumentei:

- “Bom, eu menos ‘expressante’, porém, mais  ‘passante’ nos nossos interesses, como um laboratório de ideias, só isso!”

Apanhei o cartão contendo o e-mail de Zelindro e me despedi já na porta de saída do prédio, dizendo:

- “Para um projeto dessa magnitude, podes contar comigo para o que der e vier”.

O Capitão Zelindro me agradeceu dizendo:

- “Foi um prazer muito grande lhe conhecer. É muito bom conversar ‘consigo’, o senhor é muito inteligente e muito agradável”.

Respondi que também tinha sido um prazer muito grande conversar com ele e que estava a sua disposição na Corregedoria. Zelindro ainda fez um convite:

- “Na sexta-feira vai estar aqui pela região? É que se estiver gostaria de lhe convidar para participar da solenidade que vou fazer aqui no Batalhão...”.

Interrompi dizendo que não estaria na região e, isto sim, em Florianópolis.