Lembranças de "Gasparzinhos": 

Era ainda dia  18.06.2008 e  por volta das vinte uma horas, aproximadamente, estava no quarto 721 do Hotel Vieiras, localizado na Av. do Estado (Balneário Camboriú), quando fui avisado da presença do  ex-Delegado Carlos Heineberg (demitido). Ele já havia me ligado antes e disse que ficou no meio do caminho (vinha  da cidade de Ilhota, visinha de Gaspar) porque seu carro teve problemas mecânicos. Argumentei  que era para ele vir, sem se importar com o  horário porque o aguardaria. Na verdade tinha em mãos  um relatório que serviria de prova fundamental para alicerçar o seu pedido de revisão nos processos criminais e administrativo disciplinar que resultou na sua condenação. Quando Carlos chegou percebi de imediato  seus  cabelos brancos, que estava envelhecido... Em silêncio lamentei o fato, fiquei penalizado com a sua situação e nem poderia ser  diferente... Carlos de início pareceu emocionado, passou a desabafar  falando “coisas meio desconexas”, tipo:

- “O Alex Boff lá em Chapecó me perseguiu o tempo todo, eu estava investigando... Um construtor lá em Herval do Oeste que construiu a Delegacia de Ouro confidenciou que a obra foi superfaturada porque o ‘T.’...”.

Interrompi Carlos, quase que lhe chamando a atenção e orientando que ele deveria manter o foco no seu objetivo maior: a revisão procedimental. Carlos confirmou  que foi o Delegado Toninho (Antonio Carlos  Pereira) que indicou meu nome e comentou que eu era conhecido como o “Papa”, um verdadeiro “mestre” no meio policial. Fiquei meio sem saber o que dizer,   argumentei  que não era bem assim, pelo menos não fazia essa leitura, tampouco, me via como  algum tipo de “mestre”,  uma figura em processo de unção ou mitificação. Procurei dar ênfase para a importância do documento que entreguei para aquela figura que mais parecia “fantasmagórica”  e sugeri que  procurasse um bom advogado (citei o nome do Desembargador aposentado Nilton Macedo). Carlos comentou  que estava com o advogado “Gastão”. Lembrei que o Delegado Regional de Joaçaba (Toninho) possuía  um ótimo relacionamento com o Secretário Ronaldo Benedet e que seria a pessoa indicada para fazer a ponte e viabilizar o processo revisional.

Carlos lembrou que o Delegado Hilton Vieira, juntamente com os Delegados Thomé e Alex Boff foram os seus algozes, e que nunca se apropriou de qualquer bem que não lhe pertencesse, também não praticou crime de concussão... Argumentei que tive  conhecimento de tudo... e que no meu relatório, por meio de conexão expressa, havia reconhecido a sua inocência (noutro processo criminal, cumprindo  diligências requisitadas pelo  Ministério Público na comarca de Chapecó...)  e que no documento juntado àqueles autos estavam todos os meios para reverter a sua situação no processo disciplinar que resultou na sua demissão. Carlos lamentou que quando foi buscar sua carteira da Ordem dos Advogados, a mesma foi negada porque a Corregedoria da Polícia Civil havia informado  que tinha sido demitido. No  mesmo pacote de conversas carreadas de dor, conversamos sobre  os destinos dos  ex-Delegados Sérgio Brasiliano, Sérgio Lélio Monteiro, Alcino Silva, Carlos Sontag, Marco Aurélio Marcucci..., vítimas de uma cúpulas omissas, um órgão Correcional desinformado, reativa, desinteligente, autista...,  sob o patrocínio de dirigentes  já bastante conhecidos, algozes indomáveis, mandatários de bárbaros... Argumentei que não me permitiria  falar mal do Delegado Hilton Vieira por respeito, amizade antiga e ética... Antes de Carlos deixar meu quarto, fez um agradecimento emocionado, a ponto de ter que criar alguns filtros porque ele estava em lágrimas...

 O grande “Fornão de Fantasmas”  e as provações: 

Dia 19.06.08, horário: nove horas da manhã, retornei à Delegacia Regional de Balneário Camboriú e fui direto para o Gabinete do Delegado Ademir Serafim. Antes, porém, conversei com a policial Julita, um anjo de pessoa  que recentemente teve que superar um tumor, havia deixado um estado depressivo... E a impressão era que depois daquelas provações  Julita havia se transformado  numa pessoa melhor, dava para perceber seu crescimento  espiritual..., justamente ela que foi mais uma das “trazidas” por Maurício Eskudlark (trabalharam junotos em São Miguel do Oeste) para atuar naquela DRP. 

Delegados Lauro Ignácio e  Ademir Serafim e suas  histórias "gasparienses": 

A seguir, encontrei o Delegado Regional Ademir Serafim no seu gabinete conversando  animadamente com outras pessoas. Desta vez Ademir Serafim pareceu menos elétrico, manifestava uma espécie de virtude cênica, era  um bom ouvinte, paciente e integralmente conectado aos seus interlocutores que o cercavam..., dando a nítida impressão que seria uma pessoa do bem...,  diferente de como o encontrei no dia anterior, no claustro do seu gabinete, quando mais parecia “possuído”... Naquele momento era possível conversar com Ademir Serafim e sentir  que estava diante  de  um profissional  que não estaria mais  sob “encantamento”..., e as pessoas próximas, inclusive. O advogado Lauro Inácio que também estava no gabinete, logo que me viu, arrematou com sua voz grave e destacada:

- “Ontem eu e o Felipe estávamos conversando. Eu sempre disse que o Fogaça e o Luiz Darci foram os Delegados mais intelectuais que nós já tivemos, só que eles não deixaram nada escrito para nós. Se você for procurar alguma coisa deles não vai encontrar nada...!” Percebi agora que Lauro Ignácio havia assimilado o que conversamos, estava realmente falando algo que tinha peso histórico e que também foi objeto de nossas tratativas. No déia anterior  quando Lauro Ignácio  me incluiu no rol da fama  como um dos intelectuais dentre nossos pares, em silêncio intui que se tratava de pura habilidade do Delegado aposentado e causídico..., apenas não quis replicar  porque sabia que meu conceito era resultado de  livros, artigos literários, manifestações... Lauro Ignácio fez questão de dizer a todos que eu também era formado em História, dedicado a pesquisas... Ademir Serafim, assumindo ares novamente de quase “encantamento”, parece que brincou:

- “Sim, a gente conhece o Felipe...”.

Lauro Ignácio voltou à carga:

- “Eu estava conversando com o Felipe e ele me relatou ontem..., eu nunca ouvi falar dele..., que o Jucélio Costa foi um dos grandes intelectuais da Polícia Civil..”.

Na sequência,  Lauro Ignácio comentou uma passagem do Delegado Antonio Agostinho Luz (pai do Delegado Evandro Luz de Caçador) que num  determinado júri, na condição  de autoridade policial , foi intimado a ler perante aos jurados um documento que continha vários termos jurídicos, inclusive, em latim... Lauro Ignácio fez questão de registrar que o doutor Antonio Luz leu o documento de maneira elegante, caprichando na leitura, foi impecável. Depois disso os jurados pediram que ele explicasse uma frase em latim e o Delegado Antonio Luz se borrou todo e foi uma vergonha geral... Ademir Serafim pareceu curioso com a história de Jucélio Costa e disse que também nunca tinha ouvido falar desse personagem. Resolvi fazer algumas perguntas para Ademir Serafim:

- “Quem é que foi o maior responsável pela criação da  Academia da Polícia Civil? Quem é que criou a carreira de Delegado de Polícia? Quem é que criou um órgão central para comandar a Polícia Civil?”

Ademir deixou escapar uma luz no seu olhar que revelava surpresa e admiração. Aproveitei  o clima para continuar:

- “Até 1964 a Polícia Civil não tinha um órgão de comando central. Tudo era dirigido diretamente pelo gabinete do Secretário de Segurança. O Jucélio percebeu junto com o Jade Magalhães que tinha que se criar um órgão de comando central, daí surgiu a  Diretoria-Geral da Polícia Civil”.

Ademir Serafim interrompeu:

- “Sim, e depois foi departamento, nós não tivemos?”

Respondi:

- “Não. Só na época do General Rosinha, isso já em 1968 que o General acabou impondo um retrocesso e transformou aquela Diretoria da Polícia Civil em Divisão de Polícia Judiciária. O General também acabou com os cargos isolados de Delegado Regional de Polícia. Até então os Delegados Regionais eram cargos efetivos e se constituíam o segundo grau na carreira, só que como criavam um monte de problemas para os Secretários... Imagina um General ter que aceitar ponderações de Delegados Regionais, chegou uma hora que ele chamou um tal de Pinheiro, não sei se vocês já ouviram falar dele? Dizem que era um  advogado puxa-saco do General. Também naquela época tinha o Vitor Maravalhas..., eu sei que chegou uma hora o General chamou seus assessores e pediu uma fórmula para acabar com os Delegados Regionais e daí apresentaram o projeto para transformá-los em cargos em comissão. Bom, daí virou isso que é hoje, uns ‘vacas de presépio’, um pessoal subserviente...”.

Ademir se coçou, e logo foi rebatendo:

- “Não. Isso já mudou. Os Delegados Regionais têm autonomia, hoje com a democracia tudo mudou, isso é coisa do passado...”.

Olhei para o canto e revi aquele monte de revistas empilhadas, onde o doutor Ademir Serarfim era estava em evidência na capa e agradecia  o Governador Luiz Henrique da Silveira por estar dando tanto para a instituição policial... Procurei ser um pouco habilidoso e disse:

- “Bom, é verdade, vamos dizer que então os tempos mudaram, hoje é um pouco diferente e nisso concordo contigo...”.

A seguir relatei que apesar da tal  “democracia” o  nosso aparelho policial, como nos  outros Estados, estaria  direcionado apenas a atuar no “andar de baixo”, já no de cima haveria um outro mundo, outras pessoas blindadas. Ademir Serafim apenas sorriu com aquele seu jeito, deixando escapar um certo ar de ironia e contraditou:

- “Não, hoje mudou muito. Hoje os Delegados podem investigar à vontade...”.

Um adeus a “HP”?

No gabinete, além de Lauro Ignácio, os outros policiais assistiam a tudo como se fosse  um filme, porém, não tomavam  qualquer partido o que me fez incursionar mais uma vez:

- “Olha, eu trabalhei dois anos e meio na  Penitenciária da Capital e não vi lá  nenhum banqueiro cumprindo pena, nenhum dono de multinacional, nenhum grande empresário...”.

Ademir Serafim sorriu daquele mesmo jeito anterior  e eu acabei relatando um caso que ocorreu  comigo e a empresa “HP”. Comentei que havia adquirido  um computador top dessa marca  e depois de cinco meses a máquina simplesmente parou de funcionar. Entrei em contato com a assistência técnica e me informaram que o assunto deveria ser tratado em  São Paulo. Fiz contatos com a “HP” em São Paulo e me informaram que o meu problema só poderia ser resolvido na matriz (Estados Unidos). Comentei que depois de muitas idas e vindas, ou seja  passados quase cinco meses é que consegui resolver o problema com as Lojas Ponto Frio do Shopping Iguatemi de Florianópolis, moral da história: em razão da amizade com o gerente consegui devolver  o computador e dei adeus aos produtos  “HP”. Ademir deu a impressão que entendia meus comentários e também relatou uma experiência que teve como consumidor...