Monólogo afiado:

Data: 14.10.08. Horário:  07:30h. Estava eu e a Escrivã Silvane Vettori na mesa do café do Hotel Vieiras  (Balneário Camboriú) e a nossa  conversa foi num nível bastante interessante, pois falamos sobre como o ser humano estava cada vez mais perdido em razão da complexidade do mundo que construiu. Os argumentos estavam baseados na premissa que a raça humana ainda era muito primitiva e o homem ainda  parecia  muito com seus ancestrais, enquanto que as máquinas  cada vez eram mais complexas, com destaque para a aplicação do processamento quântico em chips e o futuro da  inteligência artificial dominando cada vez mais a nossa realidade o que iria proporcionar  saltos exponenciais em várias frentes científicas que mudariam irreversivelmente a raça humana e a sociedade como conhecemos, tudo isso num futuro bem próximo. Com isso o homem que conhecemos,  a média e longo prazo, passaria  por transformações físicas, químicas e estéticas radicais, diferenciando-se em muito do modelo que conhecíamos. Argumentei que dentro dessa visão futurista  a massa humana atual estava perdida, ainda refém do poder econômico responsável por  programar de forma intensiva  controles globalizantes, entretanto, com os avanços científicos inexpugnáveis impingidos paulatina e silenciosamente de forma sazonal, colateral, vetorial, modal...  nasceria uma nova humanidade que se distanciaria  do seu determinismo biológico natural. Com isso a própria força policial do Estado teria que ser repensada, reinventada... e, mais logo ali, não haveria  necessidade de tudo que conhecemos para civilizar o ser, desde a Educação, a Saúde, informação, a Polícia, a Justiça, a Política, as fronteiras... e o próprio Estado. 

Por volta das oito horas iniciamos nossa viagem de retorno à Blumenau. Já havia sido informado previamente que em razão da Ocktoberfest não havia hotel disponível na cidade e região. Durante o nosso trajeto o assunto mais uma vez foi a História das Polícias, com o foco no  Estado de Santa Catarina. Num certo momento  pensei  que  essa talvez fosse uma forma como a Escrivã Silvane poderia me conhecer melhor, encurtarmos nossas distâncias profissionais, propiciando que ela viesse a conhecer  um pouco mais a minha história, afinal quem eu era, já que eu estava prestes a requerer minha aposentadoria, enquanto ela teria ainda uma longa  estrada pela frente.  Procurei me desculpar  com meus companheiros (Silvane e Nolasco) porque havia feito uma autocrítica e descobri que estava monopolizando demais as atenções por meio de um monólogo que para eles poderia ser demasiadamente cansativo. Para minha surpresa, tanto  Silvane com os olhos cintilantes  como Nolasco dando a impressão de entusiasmado imediatamente rebateram, chegando a afirmar  que estavam muito satisfeitos em viajar comigo e que estavam aprendendo muita coisa. A partir daí passei a ser mais comedido, porém, sem perder o contando com meus pares.

O Doutor Lauro:

Data: 16.10.09. Horário: 10:30h. Estava na Delegacia Regional de Polícia de Balneário Camboriú, conduzindo uma audiência relativa ao processo disciplinar do Delegado Gilberto Cervi e Silva (o segundo processo que presidia). A defesa estava representada pelo  Advogado  Lauro Ignácio (Delegado aposentado e pai da Delegada Magali Nunes Ignácio, esta uma espécie de  Delegada  Adjunta do Regional Ademir Serafim). Fiquei observando a Escrivã Silvane e pude perceber que a mesma em alguns momentos se reportou ao advogado Lauro como o “doutor”.  Depois, por volta do meio dia, quando fomos almoçar na companhia do Delegado Optemar Rodrigues (vogal no processo), observei que Silvane tratou algumas vezes o Comissário Nolasco apenas pelo nome. Como eu já suspeitava a policial estava contaminada por formadores de opinião que trabalhavam no sentido de desmistificar, apequenar, afrontar... seus superiores. Evidente que se houvesse por exemplo uma carreira única e todos os policiais menos graduados, com formação jurídica ou não tivessem condições de ascender a níveis hierárquicos superiores, apenas por meio de promoções e cursos, talvez a realidade poderia ser bem diferente...  

Depois de passar aqueles três dias com Silvane passei a entendê-la um pouco melhor. Era evidente que a policial  com dois cursos superiores e já com algum tempo de serviço policial no interior do Estado e na Capital, estivesse contaminada pela cultura policial de baixo clero, a começar por alimentar inimigos internos focados especificamente nos seus superiores, como por exemplo, que  não deveria tratar seus superiores hierárquicos  de maneira tão reverencial. Aliás, Silvane trabalhou anos no oeste e conviveu proximamente com Delegados de Polícia com sérias limitações e falta de atributos inerentes ao cargo, sem contar a falta de lideranças e carências institucionais de toda ordem, conseguintemente, por conta disso  passou a se sentir auto-suficiente e a ser bastante crítica.

Diferentemente de outras policiais, guardadas as devidas limitações, Silvane  revelou grande qualidades profissionais e pessoais, além de irradiar empatia. Em alguns momentos observei alguns resquícios que denotavam uma  postura que poderia indicar certa dissimulação e habilidade que contribuía  para a lida  pacífica com seus superiores, em especial, no que dizia respeito a minha pessoa. Dava para observar que Silvane se preocupava com sua aparência, mas não era uma pessoa afetada  como havia pensando  inicialmente. Restou  claro que possuía berço e no meio policial havia desenvolvido  mecanismos próprios para ser reconhecida e respeitada.  A questão a ser posta era que se cada um policial quisesse construir seu próprio status dentro do micro universo  policial efervescente ficaria muito difícil conseguir sinergia para vencermos  desafios institucionais, especialmente, considerando o hiato existente entre a base e o cume das categorias profissionais. 

Suzana e Halfe:

Por volta das onze horas e cinqüenta e cinco minutos, quando havia encerrado  a última audiência agendada para aquela  manhã, aproveitei para conversar  rapidamente com o Delegado Luiz Carlos Halfe. Comentei que  presidia  uma sindicância contra ele  e sua esposa (Suzana), o que aguçou seu interesse:

- “Como é que é? Do que se trata? A Suzana está aposentada, podem fazer uma sindicância contra uma aposentada? Tu não lembras do que se trata?”

Respondi:

- “Parece que é por causa de uma imobiliária, um corretor lá em Porto Belo se julgou prejudicado e procurou o Promotor de Justiça, bom eu sei que o caso está comigo...”.

Recomendei que  Silvane mandasse uma cópia da portaria inicial para o Delegado Halfe a fim de tranqüilizá-lo. Também, fiquei contente por ver que minha nova secretária fazia  todas as anotações a respeito do caso, demonstrando desenvoltura, interesse e coompetência. Fui avisado  que a Policial Patrícia Angélica  permaneceria  quinze dias afastada em razão de uma licença médica. Com isso, fiquei indignado ao saber  que  depois de tudo Patrícia Angélica estaria  indo assistir normalmente suas aulas na faculdade de Direito o que me fez pensar: Ah, sim, está doente para  o trabalho, mas não para a faculdade, êta Patricinha... ”.

Nosso manezinho mais querido (sem palavras!):

Por volta das doze horas e trinta minutos estávamos almoçando num restaurante no centro de Balneário Camboriú, e eis que  num determinado momento eu e o Delegado Optemar ficamos sozinhos à mesa e ele comentou:

- “Eu não bato mais em ninguém, não falo mais nada! Cansei de criticar. Criticar  e não dar em nada, chega! E o que é pior, cansei de levar na cabeça, agora fico só na minha. Eu vou para a Assembléia dos Delegados  com minha filmadora e olha só o que eu faço, filmo tudo. Uma vez eu fui para uma assembléia dos Delegados e levei a minha filmadora, comecei a filmar e o ‘Pedrão’ (Delegado Pedro Benedeck Bardio – ex-Superintendente da Polícia Civil – década de oitenta) começou a gritar prá todo mundo e apontando na minha direção: ‘tá filmando, tá filmando, manda ele parar com isso...’. Eu já tinha conversado com o Alberto Freitas (Delegado aposentado e na época Presidente da Adpesc), e ele tinha me autorizado a filmar o que eu quisesse. Mas Genovez, só tem um jeito, é ir para a Assembléia e filmar, porque essa Sonêa é muito ‘m.’. Outro dia eu fui conversar com ela sobre o projeto de lei orgânica, fui criticar o projeto dela e ela disse que eu era muito mal educado, imagina...”.

Apenas comentei:

- “Sem palavras, Optemar, sem palavras!”