DELEGADA MARIA ELISA  (PARTE CCI): “A NOVA POLICIAL CARTORÁRIA: BOA NOVA? O IMAGINÁRIO DOS ESCRIVÃES E O UNIVERSO DOS ‘DOUTORES-DELEGADOS’: SUBVERTER OU REVERTER PRÁ QUERER...? O ‘CRIMINÓLOGO’ EX-DGPC JORGE CESAR XAVIER”.

Por Felipe Genovez | 19/09/2019 | História

A nova Escrivã seria um presente de grego? 

Data: 13.10.08. Horário: 08:00h. Estava na   Corregedoria da Polícia Civil me preparando para viagem a Blumenau e aguardando a chegada do Comissário  Nolasco (2ª DP de Florianópolis) que  seria meu motorista e da Escrivã de Polícia que foi designada pelo Corregedor Nilton Andrade para substituir Patrícia Angélica que ainda estava doente. Depois de alguns instantes eis que se apresentou a  Escrivã Silvane Vettore que aproveitou para comunicar  que era ela quem viajaria comigo. A nova policial  de início se apresentava como  um anjo na medida que chegou sorrindo. Logo nesse nosso primeiro  contato ela se revelou  muito  simpática, espontânea, comunicativa, bonita e aparentava ainda não ser uma quarentona.  Me chamou a atenção  a sua pele morena cor de açúcar queimado num tom claro, cabelos e olhos castanhos, corpo magro, roupa grifada, bem articulada e parecendo bastante competente. Na medida em que conversávamos observei algo estranho no seu comportamento que dissonava da realidade que estava acostumado a encarar no meio policial, isso porque  a todo  instante ela procurava me tratar  da seguinte forma:

- “Delegado, a Patrícia me repassou a Sindicância... Delegado eu já estou pronta para viajar... Delegado a hora que o senhor quiser sair... Delegado eu estou começando e então o senhor vai ter que ter um pouco de paciência comigo... Delegado...”.

Na medida em que ela insistia tanto naquele vocativo “Delegado” meu sorriso foi se esmaecendo, senti minha mandíbula  ficar meio que engessada e a impressão é  ela captou nossa energia circundante. Ao perceber que Silvane começou a vibrar nessa segunda reação fiquei mais abalado ainda porque me pareceu reativa, desafiante e proposital aquela sua postura defensiva de me chamar a todo tempo de “Delegado”, evitando omitir ou usar outro termo mais comum utilizado no meio policial, como “doutor”, como todos geralmente faziam. Mas a minha mudança de humor se deveu única e exclusivamente porque num primeiro momento achei que havia finalmente ganhado alguém para integrar um time, uma profissional que iria unir forças, uma amiga com quem poderia dividir as horas mais difíceis no plano profissional...   A questão não era o fato de visivelmente querer a todo tempo me chamar de “delegado”,  porque na minha leitura alguns Escrivães que tinham formação superior, muito deles em Direito, pareciam  formar uma frente contra os delegados, como em certos casos ocorrem  com médicos e enfermeiros nos hospitais..., mas a forma como ela se apresentou num primeiro momento e a postura formal e desafiante que assumiu logo em seguida.  No meu caso era diferente porque não fazia questão  que fosse  chamado da forma usual no meio policial (“doutor”), preferia ser simplesmente chamado pelo meu primeiro nome que meus pais me deram em homenagem ao “Grande Rei da Espanha”.  Silvane com sua atitude reforçava uma realidade que envolvia também um novo elemento revelador  do grau de corrosão de valores e princípios dentro da instituição.  A conduta da policial demonstrava pequenez porque tinha como objetivo impingir a todos os “Delegados” que ela não se sujeitaria a tratá-los como “doutores” só porque dirigiam a instituição policial, como ocorria no Judiciário, Ministério Público, Procuradoria-Geral do Estado... Certamente que se ela tivesse me chamado apenas pelo meu nome, dispensando tratamento, desde que fizesse isso com  carinho, afeto e respeito  minha reação teria sido bem outra, ou seja, teríamos comemorado, haveria empatia, alegria radiante e contagiante, fortaleceria nossos laços   no plano  profissional, mas aquela história de “delegado pra cá, delegado pra lá... era pura provocação e encheção de saco. Antes de sair da minha sala, quando já estava sozinho, fiquei pensando: “Meu Deus, volta logo Patrícia Angélica, não sei se vou conseguir agüentar essa mulher...”. Encontrar uma pessoa como Silvane naquela segunda de manhã era tudo o que eu não queria. Na verdade nos últimos tempos encontrava-me muito sensível, as mínimas coisas repercutiam muito, qualquer olhar, palavra mal colocado..., encontrar pessoas carregadas de energia ruim, prepotência, pobreza de espírito... era tudo o que eu não queria. Em razão disso tudo pensei mais: “Não quero fazer mal juízo dessa Escrivã, mas era visível que se trata de uma pessoa que denotava um mix de esnobismo, exibicionismo, superioridade, autismo..., provavelmente, foi preparada, envenenada..., talvez pela própria Patrícia que deve ter feito a minha caveira, dito que eu era terrível...  E agora era só esperar a viagem e  tentar sobreviver a mais essa. Acho que janeiro de dois mil e nove é o meu limite, não agüento mais este clima. A Polícia Civil  se deteriorando, os Delegados novos  perdidos e contaminados por filmes policialescos estrangeiros, seus coletes e pistolas a mostra..., os policiais cada vez mais apequenados no exercício das suas funções, enquanto que outras categorias profissionais de carreiras típicas de Estado, como magistrados, membros do MP, Procuradores,  Oficiais da PM vivem seu mundo, como se estivessem noutra dimensão...”.

Mudança de impressões:

Por volta das nove horas e trinta minutos o Comissário Nolasco e a Escrivã Silvane me apanharam no Hotel Vieiras de Balneário Camboriú onde iríamos pernoitar. Dali seguimos até a cidade de Blumenau para retornar no final da tarde. Durante a viagem rápida procurei descontrair e esquecer todas aquelas impressões preliminares, até porque tínhamos uma semana pela frente e também porque Silvane poderia mudar a primeira impressão que me deixou. Aproveitei para fazer relatos sobre minha vida dentro da instituição, a luta classista desde a época da “Federação Catarinense dos Policiais Civis” (Fecapoc), passando por projetos de leis (mudança do sistema de promoções, sistema de entrâncias, reclassificação das carreiras policiais, criação da gratificação vintenária e do anuênio permanência, fim da usurpação das funções de Delegados de Polícia...), além de outros projetos...   Silvane relatou que  era formada em Direito e Administração de Empresa em estabelecimento de ensino superior na cidade de Joaçaba de onde residiam seus familiares. Também, soube que ela já contabilizava dez anos de Polícia Civil, pois ingressou no famoso concurso de 1998. Fiquei pensando: “Bom, talvez esteja aí o seu comportamento inicial,  tem duas faculdades e deve se achar dispensada de tratar ‘Delegados’ como ‘doutores’, para tanto resolveu utilizar aquela forma transversa de se auto-gerir-e-fazer sua justiça pessoal no sentido subverter  o ‘status quo’, afrontar o ‘establishment’  interno...  O fato era que os  Delegados pareciam não se importar com esses fatos pontuais, deixavam a guarda aberta e a impressão era não estão nem aí, em especial alguns novos. De outra parte esse negócio de se invocar ‘Delegado fulano’, ‘Delegado cicrano’, ‘Delegado beltrano’ também encerrava uma outra leitura, ou seja, ao invés de chamar pelo nome próprio, como se trata apenas de formação em ensino superior, todos ficavam nivelados, então por que a diferença de tratamento se isso resultava apenas como decorrência do cargo?  Além disso havia Delegados que apreciavam ser chamados dessa forma. O problema era que se essa onda viesse a pegar nós teríamos que ter uma mudança drástica de conduta, ou seja: O Senhor Escrivão ,  Investigador, Escrevente, Comissário, Psicólogo... de  tal. Entretanto, não era isso que queriam os escrivães, era apenas com relação a seus superiores, então era proposital, bestial..., uma forma de afronta quando deveriam buscar o fortalecimento do comando e da instituição.

Passei a prestar a atenção na forma de tratamento da Escrivã Silvane com o Comissário Nolasco, isto é,  se iria chamá-lo de ‘Comissário Nolasco’, também, como iria  tratar seus próprio  colegas Escrivães na Corregedoria,  se iria  invocar ‘Escrivã Ariane’, ‘Escrivã Margarete’, ‘Escrevente Ieda’, ‘Investigador Zico’... Obviamente que se ela agisse assim com todos não se constituiria uma afronta, provocação, despeita, subversão... Certamente que se ela agisse assim com todos meu conceito a respeito dela seria diferente, muito embora pudesse achá-la meio ‘X-9‘, o que não era o caso, muito pelo contrário. Evidente que no Poder Judiciário os magistrados de primeiro grau não são tratados por seus subalternos como ‘Juiz tal‘, mas já  os ‘Desembargadores’ não são chamados de ‘doutores’, muitos exigem o tratamento de ‘Desembargador tal’. 

Acabei relembrando a conversa que tive numa audiência com a Delegada Ana Cláudia (DRP de Joinville) quando colhi seu depoimento e ela ficou o tempo todo me tratando de “Delegado”. Lembrei que pedi educadamente para que Ana não me chamasse mais de “Delegado” e que ela poderia simplesmente me chamar pelo primeiro nome, porém, imediatamente  ela argumentou que achava “lindo”  aquele tipo de tratamento, apesar de achar que aquilo poderia soar como uma atitude com um conteúdo impositivo. Também, lembrei de Dirceu Silveira (DRP de Joinville) com aquela sua mania de invocar os Delegados subordinados da sua região de “Delegado”, com voz entoada, um certo ar de “soberba” e querendo da ao cargo visibilidade e autoridade.

O ex-Delegado-Geral e o  título superior de Criminólogo Policial:

Diante dessas circunstâncias acabei lembrando do ex-Delegado-Geral Jorge Cesar Xavier que certa vez foi chamado pelo nome por um policial e imediatamente cobrou que fosse chamado de doutor. Diante da discussão pífia Jorge Xavier argumentou na minha presença que o curso de formação em Criminologia realizado na Academia da Polícia Civil lhe conferia esse título e todos os subordinados tinham que utilizar esse tratamento com seus superiores. Naquele momento, depois que o policial deixou o recinto, contraditei Jorge Xavier argumentando que aquilo que ele disse não procedia e que o tratamento de doutor era apenas por uma questão de respeito, como ocorria com relação a magistrados, promotores de justiça, procuradores, advogados e outras carreiras jurídicas. Também, argumentei  que esse tratamento  veio desde a época do Brasil colônia  quando todo advogado formado geralmente em Coimbra (Portugal), depois Olinda e São Paulo,  era chamado de doutor... Nos Estados Unidos os doutores são os médicos. Pedi que Jorge Xavier desse uma olhada nos dicionários e ele me ouviu em silêncio, mas pareceu não apreciar muito a minha explicação.