O Decamerão, que em grego significa 10 dias, é o título de uma obra renascentista clássica, escrita pelo italiano Giovanni Boccaccio (1313-1375). A história se passa durante a pandemia da peste negra que assolou a Europa dizimando mais de trinta por cento da população. Boccaccio constrói o seu livro reunindo dez jovens florentinos (sete moças e três rapazes) numa propriedade agrícola abandonada, que lá se refugiam para evitar o contágio da terrível epidemia. Para passar os dez dias enclausurados, cada um conta dez histórias de amor, em geral picantes, sobre o comportamento das elites, padres e freiras. Obviamente o livro foi indexado pela igreja. Indexado queria dizer que estava no índex dos livros proibidos para todos os fiéis da santa madre igreja. Felizmente, existem os desobedientes e o livro atravessou séculos e ainda hoje pode ser encontrado nas bibliotecas e livrarias.

Hoje estamos quase todos isolados, principalmente os de cabelos brancos que ainda acreditam que não chegou a hora de partir desta para melhor ou pior dependendo do ponto de vista. Ninguém quer morrer antes da hora, se é que existe hora para morrer. Muita gente acredita nisso e usa o exemplo do peru de Natal que tem o dia marcado para o sacrifício pela humanidade. O engraçado é que mesmo os que acreditam que a morte tem data marcada, não dormem de toca, tomando os remedinhos e atravessando a rua com cuidado. Por via das dúvidas, é melhor se prevenir.

A nossa situação não é das piores se compararmos com o isolamento no tempo da peste negra. Isso porque a epidemia foi avassaladora, matando mais de trinta por cento da população europeia também porque não existiam hospitais, UTIs, remédios e a higiene das pessoas e das ruas e casas eram bastante precárias. Pelo menos o corona-vírus não chega a tanto, pelo menos no número de óbitos.

A tentativa de segurar a onda com o isolamento social pode ter as suas vantagens, pois evitaria a superlotação de hospitais, mas por outro lado, tem um impacto terrível na sobrevivência das pessoas, principalmente aquelas que trabalham por conta própria e dependem dos clientes que desaparecem. Minha solidariedade para as cabelereiras, manicures, músicos, cantores, pedreiros, carpinteiros, vendedores ambulantes, psicólogos, terapeutas, consultores e outras tantas atividades que dependem do contato direto com o público. Alguém lembrou das prostitutas ou garotas de programa, que estão também na rua da amargura sem clientes para os prazeres do sexo. Para essas, a situação é bem pior, pois não se trata de atividade essencial e uma escapada é complicada, pois o risco de contaminação é alto.

O que fazer enquanto a vacina ou um medicamento seguro não chega. O negócio é lavar bem as mãos colocar o corpo de molho e seja o que Deus quiser. Levanto cedo e vou pegar o jornal no quintal e fico na dúvida se pode estar contaminado. Dizem que não, mas minha mulher não acredita e enfia o dito na água com cloro. E como vou ler meu jornal?  Ela responde: espere secar. O jeito é apelar pelas notícias na Internet