joacir Soares d'Abadia[1]

Quando me interrogou, refleti. Um dia, Ana Carolina (Karolzinha) fez-me uma pergunta. Uma pergunta que foi para mim um pouco inquietante pelo contexto da mesma e foi, por assim dizer, reflexiva. Mas como reflexiva algo que foi inquietante? Acredite! Foi uma pergunta reflexiva, pois me inquietou. Se ela não tivesse me deixado perturbado, talvez, passasse despercebida e seria mais uma palavra no meio de tantas outras. Isto porque existem inúmeras perguntas, palavras e fatos que passam a cada dia por nós, mas que não são percebidos, e nem mesmo são levado em conta. Mas não quer dizer que as perguntas não são feitas, que as palavras deixam de falar por si e pelo seu contexto e também que os fatos cairão no nosso esquecimento. Nada disso. Os três: perguntas, palavras e fatos estão interligados de uma forma tal que podem até serem confundidos.

01.

A pergunta não vem sem uma palavra. Como, de igual modo, a palavra não vem até nós fora de um contexto, tornando, então, um fato.

Quando a pergunta vem até nossa compreensão, ela vem com uma resposta prévia. Pois uma indagação é levada a ação quando já, no nosso entendimento, temos uma resposta. Mesmo que uma resposta sem tanto fundamento teórico ela — a resposta — já tem sua palavra que a justifica.

02.

A palavra pode até ser dada com a mesma pergunta. De que forma? Quando se pergunta sabendo da resposta ou quando a pergunta é feita para dar (...) certeza da resposta antecedente que se tem.

Contudo, a resposta dada a uma pergunta pode ser formulada sobre urna outra pergunta. E desta maneira, nem aquele que pergunta e nem mesmo o que da a resposta tem "culpa" seja parcial ou total da própria resposta. Visto que, cada uma se isenta — com palavras — de uma fatalidade prevista por uma resposta forjada.

03.

De igual peso se tem a palavra. Ela que comunica e faz comunicar. Uma palavra que comunica é aquela que vem em forma de indagação, conversa e tantos outros meios. A palavra que faz comunicar tem sua peculiaridade, ao passo que ela trabalha sobre os signos — sinais visuais. As placas de sinais de trânsito são os melhores exemplos. Eles nos remetem a uma comunicação que diz algo para nós, como por exemplo, "pare (stop)".

Porque quando temos aos olhos algo parecido isto nos levará a uma linguagem que vem antes disso: no "pare", vemos um perigo. Isto porque o perigo toma-se um fato.

04.

O fato tão pouco é importante quanto à pergunta, ou a palavra. Ambos possuem igualmente seu peso na (...) pergunta, que vem, por sua vez, com construções de palavras.

05.

Agora depois de versar sobre a minha inquietude e reflexão frente a uma pergunta, ponho-me a indagar: qual foi, portanto, a pergunta a qual me inquieta. A pergunta foi: "caso uma jovem beija (na boca) um presbítero, de quem é o pecado? Do padre, da garota ou dos dois?" Aqui se faz necessário uma análise por panes, para que possamos olhar as duas realidades imbuídas no contexto, de forma universal: um amor terreno e o outro espiritual. Para este amor, que se diz terreno, (...) estamos analisando, primeiro, uma conjuntura: "uma garota que beija", ou seja, que é livre para amar.

06.

Todo homem é livre para amar. Esta capacidade não é mérito puramente do humano, pois a possibilidade de amar é dada a cada ser humano pelo próprio Amor. Este eleva seus filhos e dão a eles a dignidade do amor na relação do amor que respeita e deixa o outro livre para amar. Sim. Para amar. Porque o Amor derrama no coração de cada pessoa o Seu amor. Aqui vemos um Amor que jorra o amor. Então fomos impressos com o selo do amor e isto nos faculta amar a nós mesmos e, sobretudo, amar o outro. Pois, somos capacitados a amar e sermos amados, visto que o amor nunca se esvai.

É justamente porque o amor nunca se finda que se pode afirmar que o amor vem para o homem da mesma forma que vem para a mulher. Entretanto, aqui é que se depara com a realidade concreta de realizar este amor: todo ser humano é convocado a amar naquilo que lhe é específico: amar o outro e a si. Porque cada qual deve amar na sua capacidade.

07.

A capacidade de amar do ser humano já está inscrita na sua consciência. Assim, o amor de uma jovem é diferente, mesmo que todos amam, do amor de um padre. Isto porque a pessoa é livre para amar uma pessoa em particular e assim, se for por designo do Oculto, constituir uma família. No entanto, a capacidade de amar de um sacerdote vai além de um amor que seja contrascivo (...) ou seja, um amor que se doa a uma pessoa específica, visto que um consagrado ao Oculto é convidado a amar de forma expansiva, que atinge a todos e que todos se sintam por ele amado. Dessa forma, o homem não está negando sua sexualidade.

08.

O homem pode e ama por meio da sexualidade. Nessa é que está contida a genitalidade. Essa, vivida sem a certeza de que o homem é um ser para o outro, então, vai existir uma banalização da sexualidade, a qual foi deixada por Deus para que os cônjuges se complementem com o gozo. Gozo este que é a alegria de estar utilizando a capacidade de amar (de forma profunda) que os esposos experimentam a cada ato conjugal.

Não cabe um consagrado se valer dos benefícios que a vida à dois concede. Entretanto, não dispensa ao casal viver uma castidade matrimonial, ao passo que a vida nupcial pode, também, ser oferecida através de alguns sacrifícios ao Amor, o Oculto.

Um dos caminhos que se pode traçar é pela castidade. Castidade esta que reflete na vida de cada presbítero no segmento do Cristo Casto.

A castidade é para ser praticada com intensidade e muito amor. Amor que vem do próprio Amor e é oferecido, por cada célebre a Ele mesmo.

Por isto, a maior terapia que se possa fazer para viver a castidade é o amor de Deus. O que é, então, a castidade? A castidade, tal qual ouvi de um presbítero, "é amar sem querer possuir nada ou ninguém; é ter o desejo de amar com o amor sempre mais puro; é uma autonomia do voo. É voar sem um peso na asa".

A castidade sendo este "amar sem querer possuir nada ou ninguém", remete-me ao que tinha me perguntado: "... é pecado para o padre?" A resposta para esta sua indagação toma-se bastante clara com a citação feita acima, porque o padre tem que apresentar um coração indiviso e principalmente assemelhar-se ao coração do Cristo. Um coração casto. Por isto e tantas outras coisas, que é pecado para qualquer padre que beija — usando sentimentos — qualquer pessoa que seja. Ele é chamado a viver uma íntima relação com o Amor. O padre é um homem do Amor e não para o amor.

09.

O presbítero é um homem que consagra a sua vida ao Amor. Ele pode dar-se aos outros, no serviço, através do amor. Isto ele deve realizar de forma consciente e gratuita. Uma gratuidade que se manifesta pelo zelo e pelo pastoreio das ovelhas que a ele são confiadas.

Pastorear é ser pastor. E ser pastor requer uma cautela e um amor por suas ovelhas a ponto de dar a própria vida em resgate de uma que por ventura venha a se desgarrar do rebanho. O pastor dá a vida em prol das ovelhas, jamais ele tem a coragem de usar destas pobres ovelhas para fazê-las o mal.

Desta forma, o pastor é obsequiado a sarar todas as doenças de suas ovelhas e, se alguma se perder, o primeiro responsável é, sem dúvida, o pastor. Porque é ele quem deve conduzir cada ovelha ao Amor.

Esta é uma das funções do pastor: encaminhar seu rebanho ao encontro do seu Senhor. O pastor não pode ferir as ovelhas, ao contrário, como já disse, tem que cura-las de suas feridas com o amor espiritual e não utilizar a doença da ovelha para alimentar em si o amor terreno.

10.

Agora posso responder a dúvida. Sempre será pecado para o padre, pois ele tem a consciência de que cada pessoa ama na sua capacidade de amar. E pode não ser pecado para a garota, uma vez que o padre não conte a ela ou mesmo que ela não saiba do estado de vida do padre. E pecado tanto para um como para o outro se a garota sabe do estado de vida do servo de Deus e mesmo assim deixa estampar seus sentimentos por ele.

11.

No desfecho dessa reflexão, é plausível fixar que, com os fatos e as experiências da mesma existência não se fala para as várias vivências. Cada existente tem na sua vida um ponto, o qual o fez pensar diferente ou mesmo reflete sobre seu existir, seu relacionar com as pessoas. Porque cada ser humano que está no mundo não fica sem se relacionar com outro ser.

Nisto encontra não só as experiências de cada homem, mas também o próprio sentido do seu existir e o existir do outro tirando este de uma miséria afetiva e dando-lhe a dignidade de uma pessoa.

O outro, com a compostura de uma pessoa, passa a ser inteiramente outro que se dá na relação interpessoal pela manifestação do corpo e da sua sexualidade. Esta manifestação é que vai elevar a dignidade do ser humano como sendo um ser corporal.



[1] Estudou FILOSOFIA e cursa Teologia no SMAB. Foi finalista no concurso internacional de filosofia da Revista Antorchacultural em 2007 e 2008. Em 2007 Com a obra "Riqueza da Humanidade..." e em 2008 com a obra "Opúsculo do conhecer". Tem vários artigos publicados em Jornais tanto de Brasília como de Formosa Goiás; além de manter mensalmente a coluna "Filosofando" do jornal "Alô Vicentinos".