De onde vem o dendê Não pretendo responder à indagação sobre a origem do azeite de dendê nem da palmeira que produz o coco de onde se estrai o óleo. Nada disso. Minha intenção é outra discussão. Minha inquietação é a influência africana sobre a culinária brasileira. E esta, sim, usa o óleo ou azeite de dendê. Mas também não se trata de discutir a culinária, mas as influências. E, neste caso, vale a pena refletir sobre essas influências do ponto de vista histórico. Vale a pena levar em consideração o fato de que inúmeras iguarias de nossa cozinha são originárias da influência africana. Mas não se originaram na África e, na maioria das vezes não foram trazidos pelos escravos e aqui adaptados para os atender aos gostos dos senhores de escravos. A influência africana, remonta ao tempo da escravidão, sim, mas a respeito de nenhum dos produtos usados na preparação dos quitutes se pode dizer: “foi trazida pelos escravos”. Aliás, das poucas coisas que os africanos escravizados trouxeram uma delas foi sua cultura. Dessa cultura, em solo brasileiro, desenvolveu-se: candomblé, umbanda, alguns instrumentos musicais, vários quitutes... mas não os ingredientes utilizados na culinária de origem africana. A origem cultural é africana; mas não se pode dizer que os elementos, condimentos, sementes e tudo que se utiliza na preparação dos alimentos de origem africana foi trazida pelos escravos. Pode até ter sido trazido junto, mas não pelos escravos. Vamos entender isso: sabemos que a feijoada é uma iguaria, hoje requintada, mas que no tempo da escravidão se fazia na senzala, com restos descartáveis dos porcos que alimentavam os senhores da casa grande. Então, a feijoada pode ser vista como originária de uma certa influência africana, mas desenvolveu-se em solo-Brasil. E assim, vários outros traços da culinária ou da cultura afro-brasileira: nasceu da influência, mas não veio da África trazido pelos escravos. E isso por um motivo simples: os escravos não vieram como imigrantes que optaram vir. Os imigrantes – portugueses, japoneses, italianos, alemães – por decisão livre, recolheram seus saberes e alguns apetrechos e se transferiram para o Brasil. Então as influências da sua em nossa cultura veio com eles. No caso dos escravos não foi assim. Eles não optaram por se transferir para nosso país, que na realidade surgiu como colônia portuguesa. E os escravos que da África foram trazidos não optaram. Pelo contrário: ou já eram escravos de seus conterrâneos e foram vendidos para os portugueses; ou foram caçados, sob encomenda portuguesa. Em ambos os casos trazidos à força. Em ambos os casos o negro escravizado não teve escolha. O negro escravizado não teve tempo de dizer: “espere um pouquinho. Vou pegar aqui mais algumas semente e mais algumas mudas disso e daquilo, pois lá na fazenda onde serei escravo poderão precisar destes temperos”. Não lhe foi dado tempo nem mesmo para despedir-se de filho, esposa ou marido. Simplesmente foram raptados. Por isso não lhes foi dada a alternativa de preparar ingrediente para os pratos, hoje, famosos. Nem mesmo o azeite de dendê! Sendo assim, diferentemente dos imigrantes que optaram e escolheram e selecionaram animais ou especies vegetais que trouxeram na bagagem, os africanos não tiveram essa oportunidade, simplesmente porque não tiveram escolha. Portanto, quando alguém disser que este ou aquele prato, esta ou aquela iguaria é de origem africana ou foi trazida pelos escravos, cuidado. O negro escravizado trouxe sim sua cultura, mas não os ingredientes para produzir nossa cultura. Determinado prato ou ingrediente pode ter origem africana, mas não foi trazido pelo negro escravizado. O negro, aqui, produziu muita coisa, mas não como um legado de escravo e sim como mecanismo de resistência à escravidão. Neri de Paula Carneiro Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador. Rolim de Moura - RO